Perguntas, respostas e reflexões em torno do autofinanciamento da campanha eleitoral das eleições de 2018
Neste cenário, algumas perguntas têm sido formuladas e, algumas respostas têm sido dadas, sem a devida cautela ou cuidado jurídico. Tentaremos responder aos questionamentos com lastro na legislação eleitoral e constitucional, permitindo que possa ser feita uma reflexão mais madura e imparcial da questão ora em comento.
sexta-feira, 2 de março de 2018
Atualizado em 28 de fevereiro de 2018 18:48
Na ''ordem do dia'' está o assunto do autofinanciamento das campanhas eleitorais'', ou seja, hipótese em que o próprio candidato custeia, do seu próprio bolso, a sua campanha eleitoral para o cargo eletivo que pretende ocupar.
Neste cenário, algumas perguntas têm sido formuladas e, algumas respostas têm sido dadas, sem a devida cautela ou cuidado jurídico. Tentaremos responder aos questionamentos com lastro na legislação eleitoral e constitucional, permitindo que possa ser feita uma reflexão mais madura e imparcial da questão ora em comento.
O primeiro questionamento é:
Existe limite para gastos (despesas) em campanhas eleitorais?
A resposta é positiva. Existe sim limites, que chamaremos de ''teto de gastos''. O artigo 18 da Lei de Eleições (lei 9.504) estabelece que ''os limites de gastos de campanha serão definidos em lei e divulgados pelo Tribunal Superior Eleitoral''. A ''lei'' mencionada é a lei 13.488, cujo artigo 6º foi repetido no artigo 4º da resolução do TSE (23.553/18), onde resta explícito os limites de gastos para os cargos eletivos do pleito eleitoral de 2018, a saber: Presidente da República - teto de R$ 70 milhões em despesas de campanha. Em caso de segundo turno, o limite será de R$ 35 milhões. Governador - o limite de gastos vai variar de R$ 2,8 milhões a R$ 21 milhões e será fixado de acordo com o número de eleitores de cada estado, apurado no dia 31 de maio do ano da eleição. Senador - o limite vai variar de R$ 2,5 milhões a R$ 5,6 milhões e será fixado conforme o eleitorado de cada estado, também apurado na mesma data. Deputado federal - teto de R$ 2,5 milhões. Deputado estadual ou deputado distrital - limite de gastos de R$ 1 milhão.
O segundo questionamento é:
O que acontece com aquele candidato, eleito ou não, que extrapola o teto de gastos para o qual concorreu? Enfim, por exemplo, que podia gastar 70 milhões de reais em despesas de campanha eleitoral e gastou 71 milhões?
Obviamente que é preciso ter sanções pela extrapolação do teto de gastos. Elas estão previstas no artigo 18-B da lei 9.504 (e acabou sendo repetida no artigo 8º da referida resolução) que expressamente diz que ''o descumprimento dos limites de gastos fixados para cada campanha acarretará o pagamento de multa em valor equivalente a 100% (cem por cento) da quantia que ultrapassar o limite estabelecido, sem prejuízo da apuração da ocorrência de abuso do poder econômico''. (Incluído pela lei 13.165, de 2015).
Observe que a multa de 100% da quantia que ultrapassar o limite estabelecido é objetivamente imposta, ou seja, é um critério matemático. Por exemplo, se o candidato a presidente da república, eleito ou não, gastou 71 milhões (poderia gastar 70 milhões), então deve pagar de multa um milhão de reais. Venhamos e convenhamos, o valor é absurdamente ínfimo, perto do estrago que pode causar e, o que deveria servir para desestimular a extrapolação acaba tendo um efeito inverso. Em que poderia ser algo do tipo ''5 vezes o valor do excesso...'', mas a verdade é que é apenas um percentual sobre o total da quantia extrapolada.
