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Liberdade religiosa e violação da dignidade da pessoa humana. A visão pentecostal acerca da homossexualidade deve ser protegida pelo ordenamento jurídico?

Somos forçados a admitir, que pregar em templos religiosos, que Deus abomina o homossexual, é tão grave como se, hodiernamente, tivéssemos congregações cristãs, que apregoassem que Deus abomina negros ou canhotos.

segunda-feira, 2 de outubro de 2017

Atualizado em 29 de setembro de 2017 18:32

Preambularmente, há que se fazer um breve apanhado histórico acerca do tratamento que a sociedade dispensou a questão da homossexualidade ao longo do tempo. Neste sentido, vale ressaltar que a homossexualidade sempre esteve presente nas relações humanas, desde a infância da humanidade¹.

A prática do amor entre pessoas do mesmo gênero, porém, é muito mais antiga que a própria Bíblia. Há documentos egípcios de 500 anos antes de Abraão, que revelam práticas homossexuais não somente entre os homens, mas também entre Deuses Horus e Seth. Segundo o poeta e escritor Goethe, "a homossexualidade é tão antiga quanto a humanidade". Certamente, cada tempo com sua experiência singular, mas com o mesmo direcionar de desejo: o igual.

Assim, na Grécia Antiga, tal comportamento sexual era venerado, enquanto que entre os romanos, era visto como sinal de fraqueza. Todavia, com o surgimento do cristianismo, no século III d.c, houve um movimento moralista acerca da sexualidade, onde o sexo passou a ser visto restritamente como forma de procriação, sendo a busca pelo prazer relegada ao pecado.

Durante toda a idade média, até a revolução francesa, que trouxe a separação entre Estado e Igreja, a Santa Inquisição, fora responsável pela morte de milhares de pessoas, condenadas por afrontarem as normas eclesiásticas.

Com a perda do monopólio da Igreja Católica sobre o Estado e a religião, bem como, com o laicismo, a sociedade pode dar outras interpretações ao texto bíblico, bem como, pode instituir outras vertentes cristãs.

No Brasil, as principais vertentes do cristianismo são o catolicismo, os templos pentecostais, e os adeptos da doutrina espírita.

No século XIX, surge o movimento higienista, propagando uma sociedade livre e limpa de tudo o que era considerado anômalo, de tal forma que o Estado passou a se imiscuir na intimidade das pessoas, relegando aos indivíduos com tendência à homossexualidade, tratamentos psiquiátricos, que iam de internamento em manicômios, lobotomias, tratamentos com choques, (terapia eletro convulsiva), até que, após tamanhas perversidades, em 1985, o termo homossexualismo deixou de constar nos diagnósticos da CID-10, pois, o sufixo "ismo" que significa doença, foi substituído por "dade" que designa modo de ser, deixando de constar no referido código como uma doença mental, passando ao capítulo dos sintomas decorrentes de circunstâncias Psicossociais.

Posteriormente, o Conselho Federal de Psicologia, em sua resolução nº 001/99, determinou normas de atuação para os profissionais, acerca da questão referente à orientação sexual, estabelecendo que os profissionais não colaborarão com situações e serviços que sugira tratamento e cura das homossexualidades, já que a homossexualidade não é uma doença, distúrbio ou perversão.

Não obstante a perseguição pela igreja e, posteriormente pelo Estado, o Brasil, hodiernamente, ostenta o odioso troféu de campeão de assassinatos contra homossexuais, haja vista, que a cada 28 horas, um homossexual é morto violentamente².

Segundo outro levantamento, do Grupo Gay da Bahia (GGB), mais antiga associação de defesa dos homossexuais e transexuais do Brasil, aponta que 2016 foi o ano com o maior número de assassinatos da população LGBT (lésbicas, gays, bissexuais e transexuais) desde o início da pesquisa, há 37 anos. Foram 347 mortes. Minas Gerais ocupa o quinto lugar nesse ranking, com 21 mortes. São Paulo lidera a lista, registrando 49 assassinatos. Mas o próprio GGB ressalta que os números são subnotificados, já que faltam estatísticas oficiais.

