Nova lei de concessões do município de São Paulo
A nova lei municipal, embora não traga mudanças estruturais - e nem poderia (art. 22, XXVII, CF) - confirma a tendência de que contratações públicas atentas à realidade estimulam a adequada prestação do serviço.
sexta-feira, 27 de outubro de 2017
Atualizado às 08:20
Está em curso no município de São Paulo um plano para delegar à iniciativa privada ativos públicos municipais.
A ideia anunciada é retirar do orçamento despesas que oneram o erário público1 com a exploração de atividades não finalísticas do Estado e aplicar os recursos obtidos com a desestatização "nas áreas da saúde, educação, segurança, habitação, transporte, mobilidade urbana e assistência social"2.
Neste cenário, considerando a Lei Municipal 16.703/173, que disciplina "as concessões e permissões de serviços, obras e bens públicos que serão realizadas no âmbito do Plano Municipal de Desestatização", pretende-se realizar uma primeira leitura deste diploma para apresentar os instrumentos jurídicos à disposição da Administração Pública Municipal para implementar a política de desestatização em curso.
Pois bem, diversos bens e serviços municipais estão incluídos no plano municipal de desestatização4.
Todavia, a Lei Municipal 16.703/17 autorizou a desestatização específica de apenas alguns deles (art. 9, caput e incisos I a IV)5. Determinados ativos já foram objeto de lei específica (Pacaembu - Lei Municipal 16.696/17)6, e outros ainda serão nos próximos meses (por exemplo, mercados e sacolões municipais - art. 9, §6º).
Não obstante a Lei Municipal autorizar a desestatização de ativos específicos, a norma aplica-se "as desestatizações de serviços e bens da Administração Direta ou Indireta, passíveis de alienação, concessão, permissão, parcerias público-privadas e parcerias em geral, bem como a eles associados" (art. 2).
Assim, o novo diploma será o fundamento legal para os contratos que vierem a ser celebrados no Município, ampliando, então, o arcabouço jurídico à disposição da Administração Pública para instrumentalizar os futuros contratos no âmbito do plano de desestatização.
Daí a importância de conhecer o que dispõe nova legislação.
Com efeito, é de conhecimento geral que para viabilizar a efetiva competição entre os licitantes os editais devem ser instruídos com projetos bens estruturados.
Assim, a primeira novidade que merece destaque na lei paulistana é a preocupação com a estruturação dos processos de desestatização, o que é evidenciado pela autorização conferida ao Executivo para "contratar assessoria externa para a estruturação de processos de desestatização", bem como pela bateria de PMIs7 que está em curso no Município (art. 7).
Tanto a contratação de assessoria externa, quanto a consulta ao mercado por meio das PMIs, são instrumentos que, se bem utilizados, podem contribuir bastante para a formulação de bons projetos. Em qualquer caso, no entanto, é fundamental a atuação e planejamento do órgão público contratante para que esses resultados sejam alcançados. Outra inovação diz respeito à autorização para criação de um fundo que garanta obrigações assumidas pela Administração Pública.
No ponto, muito embora a figura do fundo garantidor também esteja prevista na Lei de PPP, o fato é que a legislação paulistana traz previsões específicas, como, por exemplo, a autorização para que os recursos que venham a compor o fundo possam ser aportados em empresas estatais municipais ou fundos de investimentos, o que assegura um melhor aproveitamento financeiro dos recursos destinados para servir de garantia (art. 8º, caput e parágrafo único).
Convém ressaltar, também, que entre os requisitos mínimos que devem constar dos futuros contratos consta o mecanismo de avaliação de desempenho da contratada diretamente pelo usuário e por auditor externo. (art. 9, §4º, II e 13).
A figura do verificador independente é relevante porque ataca o problema da assimetria de informações entre o contratado e a Administração Pública, dificultando, assim, que a medição do desempenho da contratada seja influenciada pela captura da agência responsável pela fiscalização do serviço.
A Lei também prevê a solução de controvérsias por mediação e arbitragem, sendo relevante registrar, neste aspecto, a obrigação do parceiro privado de antecipar as despesas para custear o procedimento (art. 14, caput e parágrafo único).
Essa antecipação dos recursos necessários para custear o procedimento visa a contornar um problema comumente verificado na administração pública, relacionado à forma de contratação da Câmaar Arbitral, remuneração dos árbitros, necessidade de procedimento licitatório, etc..
De fato, talvez os instrumentos acima mencionados já estivessem sendo utilizados pela Administração Pública nos contratos administrativos mais recentes.