É de se dizer que no final deste mesmo dispositivo, há ainda a previsão de que o pagamento da multa não prejudica a ''apuração da ocorrência de abuso de poder econômico''. Trata-se de uma advertência inócua, pois ainda que o candidato respeite o limite de gasto estará sempre sujeito à regra do artigo 30-A da lei 9.504, ou seja, ser investigado em ação de abuso de poder econômico é sempre uma possibilidade, independentemente de exceder o teto de gastos. O que pode vir a ser útil é se a jurisprudência se inclinar no sentido de interpretar o excesso ao limite de gasto como um gatilho para deflagrar a propositura da ação de investigação por abuso de poder econômico decorre da arrecadação e gasto ilícito de campanha eleitoral. Se isso acontecer, então a advertência pode ter algum efeito, mas do contrário, será apenas um aviso inútil, porque pode haver abuso de poder mesmo que o candidato esteja dentro do limite do teto de gasto para o cargo que concorreu.
O terceiro questionamento, traz uma sequência de indagações interligadas, e é o seguinte:
Por que o candidato tem CNPJ?
A indagação parte de uma afirmação que, por si só, é informativa para muita gente. É verdade, realmente, que o candidato possui um CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica), ainda que provisoriamente, para realizar arrecadação e gastos de sua campanha eleitoral. Imagino que o eleitor não saiba que o candidato a um cargo eletivo - aquele sujeito que pede o nosso voto e que está filiada a um partido político - possui um CNPJ. Isso mesmo.
Embora a gente assista candidatos de carne e osso passeando pelas ruas, em cima de palanques, participando de debates, etc... tentando te convencer a dar o seu voto para ele, na verdade, para fins de arrecadação e gasto de campanha eleitoral, enfim, para realizar a movimentação financeira da campanha eleitoral, ele não é uma ''pessoa física'', pois como bem diz o artigo 22-A da lei 9.504 ''os candidatos estão obrigados à inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica - CNPJ''.
Uma coisa é o candidato, uma entidade própria que possui CNPJ e que representa os anseios de uma agremiação em torno da qual agregam-se valores e ideias; outra coisa é a pessoa física sobre a qual ele encarna.
Para entender melhor é só pensar em si mesmo caso um dia pretenda se aventurar a concorrer a um cargo eletivo. Uma coisa será o candidato, outra coisa será a pessoa física que desejou se candidatar. A rigor, do ponto de vista jurídico, ninguém vota ''em si mesmo'', pois o eleitor não se confunde com o candidato. O candidato é escolhido em uma Convenção Partidária e, por isso mesmo personifica a síntese da ideologia partidária, dos programas e diretrizes políticas que deverá implantar se for eleito. Ao submeter-se ao processo político eleitoral o candidato - submete-se a uma disciplina de direitos e deveres - totalmente dominada pelo interesse público. Aquele que pretende ser mandatário do povo, enfim, que se oferece para ser o representante do povo no exercício da soberania, deve saber que submete-se a uma série de regras de interesse público.
Todo sujeito que deseja ser candidato sabe que após o recebimento do pedido de registro da candidatura, a Justiça Eleitoral deverá fornecer em até 3 (três) dias úteis, o número de registro de CNPJ.
Numa ficção jurídica que só o Direito consegue explicar, este sujeito será, ao mesmo tempo, um eleitor (pessoa física) que poderá votar ''em si mesmo'', e também um candidato, uma figura jurídica que é porta voz de dos interesses e aspirações de uma agremiação política e que, para fins de arrecadação e controle dos gastos de campanha estará inscrito num temporário cadastro de pessoas jurídicas.
A razão dessa ficção jurídica de estar inscrito no CNPJ é muito simples, como já antecipado, posto que está vinculada à necessidade de se dar transparência e decência à arrecadação e gastos de campanha eleitoral. Imagine a loucura que seria o candidato que usasse a sua conta bancária pessoal, da pessoa física, que usa para pagar as contas da casa, supermercado, padaria, etc... também para servir de conta de campanha. Além da bagunça pessoal, o problema seria a dificuldade de fiscalização, de conferência, de controle, de transparência da arrecadação e gastos de campanha que, frise-se, é uma questão de interesse público e não privado.
