A inconstitucionalidade e seus efeitos necessariamente radicais
O que se deve seguir, após uma declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, é o surgimento imediato de eventual crédito que alguém tenha com o poder público, por exemplo, e que acaso estava vedado ou se via formalmente inexistente ou inexigível, com fulcro naquela norma legal até ali prevalente.
segunda-feira, 15 de janeiro de 2018
Atualizado em 12 de janeiro de 2018 13:38
Muito recentemente o STF passou a adotar a teoria da abstrativização da inconstitucionalidade declarada em controle difuso, atribuindo a essa declaração de inconstitucionalidade também efeitos imediatos erga omnes como sucede na declaração em controle concentrado (STF plenário ADIn 3406/RJ e ADIn 3470/RJ, rel. min. Rosa Weber).
Espera-se que tal decisão reforce o princípio dos efeitos completos e soberanos da inconstitucionalidade das leis ou atos normativos. Isso para rechaçar ideias que se veiculam quanto à limitação desses efeitos, sempre no argumento da tal ''segurança jurídica'', a qual muita vez, quase sempre, opera na contramão dos princípios basilares da prevalência da reta ordem constitucional.
Melhor dizendo, não somente um débito ou obrigação criado por norma ao depois declarada inconstitucional, mas ainda eventuais créditos que eram tidos como inexistentes à força de norma proibitiva então em pleno vigor, tudo isso são relações jurídicas, muitas vezes econômicas, que se veem sob nova luz, face à declaração de inconstitucionalidade. Isto é, tais relações jurídicas ficam assim sob nova regência, apagando-se tudo o que as regulava sob a norma rejeitada pelo STF.
Aprende-se desde sempre, e isso é tão repetido pelos doutos até na televisão hoje em dia, que a Constituição é a carta básica do país, da cidadania, e que nada prevalece sobre ela dentro da ordem jurídica do país. Pois bem. A norma inconstitucional é expurgada da ordem jurídica e seus efeitos pretéritos devem ser desconsiderados sob pena de se diluir, aguar, desprestigiar a Carta Maior.
A única possibilidade de ressalvar eventuais efeitos em homenagem a um mínimo de segurança jurídica é a de declaração de efeitos prospectivos, uma solução heterodoxa e de emergência para poucos casos onde a retirada da norma da ordem legal é feita com resguardo a situações passadas até ali constituídas.
No mais, o que se deve seguir, após uma declaração de inconstitucionalidade de ato normativo, é o surgimento imediato de eventual crédito que alguém tenha com o poder público, por exemplo, e que acaso estava vedado ou se via formalmente inexistente ou inexigível, com fulcro naquela norma legal até ali prevalente.
O STJ de resto, já declarou em pelo menos duas decisões (REsp 1.252.902/SP e REsp 7558/GO) que até decisões já transitadas em julgado, se suportadas em seu fundamento em norma depois declarada inconstitucional podem ser atacadas via ação ordinária.
No último dos arestos acima mencionados lê-se:
''Basta reconhecer e declarar a nulidade, o que pode ser feito em ação declaratória, a isso dirigida ou mesmo em embargos à execução...a nulidade persiste, mesmo esgotados os recursos, podendo ser a qualquer tempo reconhecida...Embora não se rescinda, existirá a declaração de que a sentença não subsiste como tal...'' Está aí consagrado o efeito depurador da inconstitucionalidade, que tem força e gravidade suficiente a superar quizílias e entraves processuais.
Mais ainda, sob o véu poderoso dessa radical extirpação da lei ou ato normativo da ordem jurídica, somente a contar da data de declaração da inconstitucionalidade é que começam a correr os prazos extintivos do direito ao fim restaurado com tal cirurgia constitucional, seja se cuide de prescrição seja caso de decadência.
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*João Luiz Coelho da Rocha é sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados.