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Gilmar Mendes, o custo da independência, por Américo Lacombe

Gilmar Mendes, o custo da independência

Quero lembrar que o ministro Gilmar Mendes é uma das maiores autoridades em Direito Constitucional, e julga de acordo com o que está na Constituição e nas leis, sem a preocupação de agradar ou desagradar quem quer que seja.

sexta-feira, 9 de fevereiro de 2018

Atualizado às 14:21

No correr da vida, aprofundei duas amizades a partir das divergências. A primeira foi com o ministro Eros Grau. Na época éramos ambos advogados. Eu era consultor do Conselho Federal de Farmácia e dei um parecer para Diretoria demonstrando que as contribuições devidas pelos profissionais tinham a natureza de taxa de polícia, visto que o poder fiscalizador dos Conselhos eram manifestações do poder de polícia. No entanto, consultado pelo Conselho Regional de Farmácia de São Paulo, o professor Eros Grau deu um parecer concluindo que tais contribuições eram ônus e não taxas. Na ocasião trocamos várias cartas defendendo cada um sua respectiva tese. E a divergência, longe de nos afastar, nos aproximou. A segunda foi com o ministro Gilmar Mendes. Era eu desembargador do Tribunal Regional Federal - 3ª Região e fui sorteado relator do mandado de segurança que impugnava a constitucionalidade do plano Collor. Dei o meu voto concedendo a ordem, que foi seguida pelos meus pares. Soube, no entanto, que havia um parecer de Gilmar Mendes, que na época não era ministro do Supremo, em sentido contrário ao meu voto. Pedi a uma amiga comum que me enviasse o parecer, pois gostaria de conhecer os argumentos contrários aos meus. Isto me aproximou de Gilmar Mendes, sem estar convencido da tese dele, mas passei a respeitá-lo e admira-lo como profissional do direito.

Trago mais uma vez à colação as palavras de uma das maiores vozes liberais da Suprema Corte dos Estados Unidos, o Justice William O. Douglas: " O desacordo entre juízes é tão interessante ao caráter da democracia quanto a própria liberdade de palavra (.....) A democracia, como a religião, é cheia de seitas e cismas. Qualquer campanha política demonstra isso. Qualquer sessão de uma assembleia legislativa o prova. Nenhum homem ou grupo de homens tem o monopólio da verdade, da sabedoria ou da virtude. (.....) A verdade é que o direito é a mais alta forma de compromisso entre os interesses conflitantes; é um substituto da força e da violência - o único caminho para paz até hoje inventado pelo homem. (.....) As crises que defronta um país democrático debaixo das tensões e pressões da sociedade moderna são compartilhadas pelos juízes."

"Se os juízes forem fiéis às suas responsabilidades e tradições, não hesitarão em falar franca e claramente sobre as grandes questões que lhes são submetidas. Eles enviarão o seu valor mostrando sua independência e fortaleza de ânimo. Seus votos vencidos ou concorrentes podem salvar para amanhã o princípio que hoje foi sacrificado ou esquecido. Sua discussão e propagação dos grandes princípios da nossa Carta Magna podem conservar vivo o ideal democrático em dias de regressão, incerteza e desespero."

Conto os dois episódios acima narrados para mostrar que todo povo que se pretende civilizado deve conviver não só com as diversidades, mas também com as divergências. Portanto, é inadmissível manifestações como vimos recentemente a bordo de um avião, contra o ministro Gilmar Mendes, pela razão de divergirem de suas ideias.

Quero lembrar que o ministro Gilmar Mendes é uma das maiores autoridades em Direito Constitucional, e julga de acordo com o que está na Constituição e nas leis, sem a preocupação de agradar ou desagradar quem quer que seja.

Aproveito sua saída do Tribunal Superior Eleitoral para lhe prestar a homenagem merecida como juiz e como mestre que é da ciência jurídica.

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Veja-se Leda Bocchat Rodrigues, Direito e Política, os Direitos Humanos no Brasil e nos Estados Unidos, Civilização Brasileira 2ª edição, página 83.

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*Américo Lourenço Masset Lacombe é mestre e doutor em Direito pela PUC-SP. Desembargador Inativo do TRF - 3ª Região.

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