É importante que fique claro que o fato de ter um CNPJ não transforma o candidato de carne e osso em uma pessoa jurídica, obviamente, mas esta foi a técnica jurídica encontrada pelo ordenamento jurídico para permitir que seja feito o controle, a fiscalização e dar transparência à movimentação financeira da campanha eleitoral do candidato.
É interessante notar até mesmo aquele candidato que nada tenha arrecadado, cuja conta de campanha tenha sido ''zerada'', este também deverá prestar contas à justiça eleitoral. Neste último caso, seja para a hipótese de ''zero movimentação financeira de campanha'', seja para hipóteses de ''movimentação financeira de pequeno valor'' (art. 28, §9º), ainda que o legislador estabeleça um sistema simplificado de prestação de contas, ela deve sempre acontecer.
Recorde-se, nos termos do artigo 22 da lei 9.504 que ''é obrigatório para o partido e para os candidatos abrir conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha''. Isso é exigência da própria democracia representativa.
O quarto questionamento é o seguinte:
É possível o autofinanciamento da campanha?
Sim, é possível. Lembrando sempre que o candidato é um ente jurídico diverso da pessoa física que ele encarna. É claro que este pode doar para aquele, num típico caso de autofinanciamento. Assim, pode usar o carro da pessoa física, a moto, e até o dinheiro, desde que tudo isso seja devidamente contabilizado na prestação de contas e que o eventual dinheiro ingresse na conta do candidato que não é e nem pode ser a mesma da pessoa física, de forma que tudo, absolutamente tudo, seja contabilizado e apresentado em prestação de contas à justiça eleitoral. Excetuam-se a esta rigorosa regra apenas as situações descritas no artigo 26, §3º da lei 9.504 que assim diz:
§ 3º Não são consideradas gastos eleitorais nem se sujeitam a prestação de contas as seguintes despesas de natureza pessoal do candidato: (incluído dada pela lei 13.488, de 2017)
a) combustível e manutenção de veículo automotor usado pelo candidato na campanha; (incluído dada pela lei 13.488, de 2017)
b) remuneração, alimentação e hospedagem do condutor do veículo a que se refere a alínea a deste parágrafo;(incluído dada pela lei 13.488, de 2017)
c) alimentação e hospedagem própria; (incluído dada pela lei 13.488, de 2017)
d) uso de linhas telefônicas registradas em seu nome como pessoa física, até o limite de três linhas (Incluído dada pela lei 13.488, de 2017)
O quinto, sexto e sétimo questionamento são os seguintes:
Existe limite para o autofinanciamento?
Existe e ao mesmo tempo não existe. Explico melhor. Existe o teto de gastos do cargo para o qual o candidato pretende se eleger, que vimos em resposta anterior. O teto de gastos é um limite de qualquer tipo de financiamento, inclusive das verbas oriundas dos fundos eleitorais, dos partidos, etc.
É obstáculo que se impõe, inclusive, para o autofinanciamento. Mas, respeitado este teto de gastos, então não há limite para o candidato se autofinanciar. Assim, por exemplo, pode um milionário candidato a Presidente da República tirar do seu próprio bolso os 70 milhões que é o teto de gastos para este cargo e financiar a sua campanha.
Isso sempre foi assim? Se positivo, por que essa situação nunca teve muita repercussão? Mas essa regra do autofinanciamento limitado apenas ao teto de gasto do cargo não foi revogada em dezembro de 2017?
Para entender o problema - e prepare-se, porque é um complexo problema - é preciso saber que toda campanha custa dinheiro, e, a cada nova eleição elas estão ficando mais caras.
A tal ''campanha eleitoral com um custo zero'' não elege ninguém. Aliás, se duvidam dessa afirmação, sugiro que naveguem pelo site do TSE e confiram as prestações de contas de campanha dos candidatos da sua região ou Estado e depois compare com os que foram eleitos. Estes, os eleitos, são, regra geral, e salvo raríssimas exceções, exatamente aqueles que gastaram mais dinheiro em campanha. Exceção feita, vocês verão, àqueles candidatos eleitos que já eram famosos antes de se eleger, e valeram de sua fama para obter a vitória nas urnas, tais como jogadores de futebol, radialistas, apresentadores de programa de televisão, cantores, e por aí vai.
