A supervalorização da máquina
Já não percorremos os caminhos, são os aplicativos que traçam as rotas, não ouvimos mais as pessoas, mandamos mensagens, tudo está na nuvem e a nuvem está em nós.
terça-feira, 28 de novembro de 2017
Atualizado em 27 de novembro de 2017 13:47
Não que eu não seja um admirador da tecnologia e de outros avanços que softwares, computadores, app's e celulares trazem, mas o fato é que hoje vejo uma supervalorização da máquina em detrimento do ser humano. Claro que sem tecnologia voltaríamos ao caos, tendo em vista que atualmente estamos ou alicerçamos nossas vidas em função de equipamentos cheios de tecnologia.
Já não percorremos os caminhos, são os aplicativos que traçam as rotas, não ouvimos mais as pessoas, mandamos mensagens, tudo está na nuvem e a nuvem está em nós. A tecnologia invadiu todos os setores da atividade humana: indústria, comércio e serviços e automatizou a cadeia produtiva e o modo como vivemos. Destaco que é aqui que a tecnologia não me parece nada inteligente porque, no meu singelo ponto de vista, um verbo que nos diferencia das máquinas é o automatizar.
Obviamente não sou um expert em tecnologia, pelo contrário, os tecnólogos vão dizer que não entendo nada e provavelmente estarão certos, sou advogado, mas mesmo sendo advogado acho que tenho condições ainda de fazer uma análise sobre o tema. Como usuário de tecnologia, vivo sempre esquentando meus neurônios, tentando identificar sempre uma maneira que esses avanços possam me ajudar sem me automatizar.
Ao colocar um endereço em um app, automaticamente ele vai definir a melhor rota considerando transito e a distância, porque assim foi programado. Quando eu mando uma mensagem, no meu entender, a comunicação não se estabelece, porque por mensagens não é possível estabelecer um diálogo. Pelo contrário, perdemos a conexão com o exterior e ficamos focados em nos fazer ser entendidos e entender nas mensagens. Esse fato é facilmente observado em restaurantes, bares, transportes onde as pessoas não largam os celulares. Entrar em um local e se deparar com essa cena o que nos lembra? Um monte de gente no automático sem interagir.
Quando compramos ou usamos a internet para um serviço ou produto, "o sistema" pré-programado, vai me disponibilizar aquilo que foi feito para fazer. No processo produtivo não é diferente, fabricação e distribuição dos produtos também é automática, máquinas e rolos fazem o trabalho. Esses exemplos servem para nos demonstrar que o verbo automatizar tomou conta de nossas ações, isso nos leva a pensar que agindo automaticamente deixamos de ser criativos. Em todas as áreas vemos sistemas tomando decisões pensando sempre no mercado e com isso as coisas se tornam padronizadas o que, a meu sentir, não me agrada.
Especificamente na minha área vejo surgir softwares como o badalado Watson, que prometem substituir os advogados. Ler documentos, preencher outros com dados lidos, fazer agendas, pesquisar doutrina e jurisprudência sobre os temas entre outros, são as realidades do programa que, claro, pode até evoluir mais. Ocorre que como qualquer tipo de sistema, até este momento que escrevo este artigo, ele é programado para fazer algo dentro de parâmetros e padrões de forma automática. O sistema busca e calcula as melhores possibilidades para a causa, o que lhe falta é ser criativo quando as possibilidades são adversas àquilo que o usuário quer. E, mesmo naquilo que é favorável não ser criativo e não dar o toque pessoal e diferenciado, não me parece inteligente profissionalmente.
Confesso que coletar informações, elaborar documentos, fazer agendas e etc. faz parte do meu trabalho, mas não faz parte do serviço que vendo, que é solucionar questões que me chegam promovendo a resolução do problema, e essa resolução não passa por sistemas automáticos de prestação de serviços. É neste ponto que a supervalorização da máquina me parece incorreta. Todos os exemplos aqui tratados demonstram que a tecnologia nos é muito útil nos padrões nos dando mais tempo para pensar e usar nossas capacidades e diferenciais únicos de cada ser humano que a máquina jamais vai substituir. O que me parece é que esquecemos disto e festejamos sermos substituídos no que é padrão porque estamos nos conformando com um mundo medíocre (no sentido de estar na média).
A tecnologia cada vez mais nos doutrina a comportamentos pré-programados, ou seja, seguimos a mesma rota, falamos as mesmas coisas, compramos igual e vivemos e comemos igual. Posso e devo estar tremendamente enganado como sempre, porém, imaginar que no futuro as coisas serão realizadas por softwares pré-programados que definirão padrões de comportamento pessoal e profissional me faz pensar que não foi para isto que estudei minha vida inteira.
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*João Roberto Ferreira Franco é advogado associado do escritório Lodovico Advogados.