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Liberdade para o nascituro, por Eudes Quintino

Liberdade para o nascituro

Já não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer. E sim ampliá-lo e agregar a ele o nascer com dignidade, com saúde, com a proteção estatal necessária, extensiva à sua mãe, de quem é dependente na vida pré-natal.

domingo, 25 de fevereiro de 2018

Atualizado em 23 de fevereiro de 2018 09:58

A segunda turma do Supremo Tribunal Federal, em decisão que causou grande repercussão social, concedeu os benefícios da prisão domiciliar para presas gestantes e mães de crianças com até 12 anos de idade, alcançando somente aquelas que se encontram em regime provisório, com a aplicação da regra disposta no artigo 318, incisos IV e V do Código de Processo Penal.

O abreviado comentário limita-se tão somente à gestante, justamente para avaliar o pensamento da lei a respeito do embrião ou do nascituro, cuja mãe se encontra encarcerada.

Pelo que se percebe na legislação brasileira, a tutela legal começa a partir da fertilização e com a formação do embrião intrauterino, já que fora dele, com a fertilização in vitro e a criopreservação dos embriões que ficam confinados no botijão de nitrogênio, não se pode falar em spes hominis, a não ser com a transferência posterior para o alojamento materno. O Código Civil, em seu artigo 2º, é incisivo ao afirmar: "A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro".

Além da rotulação legal, o embrião surge como agente de tutela estatal em várias oportunidades. A Declaração dos Direitos da Criança, promulgada pela Assembleia Geral da ONU, preconiza que a criança, em razão de sua imaturidade física e mental, necessita de proteção legal apropriada, tanto antes como depois do nascimento. O Estatuto da Criança e do Adolescente acrescenta ainda o direito de proteção à vida e à saúde, proporcionando um nascimento sadio e harmonioso, em condições dignas de existência.

não se pode limitar o direito do nascituro apenas ao de nascer. E sim ampliá-lo e agregar a ele o nascer com dignidade, com saúde, com a proteção estatal necessária, extensiva à sua mãe, de quem é dependente na vida pré-natal. Pode o embrião, desta forma, pela projeção alcançada, figurar como interessado em ação de alimentos, investigação de paternidade e outros direitos compatíveis com sua condição de concebido, mas não nascido. Basta ver que a lei 11.804/2008, conhecida impropriamente como "alimentos gravídicos", confere direito à mulher gestante, não casada e que também não viva em união estável, de receber alimentos, desde a concepção até o parto. Para tanto, deverá ingressar com o pedido judicial em desfavor do futuro pai. O juiz decidirá, no âmbito de uma cognição sumária, com base em indícios de paternidade, a obrigação alimentar do suposto pai, que poderá contestar, mas em restrito núcleo cognitivo também.

Neste caminhar, o nascituro, conforme se extrai do regramento pátrio, tem seus direitos preservados, porém não é detentor de capacidade jurídica. Tanto é verdade que, se não tiver pai e a mãe não for a responsável pelo poder familiar, a ele será nomeado um curador, que poderá, dentre outros direitos, representá-lo como donatário e pleitear em favor dele assistência médica. Defere-se ao embrião uma tutela sui generis. O status conferido a ele é totalmente divorciado daquele preconizado pelos romanos, no sentido de que o feto é apenas parte das vísceras da mulher - pars viscerum matris - e que dele podia dispor, de acordo com sua conveniência, pois, enquanto não fosse dado à luz não seria considerado ser humano.

Tamanha a importância do embrião, que tramita pelo Congresso Nacional o projeto de lei 478/2007, que dispõe sobre o Estatuto do Nascituro e já aprovado pela Comissão de Seguridade Social e Família da Câmara dos Deputados. Define o nascituro como sendo o ser humano concebido, mas não nascido, compreendendo aquele concebido in vitro ou por qualquer outro meio científico eticamente aceito. A respeito da personalidade humana estabelece que a adquire com o nascimento com vida, mas sua natureza humana é reconhecida desde a concepção, conferindo-lhe proteção jurídica por meio do estatuto, da lei civil e penal.

Na realidade, analisando o tratamento legal deferido, a decisão da Suprema Corte teve o nascituro como o único destinatário, vez que é ele o merecedor da tutela e não pode ser penalizado pela conduta da genitora. Esta, por sua vez, em razão de prática de ato delituoso, teve sua prisão decretada legalmente e, pela mesma via, em razão da gravidez, é colocada em regime de prisão domiciliar.

Desta forma, o embrião, em sua clausura silenciosa, tem voz suficiente para transformar o mundo exterior para que possa recebê-lo com a pompa merecida e, principalmente, para que sua mãe possa ter as melhores condições de vida e saúde para gerá-lo. É um ente sem personalidade jurídica própria, mas importante no regramento jurídico.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





 

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