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O mundo em que Neiva viveu

Nascido no mesmo dia em que eclodiu na Rússia a revolução comunista, Neiva Moreira morreu no dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos de idade, e está sepultado aqui nesta Ilha de São Luís por onde começou a semear suas sublimes rebeldias pelo País e mundo afora.

segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Atualizado às 18:04

Focando as desigualdades, não obstante os avanços das ultimas décadas nos campos da ciência e da tecnologia, não há muita diferença entre os últimos cem anos de quando nasceu Neiva Moreira em Nova Iorque, cidade ribeirinha às margens maranhenses do rio Parnaíba e o que ainda acontece hoje com milhões de crianças de origem popular e humilde neste meio norte do Brasil no qual ainda pontificam os que, ontem, eram apenas coronéis do latifúndio, atravessadores da produção rural, donos do poder político local e hoje seguem até como sócios da República desde as suas planícies ao mais intransponível de suas cumeadas.

Nesse tempo que durou um século, a intolerância politica sacudiu o mundo com duas grandes guerras esparramando mortes nas cidades e nos campos de lutas que elas alcançaram.

Alfabetizado pela mãe, D. Mariinha, editora de um periódico manuscrito em folhas duplas de papel almaço, cujas noticias e opiniões ela compartilhava com a vizinhança, Neiva, o magricelo garoto, não tinha ainda nem dez anos de idade quando cruzou a fronteira entre Barão do Grajaú, lado maranhense do rio Parnaíba, onde se radicara então a família, e Floriano, o lado piauiense, grande centro comercial e portão de saída para o Ceará e demais nordeste.

Ali, em Floriano, se iniciou na luta pela vida trabalhando como vencedor de petiscos, ajudando em serviços nas travessias dos rios, até chegar a Teresina e ao Liceu Piauiense, onde estudou até a quarta série, saindo de lá para a longa jornada de entrega às causas populares que soube percorrer como jornalista e politico.

Na revista O Cruzeiro, aonde chegou sob os auspícios de Castelinho, o Carlos Castelo Branco, seu colega de escola em Teresina e àquelas alturas titular da coluna "Em Confiança", que ocupava duas páginas com notas de politica, Neiva não tardou a formar com Samuel Wainer a dupla de repórteres exclusivos que Chateaubriand mantinha a seu serviço para missões especiais.

Nessa condição teria vindo a São Luís quando irrompeu o movimento popular que ficou conhecido como a Greve de 51 decorrente de um grave impasse politico. O vencedor das eleições para governador, Saturnino Belo, oposicionista, morrera antes de ser proclamado e a oligarquia então dominante, comandada pelo Senador Victorino Freire, decretara que seria empossado o segundo colocado, o ex-prefeito de Caxias, Eugênio Barros.

Foi quando a Capital ficou conhecida como Ilha Rebelde, front de uma resistência popular que durou meses marcados pela violência com incêndios, depredações, passeatas, comícios e mortes. A Justiça Eleitoral depois de tudo mandou empossar o segundo colocado. E não o Vice do vencedor do pleito. E nem ordenou novas eleições. Tudo como previsto.

Na primeira eleição que se sucedeu, Neiva é eleito deputado estadual com expressiva votação. Na eleição seguinte, primeiro suplente de deputado federal e depois titular em legislaturas sucessivas.

Com o seu Jornal do Povo - contra a opressão e a injustiça social - os partidos contrários ao estado de coisas se juntam numa legenda única chamada "Oposições Coligadas". E ali os focos da resistência se transmudaram em forças.

No plano nacional, Neiva então sob a legenda do PSP - Partido Social Progressista não só esteve nas colunas de frente das causas nacionalistas, chegando a Secretário Geral da Frente Parlamentar Nacionalista, como somando forças com o Presidente Juscelino liderou movimentos pela construção de Brasília para, ao final, ter se revelado o grande executivo responsável pela mudança do Congresso e, por obvio, dos parlamentares e suas famílias para a Nova Capital.

O golpe militar incluiu Neiva na sua primeira lista de cassações. Da prisão ao exilio. No exilio, a jornada de um idealista pelo mundo. Testemunhou todos os golpes da direita armada, patrocinada pelos Estados Unidos, na América Latina. Reportou da África as guerras dos povos colonizados desde a primeira e segunda guerras por suas independências. Daí os seus Cadernos do Terceiro Mundo, indispensáveis fontes de estudos nas academias.

A Academia Maranhense de Letras, hoje presidida por um dos discípulos de José Guimaraes Neiva Moreira, o também e então jovem Deputado cassado Benedito Buzar e o Instituto Jackson Lago, fundador com Neiva e Brizola do Partido Democrático Trabalhista, o PDT, reservaram esta semana para as merecidas homenagens ao nosso grande maranhense.

Nascido no mesmo dia em que eclodiu na Rússia a revolução comunista, Neiva Moreira morreu no dia 10 de maio de 2012, aos 94 anos de idade, e está sepultado aqui nesta Ilha de São Luís por onde começou a semear suas sublimes rebeldias pelo País e mundo afora. Morreu depois que a covardia politica assenhoreada na justiça eleitoral sem o que nem porque tirou o mandato do Jackson, eleito Governador por maioria absoluta de votos. Morreu sem tempo de ver o comunismo, do qual nunca foi adepto, triunfar no Maranhão.

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*Edson Vidigal é advogado, foi presidente do Superior Tribunal de Justiça e do Conselho da Justiça Federal. Na juventude, foi repórter do Jornal do Povo, de Neiva Moreira, e Vereador cassado pelo Partido Social Progressista. Cassado e preso em abril de 1964. 

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