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As PDPs estão com os dias contados?

Mauricio Pinheiro, Carlos Eduardo Eliziário de Lima e Caio Brandão

Uma preocupação que antes parecia restrita à parceria firmada entre Shire e Hemobrás, pode atingir todas as PDPs vigentes no país.

segunda-feira, 23 de outubro de 2017

Atualizado em 20 de outubro de 2017 11:42

O programa de Parcerias para o Desenvolvimento Produtivo (ou PDPs) desenvolvido pelo Ministério da Saúde, cujo objetivo é capacitar laboratórios públicos a produzir medicamentos considerados estratégicos para o Sistema Único de Saúde - SUS e, com isto, reduzir o déficit da balança comercial de compra de medicamentos do Ministério da Saúde, pode estar com os dias contados.

Isso porque, uma preocupação que antes parecia restrita à parceria firmada entre Shire e Hemobrás, pode atingir todas as PDPs vigentes no país.

Muito se tem noticiado sobre o litígio envolvendo a empresa Shire e o Ministério da Saúde acerca da continuidade da PDP firmada entre o referido laboratório e a estatal Hemobrás para transferência de tecnologia sobre o Fator VIII recombinante, medicamento utilizado no tratamento de pacientes que sofrem com Hemofilia A no país.

De um lado, o Ministério da Saúde ameaça cancelar a parceria com base no alegado atraso do cronograma originalmente aprovado pelo órgão, bem como diante da ausência de sinais de que a tecnologia para produção do medicamento está, de fato, sendo absorvida pelo laboratório público.

De outro lado, Shire e Hemobrás se defendem, afirmando que o atraso no cronograma que afetou, inclusive, algumas das etapas da transferência de tecnologia, teria ocorrido por culpa do próprio Governo Federal que não realizou os investimentos necessários em infraestrutura na estatal. Soma-se a isto notícias de que o Ministério estaria considerando um projeto alternativo, estruturado fora do marco legal e do rito das PDPs, para substituir a parceria firmada entre Shire e Hemobrás.

A crise entre as partes se agravou com o anúncio, por parte do Ministério da Saúde, de que pretende adquirir 300 milhões de unidades do medicamento fora do âmbito da PDP, o que equivale a 60% do quantitativo total comprado da parceria entre Hemobrás e Shire em 2017 e 52% do quantitativo previsto para 2018.

Ao ser acusado de estar violando a medida liminar concedida pelo juiz da 4ª Vara Federal Cível do Distrito Federal, que suspendeu ato da Secretaria de Ciência e Tecnologia - SCTIE para o fim de manter vigente a PDP, decisão está recentemente ratificada pelo Tribunal Regional Federal da 1ª Região e pelo Tribunal de Contas da União - TCU, o Ministério da Saúde afirmou, expressamente, que a Portaria nº 2.531/2014, que regula o programa de PDPs no país, não cria para o Ministério obrigação de compra do produto no âmbito da parceria.

A declaração do Ministério da Saúde vai muito além do conflito particular com Shire e Hemobrás.

Como se sabe, a essência do programa de PDPs reside na utilização estratégica do poder de compra do Estado, no caso, do Governo Federal, mediante a estruturação de parcerias tripartites, envolvendo uma empresa privada detentora de tecnologia de um medicamento estratégico, um laboratório público oficial e o próprio Ministério da Saúde.

Em outras palavras, no âmbito do programa das PDPs, a única contrapartida oferecida para o parceiro privado pela transferência da tecnologia sobre medicamentos de ponta reside justamente na exclusividade temporária do fornecimento do produto ao Governo enquanto durar o contrato com o laboratório público.

Nesse sentido, inclusive, a Portaria 2.531/2014 prevê expressamente em seu artigo 66, item X, a obrigação do Ministério de participar da chamada 'fase de PDP', etapa em que há o fornecimento do produto, cumprindo todas as responsabilidades e obrigações previstas na referida fase.

Admitir o contrário, como parece sugerir o Ministério da Saúde, criará um ambiente de absoluta insegurança jurídica, colocando em risco não só a parceria entre Shire e Hemobrás, mas todas as PDPs vigentes no país e, porque não dizer, a própria viabilidade do programa, na medida em que não haveria qualquer incentivo para que os laboratórios detentores da tecnologia participassem da empreitada.

Sob este ponto de vista, a atitude do Ministério da Saúde de deflagrar licitação visando a compra de Fator VIII recombinante fora do âmbito da PDP entre Shire e Hemobrás não pode ser vista com bons olhos, nem por aqueles que não estão envolvidos no imbróglio, pois demonstra que o órgão não está disposto a honrar seu compromisso no âmbito do programa de PDP.

Até por isto, nos parece que o ato do Ministério de cooptar outras empresas para um procedimento fadado ao insucesso poderá ser revisto pelo Judiciário, na medida em que não apenas viola os termos da parceria, previamente aprovados pelo órgão, mas também contraria as recentes decisões judiciais proferidas pela Justiça Federal do Distrito Federal, bem como a medida cautelar deferida pelo TCU nos autos da representação movida pelo Ministério Público junto ao referido tribunal.
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*Mauricio Joffily P. C. Pinheiro é VP jurídico da Shire na América Latina.

*Carlos Eduardo Eliziário de Lima é sócio do escritório Dannemann Siemsen Advogados.

*Caio Ribeiro Bueno Brandão é advogado do escritório Dannemann Siemsen Advogados.

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