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Índice de percepção da corrupção: premissas indispensáveis para interpretá-lo

Bruno Fagali e Lucas Pedroso

Conhecer como esse índice é elaborado é de extrema importância, pois traz elementos indispensáveis para qualquer interpretação crítica sobre os resultados divulgados.

sexta-feira, 2 de março de 2018

Atualizado em 28 de fevereiro de 2018 18:38

No dia 21 de fevereiro a Transparência Internacional divulgou o Índice de Percepção da Corrupção.

A ONG veicula em seu site, inclusive, um breve vídeo explicando um pouco sobre esse índice, clique aqui.

Trata-se, assim, de um indicador já tradicional (existente desde 1995) e que, como o nome já deixa claro, mede a percepção da corrupção e classifica a conclusão dos resultados obtidos em um ranking. E nesse ranking, o Brasil teve um desempenho bem pior do que nos últimos anos. Veja o gráfico abaixo:

(fonte: Transparency International)

''Bom'', até aqui tudo ''bem''. Quase todos os veículos de comunicação de médio e grande porte divulgaram esse ranking e seus principais resultados.

Acontece que muito pouco se fala sobre como efetivamente é feito este ranqueamento. Ou seja, quais são os critérios, de quem são obtidas as informações e/ou como os resultados são elaborados e dimensionados.

Saber isso, a nosso ver, também é importante, sobretudo, para que se possa interpretar mais corretamente os índices publicados. Ou seja: conhecer como esse índice é elaborado é de extrema importância, pois traz elementos indispensáveis para qualquer interpretação crítica sobre os resultados divulgados.

Veja, não se trata de um ranking que mede exatamente a corrupção de um país (até porque o termo ''corrupção'' já é, em si, propício a centenas de diferentes definições). É um ranking que mede a ''percepção''.

A própria palavra ''percepção'' traz uma ideia de algo um pouco subjetivo, que nos remete a um sentimento, e não a dados concretos, objetivos.

Apontemos, então, algumas das principais curiosidades1 sobre como a Transparência Internacional faz para, ao final, chegar a esse índice tão importante e divulgado.

Bom, obviamente, uma organização tão destacada e reconhecida no mundo inteiro2 não junta meia dúzia de seus funcionários e vai às ruas entrevistar os transeuntes durante uma semana, perguntando para eles se eles acham que em seu país existe corrupção.

Os dados obtidos são, isso sim, provenientes de pesquisas conduzidas nos últimos dois anos por ao menos três renomadas instituições e envolve percepções de corrupção no setor público. Ou seja, essas instituições conduzem entrevistas, estudos e chegam a ''valores'' que depois são comparados e produzem um número final.

E aqui já se tem duas características importantes a serem apontadas:

(i) não necessariamente as pesquisas são conduzidas pelas mesmas instituições: dentre tantas instituições envolvidas, estão o Banco Mundial, o Fórum Econômico Mundial e o Banco Africano de Desenvolvimento.

Porém, isso não quer dizer que todas executam suas pesquisas necessariamente em todos os países do mundo. Depende muito do âmbito de atuação de cada uma delas.

No caso do Banco Africano, por exemplo, tem-se a limitação geográfica, que faz com que sua pesquisa seja focada nos países do continente africano.

(ii) um determinado país pode ser avaliado por um número diferente de pesquisas/instituições do que outro: vimos que existe um limite mínimo de diferentes pesquisas (realizadas por diferentes instituições pesquisadoras) para a obtenção de informações sobre cada um dos países. O mínimo é três.

Logo, isso quer dizer que um determinado país pode ser avaliado por um número diferente de pesquisas/instituições do que outro. E essa tem sido a regra, não a exceção.

O Brasil, por exemplo, foi avaliado por 8 diferentes pesquisas/instituições, enquanto o Chile e os Estados Unidos, por 9, as Ilhas do Caribe (como Barbados) por 3 e certos países europeus (como a Polônia), por 10.

