O TCU e as jabuticabas transgênicas
A competência do MP é mais ampla e prevalente. Predomina sobre o próprio TCU.
sexta-feira, 19 de janeiro de 2018
Atualizado em 18 de janeiro de 2018 15:00
Dizem que a natureza só fez frutificar jabuticabas no Brasil. Em artigo publicado na Folha (27/12), o ministro Bruno Dantas defendeu a prerrogativa do Tribunal de Contas da União de desconsiderar acordos de leniência firmados pelo Ministério Público Federal e homologados pela Justiça. Nele, argui teses que levam a outra exclusividade brasileira: a leniência como eutanásia empresarial.
Quem contrata a leniência é o Estado Brasileiro. A República é una (artigo 1º da Constituição Federal), apesar das diferentes competências. A cooperação entre órgãos é desejável. A disputa entre eles é inconstitucional.
O STF já afirmou que, quando o MP firma acordos de colaboração, o faz em nome do Estado. O ministro Luís Roberto Barroso diz que negar o pacto significaria "a deslealdade do Estado e a desmoralização do instituto". Como sustentar que o TCU possa usar fatos trazidos por empresa leniente justamente para incriminá-la?
A competência do MP é mais ampla e prevalente. Predomina sobre o próprio TCU. O MP tem competência ampla para agir em defesa do patrimônio público (art. 129, III, CF); o TCU apenas pode representar sobre irregularidades (art. 71, XI), dependendo do Congresso para invalidar contratos (art. 71, §1º, CF). O MP tem independência funcional (art. 127, §1º, CF), o TCU é órgão auxiliar do Legislativo (art. 71, caput, CF). O MP postula diretamente em juízo, o TCU não tem capacidade postulatória própria.
O procurador não precisa ouvir o TCU para praticar atos de sua competência, e os ministros do TCU têm de sempre ouvir o MP de Contas (CF, art. 130 e art. 62, III, RITCU). A competência prevalecente do MPF foi reconhecida pelo STF ao decidir que ele pode transacionar com confessor de ilícito, sem interferência nos termos dessa negociação.
A multiplicidade de órgãos legitimados não significa desconsiderar o pactuado com o MP, menos ainda quando houver homologação judicial. Aí teríamos violado, além do dever de boa fé e lealdade do Estado, a coisa julgada.
A leniência não exime o dever de reparar o dano. Mas também não condiciona a aceitação de suposto dano sem adequada apuração. Se ela não dá quitação automática, tampouco o leniente está obrigado a aceitar qualquer valor que se queira arbitrar como dano.
O TCU supõe, com bases frágeis, danos bilionários. E exige aceitação para não aplicar sanção mortal às empresas. Historicamente o cálculo inicial de superfaturamento e o valor final, após contraditório, é significativamente reduzido.
Exigir concordância com o valor não é reparação do dano e, sim, expropriação punitiva. Fosse a tese do TCU de danos reflexos do ilícito aplicada na Europa, montadoras envolvidas no chamado "dieselgate" deveriam indenizar a humanidade em trilhões de dólares pelo impacto de sua fraude para o efeito estufa!
A derradeira tese é que a cláusula de capacidade de pagamento só serve para definir parcelamento de indenização, e não para limitar o montante. Revisitada a literatura internacional sobre o tema, não encontramos precedente.
As diretrizes da Comissão Europeia sobre o assunto, por exemplo, definem que a capacidade de pagamento serve para evitar que a condenação coloque "em perigo a viabilidade econômica da empresa em causa e leve a que os seus ativos fiquem privados de qualquer valor".
É fato que tais acordos não podem consagrar o "crime perfeito". Os danos devem ser reparados. Incentivar o concurso de verdugos não é bom caminho. Acordos de leniência trazem uma realidade complexa. A experiência internacional ajuda a deslindá-la. A transgenia tropical não.
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