Outra coisa importante para entender o problema levantado na pergunta é a recordação de que não é possível doação à campanha eleitoral por pessoas jurídicas. Quem não se lembra do histórico julgamento no STF (ADIn 4650) que declarou, por maioria, a ''inconstitucionalidade dos dispositivos legais que autorizavam as contribuições de pessoas jurídicas às campanhas eleitorais'', que estavam, precisamente, no artigo 81 da Lei das Eleições. Tal julgamento levou, inclusive, a revogação deste dispositivo pelo artigo 15 da lei 13.165/15. O legislador, que não é nada bobo, para evitar o desgaste político tratou de revogar o artigo 81, então objeto do reconhecimento de inconstitucionalidade pelo STF.
Assim, a fonte do financiamento de campanha eleitoral por pessoas jurídicas está seca desde 2015 e, as eleições para prefeitos e vereadores em outubro de 2016 já aconteceu sem recursos desta origem.
Eis aí o motivo pelo qual a questão do autofinanciamento de campanha, num estalo, ganhou relevo. Portanto, quando passou a ser vedada a doação por pessoas jurídicas, percebeu-se que esta seria o modo mais simples de se eleger: usando recursos do próprio bolso. Uma vez proibida esta fonte de doação, das pessoas jurídicas, então, os políticos passaram a enxergar outros cenários e, um deles foi justamente o do autofinanciamento.
Não foi por acaso que, ainda em 2015, após o julgamento do Supremo Tribunal Federal e já pensando nas eleições de 2016, adivinha o que fez o Congresso Nacional? No artigo 15 mencionado acima, revogaram o dispositivo (art. 81) declarado inconstitucional pelo STF, mas no artigo 2º da lei 13.165/15 enxertaram um dispositivo, o §1º-A ao artigo 23, na Lei das Eleições (lei 9.504) criando expressamente um regime jurídico próprio para o autofinanciamento, evitando, portanto, o limite até então existente no art. 23, §1º, de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior ao da eleição. O novo dispositivo (23, §1ºA) dizia o seguinte: ''o candidato poderá usar recursos próprios em sua campanha até o limite de gastos estabelecido nesta Lei para o cargo ao qual concorre''.
Com este dispositivo, a referida lei criou-se dois regimes jurídicos para a doação de pessoas físicas: a) terceiros; b) autofinanciamento. Para os terceiros a regra era a do artigo 23, §1º, enquanto que para o autofinanciamento era a regra do artigo 23, §1º-A. Os limites da doação existente para os terceiros não existiam para o autofinanciamento. Para este último caso apenas o limite do teto de gasto do cargo que pretende concorrer.
Aí, veio no ano seguinte a experiência vivida nas eleições de 2016. E sabe o que vimos nestas eleições? Exemplos pulularam no Brasil de candidatos endinheirados que financiaram suas próprias campanhas, causando uma dicotomia perniciosa ao processo eleitoral: candidatos ricos (que se elegem com seu próprio dinheiro) e candidatos que não são ricos e que não tinham mais a fonte das pessoas jurídicas para captar os recursos de campanha.
Assim, depois da experiência nas eleições de 2016 que mostrou candidatos endinheirados valendo-se do §1º-A para o autofinanciamento e tornando escancarado o problema do desequilíbrio do pleito eleitoral causado pelo fator econômico (candidatos ricos teriam mais chance de vitória que candidatos pobres), então, o legislador tratou de revogar o maldito §1º-A do artigo 23, por intermédio da lei de 06 de outubro de 2017 (13.488/17) que, a rigor, ao fazer isso, impôs ao candidato o mesmo limite de 10% dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior ao da eleição que serve para qualquer pessoa física. Ou seja, se doação de terceiros ou autodoação teriam o mesmo regime jurídico.
