Para participar de uma licitação, a empresa precisa ter o Código CNAE específico do objeto licitado?
Demonstramos que a resposta a esta pergunta é negativa, uma vez que, tal imposição vai de encontro com o ordenamento jurídico, principalmente no tange aos princípios que regem estas relações jurídicas.
quinta-feira, 4 de janeiro de 2018
Atualizado em 3 de janeiro de 2018 14:15
O presente estudo busca aclarar uma dúvida que tem sido recorrente para aqueles que trabalham com Licitação Pública, sejam advogados, concorrentes ou servidores públicos, qual seja, a Administração Pública pode exigir das empresas que tenham um CNAE referente ao objeto do contrato a ser realizado?
Demonstramos que a resposta a esta pergunta é negativa, uma vez que, tal imposição vai de encontro com o ordenamento jurídico, principalmente no tange aos princípios que regem estas relações jurídicas.
O Princípio da Competitividade que também tem relação com os Princípios da Impessoalidade (art. 37 da C.F.), e da Isonomia, pode ser explicado, como o princípio que dirige os atos do administrador público, na direção de incentivar a maior concorrência entre os interessados em contratar com a Administração Pública. Já o Princípio da Vantajosidade, que por sua vez é um desmembramento do Princípio da República, nada mais é, do que o norteamento do servidor público, para que em todos os seus atos, objetivem trazer para a Administração Pública a proposta mais vantajosa.
A busca pela melhor proposta é uma das finalidades da Licitação (art. 3º da lei 8.666/93). Por isso não podem ser adotadas medidas que comprometam decisivamente o caráter competitivo do certame. Assim, as exigências de qualificação técnica e econômica devem se restringir ao estritamente indispensável para garantia do cumprimento das obrigações.
Portanto, exigir que a empresa tenha um código CNAE específico é limitar, injustificadamente, o caráter competitivo da Licitação, e impor à Administração Pública um preço mais elevado, ferindo de morte os princípios da prevalência do Interesse Público e da Vantojosidade.
O processo licitatório tem como objetivo, proporcionar a realização do negócio mais vantajoso para a Administração Pública e assegurar, em condições de igualdade, a participação dos administrados no certame.
Noutro norte, o Objeto do Contrato Social da empresa, prevalece sobre seu código CNAE. Para melhor entendimento, necessária se faz a conceituação do código CNAE. Para tanto, a Receita Federal do Brasil, em seu sítio, define da seguinte forma a CNAE:
"A CNAE é o instrumento de padronização nacional dos códigos de atividade econômica e dos critérios de enquadramento utilizados pelos diversos órgãos da Administração Tributária do país".
Ao analisar a definição da CNAE, constata-se que nada mais é do que um método utilizado pela RFB para padronizar os códigos de atividade econômica no país, com a finalidade de melhor administrar as questões tributárias, nada tendo a ver com o objeto social da empresa.
Em outras palavras, tem-se que a CNAE é a classificação nacional de atividade econômica composta de dígitos, que descrevem qual é a atividade econômica exercida pela empresa.
Portanto a CNAE não se confunde com o Objeto da empresa, que por sua vez, tem sua previsão legal no art. 997, inciso II, do Código Civil vigente.
Conclui-se então que as atividades que serão permitidas à sociedade empresária, são exatamente aquelas previstas no Objeto de seu Contrato Social e não em código CNAE.
Deste modo não se pode confundir o código CNAE com o objeto social da sociedade empresária, sendo que o primeiro nada mais é do que um código identificador para a RFB e o segundo o que determina quais as atividades podem ser exercidas pela empresa.
A própria Receita Federal do Brasil já manifestou entendimento no sentido de que o objeto social da empresa dever prevalecer sobre o código CNAE, "Diante disso, ressalta-se que não haveria a priori lesão e motivo para a exclusão da empresa por não apresentar todas as informações sobre a sua CNAE. Além disso, a empresa também poderá comprovar que possui especialização no ramo da atividade licitada por meio do seu contrato social" (Delegacia da Receita Federal de Julgamento em Porto Alegre - 6ª Turma. Portal Fazenda do Governo Federal. Disponível).
Cumpre salientar que, por meio dos acórdãos 1203/11 e 42/14, o TCU entendeu pela impossibilidade de limitação de participação de licitantes, em certame público, em razão da CNAE.
Pelas razões expostas, concluímos que, seja pela limitação injustificada do caráter competitivo da licitação, que se traduz em menor vantajosidade para a Administração Pública, ou seja, pelo fato de que é o Objeto Social da empresa que define suas atividades e não o seu código CNAE, não é possível a exigência, por parte da Administração Pública, que a empresa contenha o código CNAE específico do objeto a ser licitado.
__________________
*Rafael Soares Raso é advogado coordenador de Regularização Fundiária e advogado sênior em Direito Administrativo do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados.
*Marcello Vieira de Mello é sócio fundador do escritório GVM - Guimarães & Vieira de Mello Advogados e responsável pelas áreas de Direito Civil, Contencioso Civil / Comercial e Bancário.