Em um cenário como o demonstrado, fica clarividente que a homossexualidade fora tratada até os dias de hoje, de forma deturpada, haja vista, o conceito religioso que apregoa a homossexualidade como prática que vai contra as regras celestes.

Ainda hoje, alguns templos pentecostais pregam uma interpretação da bíblia, oriunda do velho testamento, em que Deus abomina a homossexualidade, levando, desta forma, a discórdia para milhares de famílias, que sem o conhecimento que a delicada questão impõe, acreditam que o seu familiar, homoafetivo, esta indo contra a vontade de Deus, e, por conseguinte, será castigado após a morte com a eternidade no inferno.

Esta pedagogia perversa e perniciosa, que trata a homoafetividade como algo odioso aos olhos de Deus, revela um conflito de Normas Constitucionais, entre a liberdade religiosa e a dignidade da pessoa humana.

Para melhor compreensão, vamos colacionar trechos da bíblia que embasam esta visão teológica:3

Gênesis 1:27 E criou Deus o homem à sua imagem: à imagem de Deus o criou; homem e mulher os criou.

Levítico 18:22 Com homem não te deitarás, como se fosse mulher; abominação é

Deuteronômio 22:5 Não haverá traje de homem na mulher, e nem vestirá o homem roupa de mulher; porque, qualquer que faz isto, abominação é ao SENHOR teu Deus.

1 Coríntios 6:10 Não erreis: nem os devassos, nem os idólatras, nem os adúlteros, nem os efeminados, nem os sodomitas, nem os ladrões, nem os avarentos, nem os bêbados, nem os maldizentes, nem os roubadores herdarão o reino de Deus.

Pois bem, não entraremos aqui na discussão religiosa acerca de se estes trechos são ou não a palavra de Deus, entretanto, somos obrigados a trazer a lume uma autocrítica à sociedade cristã.

Assim, somos obrigados a admitir, consoante os avanços sociais acerca do tema, que a homossexualidade não é uma patologia, muito menos, uma possessão demoníaca, de tal forma que, trata-se, a homossexualidade, de traço da personalidade do indivíduo, ou seja, assim como algumas pessoas nascem negras, e outras nascem canhotas, há aquelas que nascem com uma tendência a desenvolver afeto por pessoas do mesmo sexo.

Seguindo esta linha de raciocínio, em que a homossexualidade não é mais vista como uma bestialidade ou doença, somos forçados a admitir, que pregar em templos religiosos, que Deus abomina o homossexual, é tão grave como se, hodiernamente, tivéssemos congregações cristãs, que apregoassem que Deus abomina negros ou canhotos.

Necessário perceber, que o que se pretende com esta reflexão, não é desrespeitar os templos cristãos que estão em todos os municípios do Brasil, com representação, inclusive, no Congresso Nacional, mas demonstrar que estas seitas têm fomentado um grave desrespeito à dignidade da pessoa humana, ao transmitir aos seus seguidores que a homossexualidade é uma abominação.

Pois então, tem-se aqui um conflito entre normas constitucionais, sendo que de um lado, temos a liberdade religiosa, consagrada na Constituição Federal da República, no seu artigo 5º, inciso VI:4

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

VI - é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias;

Em sentido oposto, temos de outro lado, a proteção aos direitos humanos, consagrado na dignidade da pessoa humana, consoante Fundamento da República Federativa do Brasil, em seu artigo 1º, inciso III:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

III - a dignidade da pessoa humana;

Ato contínuo, no artigo 5º, inciso I:

Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

Não obstante, o inciso X do artigo 5º da Lei Maior:

X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;

Portanto, diante do Conflito de normas constitucionais, de um vértice, a liberdade religiosa, e de outro lado, o respeito à dignidade da pessoa humana, extraímos o ensinamento do renomado jurista Alemão, Robert Alexy, responsável pela teoria de distinção das normas fundamentais, fazendo uma diferenciação entre princípios e regras, sobre este tema:5

Um dos pontos mais importantes da teoria de Alexy é a distinção entre princípios e regras utilizada para analisar a estrutura das normas de direitos fundamentais. Segundo o autor, essa distinção é a base da teoria da fundamentação no âmbito desses direitos e a chave para a solução de problemas centrais da dogmática dos direitos fundamentais. Sem essa distinção não pode haver nem uma teoria adequada sobre as restrições e as colisões entre esses direitos, nem uma teoria suficiente sobre o papel dos direitos fundamentais no sistema jurídico. Por isso, Alexy afirma que essa distinção é uma das ''colunas mestras'' do edifício da teoria dos direitos fundamentais.

