Cultura como um vetor de desenvolvimento e geração de riqueza
A cultura tem uma enorme importância social e econômica e, em razão disso, capacidade de aglutinar, gerar riqueza financeira e empregos.
sexta-feira, 24 de novembro de 2017
Atualizado em 23 de novembro de 2017 17:58
''A cultura tem elevada capacidade para a evolução do país, poderoso antídoto para a crise que ainda nos deprime''.
Sérgio Sá Leitão, ministro da Cultura
O novo ministro da cultura, Sérgio Sá Leitão, tem demonstrado em seus primeiros pronunciamentos que se alinha à visão liberal de que o investimento em cultura, no sentido mais amplo da palavra, tem de ser também uma das engrenagens para ajudar o país a sair da crise econômica. Tendo recentemente solicitado a aprovação de uma nova linha de crédito ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para implementar investimentos e planos de negócio em diversas áreas culturais, o ministro demonstra saber aliar sua experiência à frente de importantes órgãos de fomento a uma visão bastante liberal e que deseja ver o nosso país de novo no radar cultural do mundo.
E nem poderia ser diferente. Temos todos os predicados para isso: cidades cosmopolitas, movimentos culturais importantes, artistas com projeção internacional e empresas de entretenimento bem estruturadas. No entanto, o arcabouço legal é ineficiente, não se tem segurança jurídica, planejamento estratégico e nem simplicidade nas soluções.
A cultura tem uma enorme importância social e econômica e, em razão disso, capacidade de aglutinar, gerar riqueza financeira e empregos. O investimento sério na indústria cultural ou na economia criativa, como disse o ministro em recente entrevista, pode contribuir, sim, na retomada do crescimento do país. Precisamos aproveitar o momento de anemia econômica para pensar mecanismos mais eficientes e modernos de fomento, incentivo e facilitação do investimento em cultura.
Um primeiro passo é rever os mecanismos de incentivo que hoje estão aí. Embora a Constituição Federal garanta a liberdade na atividade intelectual e artística (art. 5º, inciso IX), a incolumidade do exercício dos direitos culturais e a completa acessibilidade em relação às fontes da cultura nacional (art. 215), nossas leis e regulamentos de incentivo à cultura não acompanharam os movimentos de expansão e, por isso, envelheceram, revelando-se, atualmente, complexos e desestimulantes para quem pretende investir em projetos culturais.
Apenas para dar uma justa dimensão da ineficiência do nosso arcabouço legal, que basicamente se concentra na lei 8.313/91 (Lei Rouanet), hoje um projeto que dependa de recursos públicos leva meses e pode ficar mais de um ano para ser analisado e aprovado pelos órgãos competentes. Além disso, o pedido restringe-se à obtenção de benefícios fiscais, ainda que o sistema legal preveja muitas outras formas de financiamento mais inteligentes e eficientes do ponto de vista econômico-financeiro.
Diante desse quadro, atrelado a medidas como a retomada de linha de crédito do BNDES, o Ministério da Cultura também deveria propor novos modelos de incentivo ao investimento em cultura, começando pela criação de mecanismos de financiamento mais simples e menos dependentes do Estado, sendo, por consequência, menos burocratizados e mais descentralizados. Exemplos como parcerias entre o setor público e o privado (PPPs), além de financiamentos por fundos patrimoniais e crowdfunding, podem ser o ponto de partida para estudos e a modelagem de um novo marco legal de incentivo à cultura, consubstanciando um estímulo à eclosão cultural como instrumento de desenvolvimento econômico.
A importância de novas linhas de financiamento está intimamente relacionada à democratização do acesso a recursos, e não apenas ao incentivo cultural por si só. Ela induz a despolarização de incentivadores e a diminuição das distorções sociais, funcionando como um relevante mecanismo para difundir a essência da lei Rouanet que hoje, exatamente por se restringir à renúncia fiscal, facilita e agrava o déficit fiscal brasileiro. Além disso, não se deve perder de vista que os veículos de financiamento ora sugeridos certamente concretizarão um novo modelo legal em que a ideia é dissociar o incremento à cultura da exclusiva figura do Estado, a fim de também incluí-lo como um mercado propício ao setor privado.
A cultura é tratada em países mais desenvolvidos como algo essencial para a vida e para o crescimento econômico e social. No Brasil, à vista da notável vocação natural e histórica, isso não deveria ser diferente. O que falta, no entanto, é justamente a implementação de um projeto de interface entre os setores da economia como um todo e da cultura, como já existe em áreas como a infraestrutura, por exemplo.
Apenas a título exemplificativo de seu potencial, o Brasil recebeu número recorde de 6,6 milhões de turistas em 2016, ano em que o país sediou as Olimpíadas e as Paraolimpíadas. Isso representou um aumento de 4,8% na entrada de turistas estrangeiros em relação ao ano anterior, tendo esse movimento injetado na economia brasileira um montante de US$ 6,2 bilhões, equivalente a mais de R$ 21 bilhões e 6,2% a mais do que o registrado em 2015. Poderia ser muito mais, caso já estivesse consolidado um modelo de incentivo cultural provocativo e racionalizado mediante a conjunção de esforços entre os setores público e privado da economia, obviamente baseada em um arcabouço legal atualizado e menos dependente do Estado.
Neste cenário, parece certo que devemos desmistificar a cultura em nosso país e tratá-la sem demagogia e sem discursos ufanistas, a fim de criar um modelo, e marco, de incentivo à cultura, com novas fontes e princípios relacionados e impulsionados pelo setor privado, minimizando-se, dessa forma, as interferências políticas e operacionais nesse segmento tão promissor. Cultura, longe de ser utilizada para defender ideologias, pode e deve ser tratada como um negócio que gera riqueza, emprego e, por que não, felicidade, coisa que o povo brasileiro está tão carente nos dias atuais.
Como se vê, podemos e devemos pensar em cultura como fonte de conhecimento, mas também deitar um olhar econômico e financeiro, desenvolvendo projetos motivadores, capazes de atrair mais turismo, criar postos de trabalho e, com isso, gerar riqueza para o nosso sofrido, combalido e entristecido país.
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*Ruy Dourado é sócio do escritório Arap, Nishi & Uyeda Advogados.
*Ana Beatriz Figueiredo é advogada do escritório Arap, Nishi & Uyeda Advogados.