Entretanto, tudo ficaria deste jeito e teríamos uma eleição com esta regra se não fosse um outro probleminha. É que o presidente Michel Temer, usando das atribuições que o cargo lhe confere, vetou a revogação do art. 23, §1º-A, o que, trocando em miúdos, implica dizer que manteve válido tal dispositivo. Posteriormente, o Congresso Nacional, também usando dos poderes e atribuições que a Constituição lhes confere, acabou por derrubar o veto do presidente, mas só que o fez apenas na sessão do dia 13/12/17, portanto, trazendo eficácia de novo à proibição do autofinanciamento da forma como existia no art. 23, §1º-A. Aí você deve estar pensando...
_então por que todos estão dizendo que o autofinanciamento até o limite do teto de gastos ainda é possível nestas eleições se a revogação do artigo 23§1º-A acabou acontecendo em dezembro de 2017?
Explico. Tudo no Brasil é complexo, e mesmo revogado este absurdo dispositivo, do autofinanciamento limitado apenas pelo teto de gasto, ele ainda vai valer para as eleições deste ano - como indica o art. 29, §1º da resolução TSE 23.553 - pois, por segurança jurídica, adotamos o princípio da anualidade eleitoral (art. 16) que determina ''a lei que alterar o processo eleitoral só entrará em vigor um ano após sua promulgação'' e, como a definição sobre o autofinanciamento só aconteceu em dezembro de 2017, então não valerá para as eleições de outubro de 2018.Contudo, ''cenas dos próximos capítulos'' poderão surgir, a depender do julgamento da ADI proposta pelo PSC e pela Rede e que estão em curso no STF, onde se analisa justamente esta questão do autofinanciamento.
Qual a sanção para a pessoa física que excede o limite de doações?
Apenas para facilitar a compreensão numa doação existe o doador e o donatário, respectivamente, aquele que dá e aquele que recebe o objeto da doação. Assim, a pessoa física é o doador e o candidato ou partido é o donatário.
A sanção descrita no artigo 23, §3º é apenas para aquele que doa a quantia, ou seja, a pessoa física. Além de dar o seu dinheiro, pode ser punido por dar um valor a mais do que ele poderia dar.
A regra, como dito, é a descrita no artigo 23, §1º da Lei das Eleições, onde se observa que as doações e contribuições ficam limitadas a 10% (dez por cento) dos rendimentos brutos auferidos pelo doador no ano anterior à eleição e, caso tal prescrição seja descumprida, então o infrator fica sujeito ''ao pagamento de multa no valor de até 100% (cem por cento) da quantia em excesso''.
Esta sanção é aplicada depois que se obtém o cruzamento de dados da Receita Federal com as prestações de contas de campanha e verifica-se os limites de doação de cada pessoa física, caso em que, se excessivo, sujeitará a pessoa a sanção mencionada. Aliás, registre-se, a sanção ficou bem mais branda do que existia antes. Até a lei 13.488/17, o excesso era punido com multa de 5 a 10 vezes sobre este valor. O legislador, sabidamente, reduziu a punição para o doador.
É possível que algum gasto eleitoral seja feito pelo eleitor a algum candidato e esse valor não seja contabilizado?
Sim, esse absurdo é possível. Imagine um candidato que chegue numa cidade para fazer campanha e tenha o seu almoço e de seus cabos eleitorais custeados por um simpatizante de sua campanha. Nos termos do artigo 27 da Lei das Eleições ''qualquer eleitor poderá realizar gastos, em apoio a candidato de sua preferência, até a quantia equivalente a um mil UFIR, não sujeitos a contabilização, desde que não reembolsados''. O que diz o dispositivo é que não pode ser um ''empréstimo com reembolso'', enfim, deve ser um gasto do eleitor em favor do candidato, e diz ainda que este gasto deve ter por limite de 1000 UFIR o que deve girar em torno de mil reais.
Isso é um verdadeiro absurdo, porque não há romantismo no processo eleitoral. Toda doação deveria ser contabilizada não apenas pelo controle financeiro e transparência, mas especialmente para que os demais eleitores saibam que contribui com a campanha do candidato, o que de certa forma pode influenciar na sua avaliação. Não tem nenhum cabimento o que prescreve o dispositivo, até porque, usando o mesmo exemplo que dei, é perfeitamente possível um candidato e sua comitiva almoçar todos os dias com benesses dadas por simpatizantes, sem que nada disso fique contabilizado. Esta parece ser a regra do jeitinho brasileiro que tempos atrás exemplarmente criticado por um excelente texto do ministro Barroso resultante de sua palestra numa universidade americana.
