Violência contra professor não se resume à agressor versus vítima
A violência contra os mestres não pode ser compreendida como apenas um fato que ocorre entre agressor e vítima. E tampouco como ocorrência exclusiva da sala de aula. É um dilema bem mais amplo. Envolve questão de saúde pública, do sistema de ensino e também do Poder Judiciário.
segunda-feira, 9 de outubro de 2017
Atualizado às 09:59
Há uma diferença sutil entre a maioria dos casos de agressão a educadores (dados aqui) e a recente violência física sofrida pela professora da escola pública catarinense. A própria docente expôs a ocorrência em suas redes sociais, fato que diverge da tendência natural da vítima que geralmente prefere manter a situação sigilosa.
Também existem dois cenários revelados pelos episódios sucessivos de violência nas escolas. O primeiro, os casos demonstram como a educação presencial e o sistema de ensino estão falidos no Brasil. E, na outra ponta, indica que a educação para o bom uso de plataformas digitais, redes sociais, internet e tecnologias praticamente inexiste ou não apresenta resultados significativos. Portanto, não há tampouco educação presencial quanto digital no país. Este é o quadro evidenciado nas constantes agressões e violências ocorridas entre os principais atores da comunidade escolar que são os educadores, as famílias e os alunos.
A violência contra os mestres não pode ser compreendida como apenas um fato que ocorre entre agressor e vítima. E tampouco como ocorrência exclusiva da sala de aula. É um dilema bem mais amplo. Envolve questão de saúde pública, do sistema de ensino e também do Poder Judiciário. Bem como é necessária a reflexão sobre os efeitos dos debates públicos e midiáticos sobre a realidade enfrentada pelo professor. Isto significa repensar se as discussões sobre as demandas, válidas e legítimas, dos educadores para a melhor qualidade do trabalho não acabam por "vitimizar" a classe. Ou seja, se a sociedade não tem colocado o professor num papel hipossuficiente e fraco no qual se torna alvo fácil para eventuais violências cometidas por alunos e, o pior, pelos pais e responsáveis.
Quando o caso da professora agredida é exposto na mídia e redes sociais, revela-se a necessidade de promoção do debate sobre as causas e fatores que levam docentes a abandonar não somente uma profissão, mas missão de vida. Entre as razões, está a violência sistemática e repetitiva cometida no ambiente escolar, conhecida como bullying e, sua vertente no mundo digital, cyberbullying. Forma de agressão já reconhecida pelo sistema legal do país por meio da Lei do Bullying. A norma determina a promoção de medidas de conscientização, prevenção e combate a todos os tipos de violência, com ênfase nas práticas recorrentes de bullying.
Esta lei amplia o leque jurídico tanto para agressores quanto vítimas do bullying e, portanto, não se atem somente aos conceitos sociológicos e pedagógicos sobre o problema. Pensamentos que consideram bullying apenas os casos ocorridos entre alunos. Para a legislação, agressores ou vítimas do bullying serão todos aqueles envolvidos no âmbito escolar, sejam alunos, educadores, pais e todos os profissionais ligados direta ou indiretamente ao ensino, visto que a norma não menciona ou delimita a idade dos envolvidos nos casos de bullying.
O caso da professora catarinense não é o único no país. Todos os dias, professores são agredidos com violência física, verbal ou digital nas escolas públicas e privadas. Há episódios de tão graves que os docentes são afastados por anos do ensino e, na prática, muitos são transferidos às rotinas administrativas e outros tantos jamais retornam às atividades escolares. Importante dizer que as dificuldades da sala de aula quando se trata de violência enfrentada pelos professores não são exclusivas do ensino público, pois também ocorrem nas escolas particulares.
E se engana quem deposita somente em crianças e adolescentes a responsabilidade pela violência. Muitos pais se demonstram agressivos com professores e com os próprios filhos. Nas escolas particulares, por exemplo, podemos ver casos onde pais e mães denigrem a imagem dos professores e dos colégios por meio de redes sociais e grupos de WhatsApp. Entre os fatores banais das ofensas está a rejeição às eventuais notas baixas dos filhos e medidas sócio pedagógicas sofridas pelos alunos (advertência/suspensão). Ao matricular o filho em uma determinada escola, o responsável legal do aluno concorda automaticamente com o sistema pedagógico e com o regimento interno, bem como a metodologia de ensino adotada pela instituição. Alunos são submetidos às regras disciplinares da mesma forma que cidadãos são regidos pelas leis.
Quando a violência no âmbito escolar ocorre. O caminho mais promissor é a composição entre as partes envolvidas, com auxílio dos diretores da escola. É a mediação entre ofensor e ofendido. Geralmente, quando se trata de pais agressores a mediação tem sucesso. Na iminência das repercussões do processo judicial para reparação de danos e de queixa-crime, acabam negociando formas de compensação aos prejuízos emocionais e físicos causados.
Entre todos os casos de violência escolar recebidos pelo SLM Advogados este ano, 12 envolvem violência sofrida pelos professores. Isto pode ser compreendido como mudança de postura dos educadores em relação às agressões. Antes, as vítimas se silenciavam. Hoje, estão mais conscientes dos seus direitos e deveres em relação ao problema. E este pode ser considerado um dos resultados mais importantes no trabalho de educação digital, prevenção e combate ao bullying e cyberbullying no ambiente escolar desenvolvido pelo escritório há quatro anos nas escolas de São Paulo.
O programa jurídico-educacional Proteja-se dos prejuízos do cyberbullying visa a instrução de forma jurídica e pedagógica as escolas, clubes, agremiações, professores, pais e alunos em como agir e prevenir casos de incidentes. E se insere num contexto que objetiva a reversão do quadro no qual os atores envolvidos ainda negam ou não reconhecem o bullying. São as situações de violência física ou psicológica, intencional e repetitiva, cometidos presencialmente ou por meio de smartphones, tablets e redes sociais. Embora o estado de negação seja realidade em parte das escolas, o contexto se altera pouco a pouco e as instituições de ensino começam a trabalhar a prevenção, diagnose e combate ao bullying. A realidade só é alterada após a conscientização do problema, do bom uso das tecnologias fundamentado no respeito e na dignidade da vida humana, do respeito às regras do ambiente escolar e das leis, mas principalmente, na promoção da cultura de paz.
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*Ana Paula Siqueira é especialista em Direito Digital e fundadora do SLM Advogados, idealizadora do Programa jurídico-educacional "Proteja-se dos Prejuízos do Cyberbullying" e autora do livro "Comentários à Lei do Bullying nº 13.185/2015".