Uma nova lei das estatais (III)
Na importante e crucial matéria de escolha da alta gestão da empresa a lei obriga à criação de um "comitê estatutário" para checar conformidades do processo de indicação e avaliação dos membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, auxiliando o acionista controlador nessas escolhas (artigo 10).
terça-feira, 14 de novembro de 2017
Atualizado em 9 de novembro de 2017 09:31
O novo estatuto das empresas estatais (lei 13.303/16) estabelece, no seu artigo 8º, uma extensa e severa lista de requisitos de transparência a serem seguidos pelas empresas públicas e sociedades de economia mista. São diversos itens de exigências formais e materiais compulsórias. Gostaríamos aqui de chamar a atenção para (alínea I do citado artigo) a novidade de uma "carta anual", a qual de resto terá que ser objeto de "ampla divulgação" (alínea VIII) ao público em geral, onde serão explicitados os compromissos de atingimento de políticas públicas em atendimento ao interesse coletivo ou ao ditame de segurança nacional, e onde os recursos alocados terão definição clara bem como os impactos econômico financeiros da consecução de tais objetivos.
Interessa frisar que o parágrafo 2º do mesmo artigo ordena que obrigações e responsabilidades que tais estatais assumam de modo diverso ou em condições distintas de outras empresas puramente privadas que exerçam atividade econômica terão que ser definidas em lei ou regulamento, previstas em convênio ou contrato com o ente público competente e serem amplamente divulgadas, inclusive com custos e receitas publicados. Tal provisão visa a evitar que essas estatais em concorrência econômica se entreguem a práticas privilegiadas que não atendam a um interesse público de origem formalmente e publicamente exposto. Ou seja, ressalvado o interesse público bem especificado, real e bem divulgado, a empresa estatal explorando atividade econômica vai ter que se pautar pelos iguais parâmetros da concorrência.
Quanto ao importante controle interno, o §1º do artigo 9º cria um compulsório "Código de Conduta e integridade" a ser elaborado e divulgado pela estatal, com diversos elementos formais e materiais ali na lei listados, devendo a auditoria interna da empresa ser vinculada ao Conselho de Administração de modo direto ou através de um Comitê estatutário de auditoria.
Na importante e crucial matéria de escolha da alta gestão da empresa a lei obriga à criação de um "comitê estatutário" para checar conformidades do processo de indicação e avaliação dos membros do Conselho de Administração e do Conselho Fiscal, auxiliando o acionista controlador nessas escolhas (artigo 10). Interessa muito observar que no parágrafo único desse artigo 10 prevê-se a divulgação das atas das reuniões desse comitê onde se verificarão o cumprimento, pelos membros indicados (ao Conselho de Administração e ao Conselho Fiscal) dos "requisitos indicados na política de indicação". E, importante, dita a lei que devem ser "registradas as eventuais manifestações divergentes de conselheiros", valendo dizer, cria-se aqui uma responsabilização para tais membros do comitê, análoga àquela que a lei 6404 confere aos membros do conselho de administração, e mesmo da diretoria, conforme artigo 158 parágrafo 1º, obrigados a manifestarem formalmente sua divergência para efeitos de isenção de responsabilidade.
Apesar de poder se constituir como sociedade anônima a empresa pública não pode emitir debêntures ou outros títulos conversíveis em ações (artigo 11). Entenda-se que obrigações não conversíveis em fração acionária são permitidas, por não afrontarem a estrutura de capital da empresa pública. A propósito, cabe lembrar que, na rara hipótese de se constituir uma empresa pública sob forma de limitada, esta deverá ser das submetidas estatutariamente (conforme fixado no Código civil) em suas lacunas regimentais às regras da lei das companhias, e não das sociedades simples por ser ali algo de incompatível com o interesse público dominante no ente societário.
Expressa-se de modo claro no artigo 12 a divulgação da remuneração dos gestores, e no silêncio do meio a ser usado acredita-se que deva constar de todos os relatórios da administração a serem publicados na imprensa, e na dicção compreensiva da lei "toda e qualquer forma de remuneração", deve-se ter como incluídas aí vantagens e bônus acaso atribuíveis aos administradores.
No parágrafo único deste artigo já se consagra a possibilidade de arbitragem como meio alternativo de solução de conflitos entre acionistas e a sociedade ou entre aqueles entre si, tudo desde que assim se consigne no estatuto, peça institucional a que se sujeitam os que ingressam na empresa como sócios, restando ainda em briga jurisprudencial até hoje se os que divergirem da alteração no estatuto para instituir a via arbitral se obrigam a tal submissão ou terão apenas a via do recesso acionário.
E o extenso artigo 13 da lei capitula uma série de "diretrizes e restrições" a serem consideradas no estatuto social das sociedades de economia mista e as empresas públicas, pois que mesmo o comando legal se direcionando à "lei que autorizar a criação" dessas entidades, parece óbvio que as já existentes haverão que também se amoldar. Nesse particular chama-se a atenção para a demanda de um Conselho de Administração com entre 7 (sete) e 11 (onze) membros (alínea I), de no mínimo 3 (três) diretores e prazo de gestão unificado não superior a 2 (dois) anos, com no máximo três reconduções sucessivas.
Quanto ao acionista controlador suas responsabilidades já são aquelas listadas na lei 6404 sendo de se registrar nas inserções da nova lei (artigo 14), a obrigatoriedade deferida ao controlador de fazer constar no agora criado "código de conduta e integridade" que é aplicável à alta gestão da sociedade a proibição de divulgar sem autorização do órgão competente (conselho de administração ou Assembleia Geral) de informação que possa causar impacto nos títulos (ações, debêntures) da empresa ou nas relações da mesma com o mercado ou seus fornecedores e consumidores.
Uma nova regra constritiva para evitar conhecidas manobras que se utilizam do poderio da empresa estatal (vem à mente a Petrobrás ou o Banco do Brasil) para ganhos pessoais ou de terceiros e fornecedores ou clientes.
A ação indenizatória cometida contra o controlador tem agora no artigo 15 sua titularidade ativa estendida a qualquer "sócio" (dizer da lei) vale dizer não sendo exigível no caso os 5% de capital mínimo demandados na lei acionária (a presente é lei especial, derrogando a geral neste ponto), tudo independente de autorização assemblear, e também qualquer terceiro interessado que tenha interesse processual, é claro.
*João Luiz Coelho da Rocha é advogado sócio do escritório Bastos-Tigre, Coelho da Rocha, Lopes e Freitas Advogados e professor de Direito da PUC-RJ.