Contudo, incluir na lei elementos da realidade que aprimoraram os contratos administrativos é importante para aumentar a segurança jurídica do setor e sinalizar para os agentes econômicos a superação de problemas causados principalmente pela falta de planejamento e previsibilidade na solução de conflitos.
Esta postura, por aumentar a segurança do negócio, tem potencial para reduzir a taxa de retorno exigida pelos agentes econômicos como contraprestação de investimentos realizados, o que resulta, portanto, na entrega de um serviço mais barato para a coletividade, tudo a depender do bom uso desses instrumentos pela administração pública municipal.
Assim, a nova lei municipal, embora não traga mudanças estruturais - e nem poderia (art. 22, XXVII, CF) - confirma a tendência de que contratações públicas atentas à realidade estimulam a adequada prestação do serviço, além de assegurar a justa remuneração do contratado e a transparência dos elementos técnicos, econômicos e jurídicos do negócio, proporcionando, ainda, receita ao Estado para investir em setores carentes de recursos.
1 A atual gestão projeta uma economia anual de pelo menos R$ 576 milhões de recursos públicos com a concessão e venda de equipamentos no âmbito de seu programa de privatizações. Como as primeiras desestatizações devem acontecer no início do ano que vem, essa conta passa de R$ 1,7 bilhão poupado dos cofres públicos até 2020, último ano do mandato. Fonte: clique aqui.
2 Lei Municipal 16.651/17
Art. 5º Fica Criado o Fundo Municipal de Desenvolvimento - FMD, de natureza contábil, vinculado à Secretaria Municipal da Fazenda, cujo objetivo principal é o financiamento e expansão contínuos das ações destinadas a promover o desenvolvimento do Município de São Paulo.
Art. 6º Os recursos do FMD serão destinados pelo CMDP para investimentos nas áreas da saúde, educação, segurança, habitação, transporte, mobilidade urbana e assistência social.
Art. 7º O FMD será constituído por recursos e receitas provenientes de:
I - desestatização de bens e serviços;
3 A Lei 16.703/17 foi publicada em 04.10.17 e está vigente desde a sua publicação.
4 Pelo menos 55 ativos municipais estão no Plano Municipal de Desestatização. Fonte: clique aqui.
5 Art. 9º Fica o Executivo autorizado a outorgar concessões e permissões dos seguintes serviços, obras e bens públicos:
I - o sistema de arrecadação das tarifas do Transporte Coletivo Urbano de Passageiros;
II - o Mercadão e o Mercado Kinjo Yamato;
III - parques, praças e planetários;
IV - remoção e pátios de estacionamento de veículos.
6 Especificamente quanto à concessão do Pacaembu cumpre anotar a existência de ação judicial discutindo a utilização do estádio para eventos (0002678-53.2005.8.26.0053 ou 1.549.714). Nas instâncias ordinárias a Municipalidade foi condenada a "não permitir, por meio de cessão ou autorização, onerosa ou não, a utilização do Estádio do Pacaembu e da Praça Charles Miller para a realização de eventos que sejam prejudiciais à segurança, ao sossego e à saúde, em flagrante violação aos limites ordinários de tolerância dos moradores da vizinhança, tudo sob pena de multa diária e de responsabilização, inclusive por improbidade administrativa". O STJ, por sua vez, por decisão publicada no dia 13.10.17, negou seguimento ao recurso da Municipalidade.
7 O Município de São Paulo está realizando uma série de PMI's (Cemitérios, Expansão Wifi, Pacaembu, Parques, Serviço Funerário, Sistema Único de Arrecadação Centralizada e Terminais de Ônibus Urbanos) para preparar os futuros editais e promulgou, inclusive, um decreto para regulamentar esta etapa do processo de desestatização (Decreto Municipal 57.678/17).
Convém anotar, por ser inovador e uma nova ferramenta à disposição da Administração Municipal, que este Decreto Municipal trata de um procedimento denominado PPMI (Procedimento Preliminar de Manifestação de Interesse), cuja principal diferença para o PMI tradicional é o não ressarcimento do particular pelos estudos entregues à Administração, conforme artigo 1º, §4º do Decreto Municipal.
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*Francisco Octavio de Almeida Prado Filho é advogado do escritório Malheiros, Penteado, Toledo e Almeida Prado - Advogados.
*Pedro Truffi de Oliveira Costa é advogado do escritório Malheiros, Penteado, Toledo e Almeida Prado - Advogados.