Como não poderia deixar de ser, cada instituição possui sua própria metodologia (o que, enfatiza-se, ao menos demonstra que não se trata de um ''achismo'' aleatório). Por exemplo, a Unidade de Inteligência da Revista The Economist (EIU, no original) conta com um time de experts (locados em Londres e também distribuídos pelo mundo). Cada um deles é responsável por até 3 países, devendo sobre estes analisar/responder algumas questões envolvendo, por exemplo - e dentre tantas outras -, a existência de um Judiciário independente, a tradição de subornos no país, se o governo tem suas contas auditadas por um órgão independente. A depender do que ocorre no país, é conferida uma nota de 0 a 4 para cada quesito. Em 2017, 131 países foram examinados pela EIU.

Tendo cada instituição sua própria metodologia, obviamente que as perguntas e os envolvidos em muito também se diferem:

(i) perguntas: em alguns casos, investiga-se como é o processo de nomeação para cargos no governo, se esses cargos são utilizados em proveito próprio, ou podem ser questões mais gerais como: ''suborno e corrupção: existem ou não existem'', ''como você avalia o problema da corrupção no país em que está trabalhando?'';

(ii) envolvidos: algumas instituições são mais acadêmicas, com redes e professores e pesquisadores do mundo todo, outras contam com especialistas próprios, além de que existem pesquisas para o público em geral ou para executivos de empresas que atuam nos países.

Dessa forma, embora muitos dados sejam coletados, trabalhados e revistos, também há um fator de percepção da corrupção por quem atua no meio ou por quem vive no país.

Pois bem. Diante de tudo isso - e enfatizando a extrema e irrefutável importância tanto dele quanto da Transparência Internacional -, oportuno registrar ao menos dois alertas em relação ao Índice de Percepção da Corrupção:

(1) grande parte das informações que o fundamenta são subjetivas e colhidas de modo heterogêneo (diferentes instituições, diferentes quantidades de instituições e diferentes metodologias utilizadas), o que, obviamente, pode trazer significativas distorções; e

(2) o desempenho do Brasil no último ano não necessariamente significa que há mais corrupção hoje do que outrora. Significa, isso sim, que os diversos fatos relacionados ao grande tema da corrupção que estão sendo descobertos e diariamente noticiados também influenciam muito a percepção dos envolvidos nas pesquisas3.

Portanto, mais uma vez reiteramos: conhecer como esse índice é elaborado é de extrema importância, pois traz elementos indispensáveis para qualquer interpretação crítica sobre os resultados divulgado.

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1- Extraídas da ''Technical Methodology Note'' e das planilhas com os resultados por extenso, divulgadas no site da TI.

2- Segundo o site da própria Transparência, trata-se de um movimento global em busca de um mundo livre de corrupção, presente em mais de 100 países. E com sede em Berlim, na Alemanha, foi fundada no começo da década de 1990 por Peter Eigen, ex-funcionário do Banco Mundial. Tem hoje o status de ONG internacional.

3- Logo, por exemplo, não seria de todo incorreto se afirmar que o país poderia estar melhor ranqueado se a mesma corrupção não fosse tão debatida e noticiada quanto atualmente.

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*Bruno Fagali é sócio-fundador do escritório FAGALI advocacia. Mestrando em Direito do Estado. Profissional Certificado em Healthcare Compliance lato sensu pelo CBEXs. Associado efetivo e coordenador da "Comissão Ética e as Agências de Publicidade", do IBDEE. Advogado atuante em Compliance, Direito Público (Administrativo, Constitucional e Urbanístico), Direito Anticorrupção, Direito Publicitário e Direito Parlamentar e Eleitoral.



*Lucas Pedroso é sócio do escritório FAGALI advocacia. Mestrando em Direito do Estado. Advogado atuante em Direito Público, Direito Publicitário e da Comunicação, Compliance, Direito Anticorrupção, Direito Parlamentar e Direito Eleitoral.

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