A lei 13.491/17 e a ampliação da competência da Justiça Militar
Algumas críticas pontuais precisam ser feitas.
quarta-feira, 25 de outubro de 2017
Atualizado às 14:22
Não foi com grande entusiasmo que a comunidade de juristas recepcionou a lei 13.491/17, lei esta que entrou em vigor no dia 16 de outubro de 2017 (alterando o artigo 9º do Código Penal Militar) e que provocou significativas mudanças na competência da Justiça Militar Federal e Estadual.
Tal diploma legislativo teve como diretriz as chamadas "Operações de Garantia da Lei e da Ordem (Op GLO), medida esta que encontra definição em portaria do Ministério da Defesa e significa "uma operação militar determinada pelo presidente da República e conduzida pelas Forças Armadas de forma episódica, em área previamente estabelecida e por tempo limitado, que tem por objetivo a preservação da ordem pública e da incolumidade das pessoas e do patrimônio em situações de esgotamento dos instrumentos para isso previstos no artigo 144 da Constituição ou em outras em que se presuma ser possível a perturbação da ordem" (Portaria Normativa 186/MD/14).1
Cumpre registrar que a lei 9.299/96 (alterando o artigo 9º do CPM), mais tarde incorporada pelo artigo 125, § 4º da CF/88 - seguindo reclames de organismos nacionais e internacionais de direito humanos - modifica o Código Penal Militar no sentido de estabelecer que os crimes dolosos contra a vida praticados por militares contra civis sejam julgados perante o Tribunal do Júri.2
A Constituição Federal confere tratamento diferente aos crimes militares de competência da Justiça Militar da União e aos crimes de competência da Justiça Militar dos Estados. O crime militar federal pode ter como sujeito ativo tanto os membros das forças armadas como os civis, enquanto o crime de competência da Justiça Militar Estadual só pode ser praticado por policial militar ou bombeiro. Tal diferenciação pode ser alvo de conclusão quando se pratica a leitura dos artigos 124 e 125, § 4, CF/88.3
Ademais, a emenda constitucional 45/04 (conhecida por promover mudanças no Poder Judiciário) não elaborou nenhuma modificação nos artigos 122 a 124 da CF/88, ou seja, fica intacta a organização, estrutura e competência da Justiça Militar da União. Desse modo, o artigo 124 declara que compete a Justiça Militar (da União) processar e julgar os crimes definidos em lei e cometidos pelos membros das Forças Armadas).
Cabe destacar uma alteração de grande valor que diz respeito ao afastamento da Justiça Comum dos crimes dolosos contra a vida cometidos por militares das forças armadas (leia-se Exército, Marinha e Aeronáutica) contra civis. Agora, a competência para julgar tais crimes são da Justiça Militar Federal. Isso se deve ao fato da legislação ter alterado o conceito de "crime militar", o qual é atribuído pela própria Constituição à lei ordinária.4
A lei 13.491/17 alterou o CPM, o qual agora, em seu artigo 9º, § 2ª, afirma que "os crimes de que trata este artigo, quando dolosos contra a vida e cometidos por militares das Forças Armadas contra civil, serão da competência da Justiça Militar da União, se praticados no contexto: I - do cumprimento de atribuições que lhes forem estabelecidas pelo Presidente da República ou pelo Ministro de Estado da Defesa; II - de ação que envolva a segurança de instituição militar ou de missão militar, mesmo que não beligerante; ou III - de atividade de natureza militar, de operação de paz, de garantia da lei e da ordem ou de atribuição subsidiária, realizadas conforme o disposto no art. 142 da Constituição Federal e na forma dos seguintes diplomas legais (...).
Algumas críticas pontuais precisam ser feitas. Tal manobra operada pela lei 13.491/17 pode ser compreendida de acordo com o pensamento jurídico de exceção, dono de uma ampla abertura de um espaço de indeterminação normativa do uso das forças armadas como instituições mantenedoras da ordem pública e do sistema de desigualdades sociais.5
Partindo para a segunda crítica, para parte da doutrina6, em um Estado Democrático de Direito não se deve admitir uma Justiça Militar, a não ser que seja em tempo de paz e também para julgar crimes tipificados na legislação penal ordinária. Admite-se a Justiça Militar apenas e extraordinariamente para julgar crimes militares próprios, isto é, aqueles positivados exclusivamente em leis especiais militares e cometidos em tempos de guerra.
Seguindo para a terceira crítica, é importante salientar que com essa ampliação de competência, a Justiça Militar receberá uma enxurrada de processos e consequentemente haverá uma demora no julgamento deles, o que pode aumentar o sentimento de impunidade.7
Por fim, outra crítica a ser feita seria o fato de se criar um ambiente de corporativismo, principalmente em relação aos crimes de tortura e abuso de autoridade, pois existe uma valoração e percepção por parte dos militares que é diametralmente oposta da população civil sobre a gravidade e tipificação dessas condutas.8
De todo o exposto, é notório que tal alteração legislativa importará impactos significativos para a Justiça Militar, uma vez que a mesma daqui para frente sofrerá com os problemas citados anteriormente, quais sejam, espaço de indeterminação normativa do uso das forças armadas, excesso de demandas, sentimento de impunidade e uma certa dose de corporativismo.
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1 Machado. Leonardo Marcondes. Lei 13.491/17 reforça militarização da segurança pública e da Justiça Penal.
2 Júnior, Aury Lopes. Lei 13.491/17 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri.
3 TAVÓRA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de Direito processual penal. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 1259.
4 Cabette, Eduardo Luiz Santos. Crimes militares praticados contra civil - Competência de acordo com a lei 13.491/17. Acesso em 21/10/2017.
5 Machado. Leonardo Marcondes. Lei 13.491/17 reforça militarização da segurança pública e da Justiça Penal.
6 Moreira. Rômulo de Andrade. A lei que alterou a competência da Justiça Militar da União. Acesso em 21/10/17.
7 Júnior, Aury Lopes. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri..
8 Júnior, Aury Lopes. Lei 13.491/2017 fez muito mais do que retirar os militares do tribunal do júri.
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*Alexandre José Trovão Brito é advogado, especialista em Direito Penal e Processo Penal pelo Complexo Educacional Damásio de Jesus. Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB Seccional Maranhão.