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Uma avaliação sobre o uso das parcerias público-privadas para construção e gestão de presídios

Presídios públicos ou privados? Uma avaliação sobre o uso das parcerias público-privadas para construção e gestão de presídios

Intentaremos, nesse tormentoso terreno que é o sistema carcerário brasileiro, apresentar algumas reflexões sobre a violência no Brasil, o sistema carcerário pátrio e introduzir considerações sobre o modelo de parcerias público-privadas como possível solução ao grave problema do sistema prisional brasileiro.

terça-feira, 24 de outubro de 2017

Atualizado às 15:41

2. CRIME E SOCIEDADE


2.1. INTRODUÇÃO

Não se intentará, nestas breves notas, trazer discussões doutrinárias e/ou filosóficas sobre crime, no entanto, uma avaliação, ainda que superficial, é necessária dada a complexidade do tema principal a ser aqui tratado, qual seja: USO DO REGIME DE PARCERIAS PÚBLICO-PRIVDAS PARA CONSTRUÇÃO E GESTÃO DE PRESÍDIOS.

Sem ingressar, como já dito antes, em aprofundados debates filosóficos sobre o crime, há de ser ressaltado, no entanto, que as relações humanas são pautadas por conflitos naturais. Há quem diga, aliás, que desde que o homem passou a ter o conceito de propriedade, isso em priscas eras, principiou a infringência daquelas regras mínimas de convivência ideal entre os seres humanos integrantes do mesmo tecido social, tentando subjugar o semelhante em busca de poder, seja poder espiritual, patrimonial ou simplesmente poder social.

Thomas Hobbes (1588-1679) já buscava no estado organizado uma forma de conter o homem em suas relações sociais a fim de sair do estado de natureza, no qual a subjugação humana jamais se coadunaria com relações sociais como as conhecidas na atualidade. Por seus estudos, o homem em natureza deveria se curvar ao homem em sociedade. De acordo com esse pensador inglês, para resolver os problemas globais da sociedade, deve-se primeiro buscar resolver os problemas individuais dos seres integrantes do grupo social.

Os freios sociais são necessários, sob pena de retorno ao estado de natureza no qual os homens "esforçam-se por se destruir ou subjugar um ao outro" (Leviatã, pág. 46) e a vida em sociedade sem os referidos freios gera "uma guerra de todos contra todos" (Leviatã, 47) 1

Segundo esse autor inglês, é natural que, mesmo em sociedade organizada, não confiemos em nossos pares, por isso, ao sairmos de casa trancamos nossas portas, ao estacionarmos nossos carros, os trancamos. Tudo isso integra a natureza humana de preservação individual e desconfiança em relação a seus pares e Hobbes afirma ainda que em uma sociedade há de se estabelecer um pacto (contrato) por meio do qual cada um abre mão de parcela de sua liberdade a um ente ideal, o Estado, que cuidará, com a devida legitimidade, de estabelecer regramentos racionais para uma convivência não conflituosa.

Nesse contexto de ideias, quanto mais desenvolvida uma sociedade sob uma perspectiva social, menos conflitos serão gerados a partir de desejos não alcançados, não por outra razão, em estados onde as distâncias sociais são mais reduzidas, os conflitos se reduzem na mesma proporção.

Modernamente o sociólogo francês Émile Durkheim vê o crime como um fato social natural, ou seja, como intrínseco à sociedade, qualquer que seja ela, daí a necessidade de punição àqueles que transgridem as regras sociais impostas. Com isso buscar-se-ia sempre a imposição de um querer coletivo sobre o individual. O próprio pensamento marxista desemboca nessa máxima determinista de que o todo arrasta o individual e a sociedade é causadora das desigualdades sociais e do crime.

Mudando a abordagem, mas na mesma linha de ideias, Cesare Beccaria (1738-1794) igualmente define a vida em sociedade com seres individualmente em posições desiguais e as leis assumem o protagonismo de impedir abusos. Para o mestre italiano, "as leis tomam sua força da necessidade de guiar os interesses particulares para o bem geral". Ele afirma ainda: "Não é o rigor da pena que previne os crimes com mais segurança, mas a certeza de sua aplicação." 2

Para Beccaria, a prisão é necessária e deve ser aplicada como instrumento de tentativa de recuperação daquele que comete crimes. Seu pensamento floresce em momento histórico no qual as penas são utilizadas como instrumento de vingança coletiva. Sua obra se insurge contra os excessos das punições, dentre eles, as prisões desumanas.

Como se sabe, em momentos de grandes índices de criminalidade, como o que vivemos atualmente, a sociedade tem a natural tendência, compreensível, diga-se, de defesa de um verdadeiro "estado de guerra" para extirpar da sociedade os criminosos, o que acreditam alguns, ser possível, por exemplo, com a pena de morte. Por outro lado, essa mesma sociedade, que muitas vezes defende com veemência direitos humanos, não hesita em não demonstrar nenhuma compaixão quando presencia exemplos de cárceres onde os presos são submetidos a tratamentos desumanos.

Esse sentimento de vingança certamente não é a solução para tão grave questão. Ao abordar essa problemática, em artigo de invulgar clareza, a Drª Clarita Maia nos convoca a uma reflexão para, mais adiante, concluir que tal sentimento jamais será o caminho para a solução da criminalidade, seja no Brasil ou em qualquer outra sociedade. A lição exposta pela nobre articulista assim nos ensina:

"Nesse, como em outros temas de interesse público, convém a reflexão pragmática. A reforma do sistema prisional desafia os brios da sociedade que, não sem motivos, encontra-se cansada pelo aumento da criminalidade.

A adoção de uma perspectiva de vingança, contudo, não é a mais racional. Naturalmente, há casos de psicopatias e sociopatias graves e irrecuperáveis em relação às quais o Direito Penal brasileiro talvez deva reagir de forma mais adequada, até mesmo recuperando o instituto da pena de caráter perpétuo.

Estatisticamente, contudo, casos de psicopatias e sociopatias graves são minoritários, sendo a maior parte dos encarcerados pessoas com sérios distúrbios comportamentais, contudo, sanáveis. Para esses casos, a resposta da vingança, pela imposição prática de penas de expiação, além de injusta, é contraproducente e predispõe o indivíduo a demonstrar ainda menos empatia pelo sofrimento que proporciona. O que faz recordar o célebre ensinamento de Confúcio: ao iniciar o caminho da vingança, cave duas covas."3

Alheio a todos esses embates filosóficos, é inegável que a sociedade em que se vive define o nível de criminalidade dessa mesma sociedade. Todo grupo social gera algum grau de conflito, resultando em crimes que necessitam ser combatidos pela sociedade representada pelo Estado. No entanto, há outra verdade que os fatos objetivamente conduzem ao seu reconhecimento: quanto mais bem estruturado um Estado socialmente, menos conflitos ele conhecerá, o que nos leva a concluir que todo Estado, seja a médio ou longo prazo, deve buscar alcançar um nível de atuação e fiscalização estatal que tenha como objetivo reduzir as distâncias entre os extremos sociais, pois é comprovado por "números" que essa redução produz "paz social", esta manifestada em redução de crimes.

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1 O Leviatã, DHnet.

2 Dos Delitos e das Penas, Edição Ridendo CAstigat Mores, Versão para eBook

3 Clarita Maia, Mestre pela Universidade de Brasília e Doutoranda pela Universidade de São Paulo. Consultado em 25.8.2017. < Terceirização de presídios: a opção realista>

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*Zélio Maia da Rocha é Procurador do Distrito Federal, Advogado, Professor de Direito Constitucional e Administrativo, parecerista, autor de livros e artigos em revistas especializadas.






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