O crime - verdadeiro inimigo dos direitos humanos
É preciso compreender, portanto, que os direitos humanos não são os "direitos do crime"; mas, sim, os direitos imanentes à dignidade humana.
segunda-feira, 16 de outubro de 2017
Atualizado em 11 de outubro de 2017 13:54
Hoje em dia, a afirmação dos direitos humanos encontra-se severamente prejudicada por conta de sua desmoralização, na medida em que tem sido muito mal invocada para defender o crime.
Isto é uma terrível deturpação. Causa um enorme prejuízo para a humanidade, assim como, para todas as pessoas individualmente consideradas, tendo em vista que implica uma notória banalização e enfraquecimento dos direitos humanos.
Quem não ouviu a expressão "direitos dos manos"? ou, não sabe que eles estão extremamente esvaziados por conta da sua rejeição social.
A população e as autoridades têm testemunhado esta deturpação; e, aí, quando o exercício dos direitos humanos é realmente adequado e legítimo, tais direitos encontram enorme dificuldade de serem efetivados.
É preciso compreender, portanto, que os direitos humanos não são os "direitos do crime"; mas, sim, os direitos imanentes à dignidade humana.
Para tanto, é necessário considerar os direitos humanos em caráter holístico, integral, levando em conta não só os direitos humanos dos acusados e dos transgressores, como também das vítimas e até dos agentes de segurança.
Todos do povo têm direitos humanos, sem exceção.
Logo, o segredo está na conciliação entre os direitos humanos de todos os envolvidos no caso concreto. Ninguém deve ser excluído, muito menos os direitos humanos podem ser utilizados como um escudo em favor do crime.
É assim que se faz possível, a um só tempo, ser advogado militante dos direitos humanos, defensor de vários réus acusados de delitos penais, inclusive corrupção; e, ainda, um homem de bem, pai de família, que em hipótese alguma compactua com o crime e muito menos tira proveito dele.
Sobral Pinto dizia que o advogado cristão odeia o pecado, mas ama o pecador. Esta é a mentalidade.
Na condição de estudioso de direitos humanos, professor da matéria numa das universidades de maior prestígio do país e advogado militante, tenho me dedicado muito à edificação dos direitos humanos para que seja o escudo de defesa de qualquer pessoa e de todas as pessoas; porém jamais para ser o alicerce jurídico do crime.
Foi assim que, sob a presidência do excepcional advogado e professor José Horacio Halfeld Rezende Ribeiro, propus ineditamente no Instituto dos Advogados de São Paulo - IASP, a mais tradicional e antiga entidade nacional da advocacia, o projeto de constituição de uma Comissão de Estudos de Direitos Humanos; e fui imediatamente atendido, tendo sido honrado com sua presidência.
A Comissão foi constituída e, para tanto, convidei a compor advogados de todos os matizes, de dentro e fora do IASP, inclusive a combativa e ilustre advogada do ex-presidente Lula.
Sob esta perspectiva de que os direitos humanos são os direitos imanentes do gênero humano; e, jamais o "direito do crime"; que nossa comissão procura ouvir todas as vozes da sociedade, se debruçar sobre o tema e manifestar os resultados de constatação de violação ou não de tais direitos.
Por exemplo, nosso último trabalho foi em favor do princípio constitucional da presunção de inocência para afirmar a violação de direitos humanos na prisão criminal do réu antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.
Ocorre que, direcionando nossos estudos aos direitos humanos coletivos do povo brasileiro enquanto vítima da corrupção, no sentido de afirmar que o combate à corrupção não agride aos direitos humanos, pelo contrário os concretiza, programei uma reunião aberta da comissão para ouvir o Desembargador Presidente do Tribunal da Lava Jato, assim como, o Ministro de Estado - Chefe de Gabinete de Segurança Institucional do Brasil, que aceitaram nosso convite, mercê da credibilidade do IASP e do reconhecimento, por estas altas autoridades, do nosso empenho e trabalho, sem deturpações, sério e efetivo, de concretização universal dos direitos humanos.
Esta será uma reunião memorável de nossa comissão e, não por menos, aconteceu o que tinha que acontecer, gerou exatamente como era de se esperar, um profundo debate.
Sucede que, uma carta por uma centena de ilustres advogados, inclusive assinada por membros de minha comissão, foi feita contra esta reunião, a qual manifestando uma posição, ao meu juízo, apaixonada, áspera e desproporcional, veio a impugnar a reunião.
Recebi esta carta com o devido respeito, pois, descontada a paixão de seu texto emocionado e hostil, é a prova cabal que o debate do tema se faz necessário, tendo em vista que o documento está a sustentar que não existem os direitos humanos da vítima e muito menos do povo e que Militares não devem e não podem tratar deste assunto.
Com efeito, meu respeito demonstrei ao publicamente convidar um emérito professor, que assina o documento, para debater.
Realmente a carta foi agressiva, hostilizou desnecessária e gratuitamente os honrados Militares de nosso país, como se não fossem dignos e cidadãos da pátria, no que tocou o Exmo. Ministro de Estado, que possui uma carreira militar digna e irretocável.
Inaceitavelmente, o indigitado documento, de fato, constrangeu o Exmo. Ministro de Estado, que, como diz o próprio, o chocou profundamente.
Entretanto, pela presente me manifesto para hipotecar minha solidariedade e apoio, assim como, desagravar todos os honrados Militares de nosso país; e, especialmente, o Excelentíssimo Senhor Ministro de Estado - Chefe do Gabinete de Segurança Institucional do Brasil.
Sendo certo que, ao Sr. General, aos honrados Militares e ao Brasil, asseguro que não vamos nos abater, a reunião está mantida, continuaremos trabalhando para edificar os direitos humanos das pessoas e das vítimas; e, a abominar o inaceitável uso deles para defender o crime.
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*Ricardo Sayeg é sócio do escritório HSLAW.