Uma vez respeitado o limite de gasto, o que fazer com as sobras da doação do que não for utilizado na campanha eleitoral?
Entende-se por ''sobras de campanha'' (I) - a diferença positiva entre os recursos financeiros arrecadados e os gastos financeiros realizados em campanha; (II) - os bens e materiais permanentes adquiridos ou recebidos durante a campanha até a data da entrega das prestações de contas de campanha.
Este é mais um pecado do legislador que, também aqui legislou para si mesmo. Estabeleceu o destino das sobras e sua utilização. Segundo o artigo 31, caput e seu parágrafo único da lei 9.504, tem-se que ''se, ao final da campanha, ocorrer sobra de recursos financeiros, esta deve ser declarada na prestação de contas e, após julgados todos os recursos, transferida ao partido'', e, ''as sobras de recursos financeiros de campanha serão utilizadas pelos partidos políticos, devendo tais valores ser declarados em suas prestações de contas perante a Justiça Eleitoral, com a identificação dos candidatos". Obviamente que não seria possível devolver ao doador o valor doado, pois integra um montante único. Contudo, permitir que fique com o partido pode não corresponder à vontade de quem doou, afinal de contas, se doou para ajudar na campanha eleitoral de determinado candidato para determinado cargo e em determinada eleição, então, manter tais valores na conta do partido para futuras campanhas não nos parece justo. Melhor seria se os valores fossem repassados ao Fundo Eleitoral.
É preciso ficar atento que nas sobras de campanha podem estar os ''Recursos de Origem não Identificada'' que, constituem fonte vedada e não podem jamais serem utilizados em campanha, e caso não possam ser corrigidos ou identificados o doador, devem então ser integralmente transferidos ao Tesouro Nacional por meio de Guia de Recolhimento da União.
Algum candidato pode realizar um empréstimo para autofinanciar sua campanha? Isso é possível.
Esta não é uma hipótese a ser descartada, antes o contrário. Imagino que muitos candidatos pretendam usar deste artifício para autofinanciarem suas campanhas eleitorais. É até possível que isso aconteça, mas algumas regras devem ser rigorosamente atendidas para evitar que tal prática seja facilitadora de fraudes e abusos.
Assim, tratando-se de ''recursos próprios'', que sejam frutos de empréstimo, somente será admitido quando a contratação do empréstimo ocorra em instituições financeiras ou equiparadas autorizadas a funcionar pelo Banco Central do Brasil, evitando-se de certa forma que mecenas ''bondosos'' possam emprestar dinheiro para campanhas eleitorais. Esta regra se aplica aos partidos políticos também. E, tratando-se de ''candidato'', ou seja, com pedido de registro de candidatura já requerido, é preciso ainda que cumpra os seguintes requisitos cumulativos: I - estejam caucionados por bem integrante do seu patrimônio no momento do registro de candidatura; II - não ultrapassem a capacidade de pagamento decorrente dos rendimentos de sua atividade econômica.
Assim, é importante que fique bem claro que, tanto o partido quanto o candidato devem comprovar, até a prestação de contas final da campanha eleitoral, a comprovação do referido empréstimo com documentação legal e idônea e, na hipótese de ser candidato, a sua integral quitação em relação aos recursos aplicados em campanha. Outrossim, nada impede que o órgão judicial eleitoral determine que o candidato ou o partido político demonstrem com clareza e transparência a origem dos recursos utilizados para a quitação, como preleciona o art. 18 da resolução 23.553. Por aí se percebe que não adianta o candidato solicitar a um terceiro que pague o empréstimo solicitado, porque isso não será aceito e terá a sua prestação de contas rejeitada, na medida que será uma burla evidente ao art. 23, §1º.
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*Marcelo Abelha Rodrigues é advogado do escritório Cheim Jorge & Abelha Rodrigues - Advogados Associados.