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Em defesa do indulto de natal

O presidente foi justo, criterioso e, sobretudo, humano, agindo dentro da competência privativa de que dispõe.

terça-feira, 9 de janeiro de 2018

Atualizado às 08:18

O Código Penal prevê, em seu art. 107, item II, três causas de extinção da punibilidade: a anistia, a graça e o indulto.

A anistia significa o esquecimento de certas infrações penais. Exclui o crime e faz desaparecer suas consequências penais. Tem caráter retroativo e é irrevogável, sendo da atribuição do Congresso Nacional, com a sanção do presidente da República (art. 48, VIII, da CF). Embora a anistia tenha sentido político, cabe exclusivamente ao Judiciário examinar seu alcance e fazer sua aplicação, como o faria com qualquer lei penal. Na LEP, está prevista no art. 187. Pode ser concedida antes da sentença e até depois da condenação transitada em julgado.

A graça ou o indulto são outros casos de indulgência do Estado que levam à extinção da punibilidade. Apenas extinguem, contudo, a pena, e não o crime. Daí, persistirem os efeitos deste, de modo que o condenado que os recebe não retorna à condição de primário. Geralmente, apenas se fala em indulto, como se vê dos arts. 84, XII, da CF e 188 da LEP (este refere-se a indulto individual), embora a CF mencione a graça em seu art. 5º, XLIII. Há, porém, certa diferença técnica: em regra, a graça é individual e solicitada, enquanto o indulto é coletivo e espontâneo. Ambos são da competência privativa do Presidente da República, não devendo, entretanto, ser confundidos com comutação (redução) de pena, também de competência exclusiva do Chefe do Poder Executivo (art. 84, XII, da CF), mas que não é causa extintiva da punibilidade. Apesar da graça ou indulto, a rigor, só poderem ser concedidos após condenação transitada em julgado, na prática, têm sido concedidos indultos mesmo antes da condenação tornar-se irrecorrível.

Em tais casos, a meu ver, o indulto não poderá obstar o julgamento de eventuais apelação, e recursos especial e extraordinário do acusado, apenas prevalecendo o indulto se o recorrente tiver sua condenação mantida.

É de longa tradição brasileira a concessão do indulto natalino, beneficiando aqueles que estão cumprindo penas.

Até o ano retrasado, o indulto alcançava, entre outros, os presos primários condenados por crimes cometidos sem violência ou grave ameaça a pessoa, que já tivessem cumprido 1/4 (um quarto) da pena.

No ano que se findou (2017), o presidente da República, dentro de sua competência privativa e por razões de política criminal, reduziu esse tempo de cumprimento da pena para 1/5 (um quinto).

Tal redução, no momento punitivo em que vivemos, até certo ponto compreensível pela descoberta da endêmica corrupção que nos assola, provocou o repúdio daqueles que pensam ser a prisão a solução para a delinquência e a impunidade, encontrando apoio na mídia sempre ávida em atender o clamor popular e aumentar sua audiência.

Alegou-se, inclusive, que o indulto teria sido concedido para beneficiar os condenados da Lava Jato, embora um isento e competente jornalista tenha demonstrado que, de imediato, o indulto só beneficiaria um único desses condenados.

Não obstante, a ilustre Procuradora Geral da República arguiu a inconstitucionalidade do decreto presidencial e a ínclita presidente do STF, durante o recesso do Judiciário, concedeu liminar para suspender a parte do indulto que reduzia o tempo de cumprimento de 1/4 para 1/5.

Com a liminar, permaneceram presos não só aquele único condenado da Lava Jato que seria imediatamente beneficiado, como também, e principalmente, milhares de condenados primários, autores de delitos sem violência ou grave ameaça a pessoa, que já cumpriram 1/5 das suas penas, os quais permanecerão presos até o julgamento pelo Plenário do STF.

Com isto, ignorou-se, como sempre, a caótica, vergonhosa e medieval situação da imensa maioria das cadeias brasileiras, onde aqueles que nelas adentram, para sobreviver, são obrigados a ingressar em uma organização criminosa, da qual mesmo após sua soltura, permanecerão escravos, correndo apenas o risco de serem vítimas de uma organização rival.

A liminar pleiteada e concedida, data maxima venia, também aumentou em muito o risco de novas e mais violentas rebeliões nos presídios Brasil afora, que mais se assemelham, por sua superlotação, imundície e falta de areação, a verdadeiros canis abandonados. Mas pensar assim, não seria, hoje, politicamente correto e, portanto, aceitável.

Ao contrário das penas alternativas à prisão, onde a reincidência é quase nula, na pena privativa de liberdade ela é altíssima, pois não há qualquer apoio aos egressos e a sociedade em geral lhes nega emprego. Tal situação, como bem anotou, o professor Oscar Vilhena Vieira em recente artigo na "Folha de São Paulo", torna o Estado "sócio" da delinquência; ao invés de combatê-la, a incrementa...

Como já dizia há tempos Giorgio Del Vecchio, em alerta por tantos e tantas vezes repetido, a pena de prisão degrada, humilha e avilta o preso, tornando-o, pelo contato com outros prisioneiros, pior; uma faculdade, às avessas, posto que de crimes.

Por todos esses motivos, prevalece atualmente nos países civilizados a certeza de que a prisão deve ser reservada aos criminosos violentos, perigosos e reincidentes, impondo-se outros tipos de penas, principalmente pecuniárias, aos demais infratores.

Como tive a oportunidade de dizer, certa vez, em sustentação oral perante o Tribunal de Justiça de São Paulo, um dia de prisão nas imundas e desumanas cadeias brasileiras teria de valer, ao menos, dez.

Assim, não me parece desproporcional que 1/5 de cumprimento de pena não possa, nessas circunstâncias que ano a ano pioram, valer 1/4.

O critério do presidente da República não objetivou beneficiar este ou aquele tipo de condenado, mas alcançar, por isonomia, todos que estejam nas mesmas condições. Sua decisão baseou-se em razões de política criminal, levando em conta nosso caótico e falido sistema prisional e buscando diminuir a superlotação carcerária, mediante a soltura de autores de crimes sem grave ameaça ou violência a pessoa, cumpridores de 1/5 de suas penas que, como já dito, representam muito mais...

O presidente foi justo, criterioso e, sobretudo, humano, agindo dentro da competência privativa de que dispõe.

Como já disse um de seus eminentes ministros, o Pretório Excelso acerta e erra por último. Espero que seu Pleno, com a urgência que o caso requer, venha a negar provimento à ação de inconstitucionalidade proposta, restaurando o constitucional, secular e até hoje insubstituível princípio da tripartição dos poderes.

A exemplo do que pensava Churchill sobre a democracia, com todos seus defeitos, não se descobriu outro melhor do que o sistema idealizado por Montesquieu...

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*Roberto Delmanto é advogado.

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