2018: ano para reformar a previdência ou a adolescência?
Discursar estereofonicamente para os atuais adolescentes dizendo-lhes que nada deve ser mexido porque os Joões do Poder atolam-se em escândalos e esbanjam maus exemplos, traduz cegueira cívica.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Atualizado em 12 de janeiro de 2018 15:18
João tem cinco filhos e vive na casa da D. Joana. Considerando o bom comportamento e dedicação nas lições de casa, João acertou com seus filhos ("Acordo da Mesada") que lhes asseguraria o direito à mesada até o fim da adolescência, assim entendido o momento em que saíssem de casa. Quando fez o Acordo da Mesada, João tinha como certo que seus filhos sairiam de casa aos 21 anos. No entanto, três deles - com 35, 33 e 31 anos - vivem um alongamento da adolescência e continuam na casa da D. Joana em função de apps pseudoadultos (outrora inexistentes) e dos recentes comportamentos paternais que estendem a adolescência a idades antes inimagináveis pelos psicólogos. Assim, em respeito ao pactuado, o gatilho para o término da adolescência (e fim da mesada) não foi - nem pode ser - deflagrado.
João pensava em não mais ter filhos; porém, o desejo de família grande - para contar com ajuda de todos ao aumento das receitas da casa da D. Joana - concordou com Maria e tiveram mais três filhos. Apesar do júbilo e alegria da casa cheia e festiva, tal quadro trouxe outras consequências. Primeiro, ao longo do tempo, houve a necessidade de aumentar nominalmente a mesada para fazer frente aos custos visando a manter o mesmo nível de vida e diversão dos adolescentes. Segundo, João teve de enfrentar o insistente pleito filial a I-Phones com direito à infinita atualização; afinal, sem este "instrumento vital", seus filhos pereceriam. Terceiro, João percebeu que a competição no mercado de trabalho aumentava a ritmo alarmante, obrigando-o a matricular os filhos em cursos diferenciados, tais como Esperanto (só o inglês revelou-se insuficiente), Lacrosse, (futebol todo mundo joga), UFC (judô já não mais protege) e viagens às Ilhas Galápagos (para aumentar a consciência sobre o meio ambiente). Ademais, nos termos do Acordo da Mesada, ficou definido um adicional àqueles que auxiliassem indistintamente todos os moradores da casa da D. Joana, tais como extirpar as ervas daninhas do jardim e limpar a fossa que comumente se encontra enxofrada. E ainda, em decorrência da assunção de maior risco aos que se candidatassem a subir no telhado e trocar telhas, a estes ficaria garantido o privilégio de permanecer na adolescência até 40 anos (com todos os direitos de adolescente), mesmo após a saída de casa e conquista de trabalho paralelo rentável. Aqueles que subiram no telhado - mesmo sem trocar telhas - obtiveram o benefício.
Tudo somado, os técnicos de João alertaram-no de que algo precisava ser alterado, pois, a permanecer o Acordo da Mesada, os três filhos mais jovens passariam - em pouco tempo - a não receber mesada alguma, justamente quanto entrassem na adolescência, quando mais precisariam. Em função da pouca (ou nenhuma) receptividade dos filhos mais velhos a qualquer possibilidade de perderem as conquistas auferidas na energizante fase da adolescência, João viu-se obrigado a cancelar todos os cursos extracurriculares. No entanto, logo constatou que tal corte seria pífio para enfrentar a grave crise no pagamento das mesadas de todos os adolescentes de hoje e sobretudo os do amanhã.
É verdade - e todos sabem - que João e Maria são pais irresponsáveis e péssimos administradores. Sem qualquer cerimônia aumentaram o número de funcionários da casa da D. Joana; trocaram o piso de cimento da garagem por mármore de Carrara; iniciaram a irrigação completa do campo de polo (obra inacabada por problemas subterrâneos) e adquiriram dez perdigueiros - sem licitação - para auxiliar na caça às raposas. E para piorar, tanto os inquilinos anteriores, bem como João e seus amigos de Casa foram flagrados - pelo celular do mordomo - em cenas que lhes tiram credibilidade para pedir qualquer coisa a quem quer que seja.
Para complicar ainda mais a enorme gravidade da Crise da Adolescência que vive a Casa da D. Joana, o debate apresenta-se enviesado. Teima-se em discutir o assunto como se fosse um feito pessoal de João. Trata-se a questão como se a aprovação da Reforma da Adolescência fosse um conquista de João e seus asseclas; consequentemente, sua reprovação uma derrota pessoal de João. Se assim fosse, e, a julgar pelo seu índice de popularidade, João não conseguiria aprovar nem feriado em dia de jogo do Brasil na Copa. Os vizinhos do prédio contíguo à casa da D. Joana, responsáveis pelo destino dos direitos e deveres da "adolescência", dão claros sinais de que estão dispostos a ajudar João desde que sejam agraciados com algum tipo de "semanada". Enquanto tal não ocorre dizem que "vão pensar" até fevereiro. A mídia falada embarca no debate como se fosse um luta greco-romana entre "joãosófilos" contra "joãosófobos". "Ontem os joãosófilos tinham o apoio de X, hoje de Y. Os joãosófilos estão fazendo as contas para convencer os Joãoneutros." Ora, isso desvia a real compreensão do problema dos já confusos e atortoados habitantes da casa da D. Joana. A verdade (e aqui há unanimidade) é que a Mãe Joana respira por aparelhos pois padece de coma fiscal, financeiro e moral. Não convalescerá com tilenol, "let it be", tampouco chá de boldo.
A Reforma da Adolescência, se sair, causará (justa ou injusta) dor para alguns ou muitos adolescentes. Não tem jeito! Mas, se criteriosamente pensada, debatida e executada poderá servir para aliviar a dor de um número infinitamente maior de crianças que devem entrar na adolescência nos próximos anos e décadas. Fechar os olhos para não ver o abacaxi é tocar violino após o Titanic ter batido no iceberg. Discursar estereofonicamente para os atuais adolescentes dizendo-lhes que nada deve ser mexido porque os Joões do Poder atolam-se em escândalos e esbanjam maus exemplos, traduz cegueira cívica. Reconheça-se a tarefa está a exigir hercúleo e "estranho" esforço dos representantes da Casa da Mãe Joana, pois lhes é preferível falar com os adolescentes de hoje (e deles obter votos já) a preparar o terreno para o adolescente de amanhã que ainda não vota. A questão está (muito) além da próxima eleição; é tema para lentes que enxergam a próxima geração. E aí mora o grande problema, tanto para os adolescentes quanto para os nobres representantes da casa D. Dona Joana: o de saber planejar o futuro - com serenidade e responsabilidade - sem esperar dividendos imediatos.
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*Mauricio Gomm Santos é advogado.