Ato contínuo:

O autor faz uma distinção precisa entre regras e princípios e uma utilização sistemática dessa diferença em sua teoria. O método adotado não é em relação ao grau de generalidade ou abstração das normas, como é usualmente descrito pela doutrina tradicional. Trata se de uma distinção qualitativa. Isso porque, seguindo a concepção de Alexy, princípios são mandamentos de otimização, ou seja, normas que ordenam que algo seja feito na maior medida possível, de acordo com as possibilidades fáticas e jurídicas do caso concreto. Por outro lado, regras são mandamentos definitivos, ou seja, normas que só podem ser cumpridas ou não, sendo realizadas por meio da lógica "tudo ou nada". Isso implica formas diversas de solucionar conflitos entre regras e colisões entre princípios: enquanto o primeiro deve ser solucionado por meio de subsunção, a colisão deve ser resolvida por meio do sopesamento.

Portanto, Robert Alexy, fazendo distinção entre princípios e regras, define que os princípios devem ser aplicados sempre de maneira otimizada, de tal modo que, se presente um conflito entre princípios, caberia ao julgador sopesar qual o princípio que mais se aproxima com a equidade, igualdade e postulados de justiça.

Pois bem, basta um gesto de cabeça, para que, olhando o passado recente da humanidade, se perceba quantas injustiças foram cometidas em nome da religião, haja vista a santa inquisição, e os horrores que a mídia nos mostra, por todo o globo, de ataques terroristas em nome de uma denominação religiosa qualquer. Ora, se hoje nos parece que os radicais islâmicos são terroristas, e de fato o são, da mesma forma o foram os cristãos durante as cruzadas e a invasão das Américas. Não à toa que, durante as cruzadas, enquanto os cristãos invadiam povoados e matavam os hereges, (pessoas comuns que professavam outra religião), deu-se o nome de expansão do Império Romano, e quando estes povos recuperavam parte de seu território, a história denomina como invasão dos povos bárbaros. Quem eram os bárbaros, afinal?

Contudo, precisamos fazer aqui, uma justiça. Todo este preconceito, oriundo da religião, não advêm, por certo, do grande Arquiteto do Universo, mas da ideia que a criatura humana faz deste Arquiteto. A criatura humana é apenas uma espécie dentre aproximadamente 8,5 milhões de espécies neste planeta, e pela sua capacidade de reflexão, em uma abstração filosófica, acreditou-se como elemento central do universo. Pois bem, sabemos, hodiernamente, que não é bem assim.

Este planeta, é apenas um, dentre tantos outros planetas que circundam sua estrela, o Sol. Este Sol, com seus planetas circundantes, é apenas um, dentre aproximadamente 40 bilhões de outros Sóis semelhantes ao nosso, pertencentes à Via Láctea. Por sua vez, a Via Láctea é apenas uma galáxia, entre aproximadamente outras 100 bilhões de galáxias.

Para além daquilo que já não podemos divisar, o espaço; com suas possibilidades infinitas, albergando, talvez, inúmeros outros universos, haja vista, que o fim do espaço, é algo incomensurável.

O que queremos dizer com isto tudo?

Que a ideia de divindade que a criatura humana formulou acerca de Deus é primitiva, porque primitiva era a sua capacidade de reflexão acerca do universo quando da fundação das religiões que regem as sociedades ocidentais.

Logo, as leis devem ser embasadas pela ciência, e jamais, pela religião. Ademais, mesmo que os ensinamentos evangélicos que vigem na nossa sociedade tenham sido transmitidas a humanidade pela influência de divindades, vale as seguintes reflexões, extraídas de textos espíritas:

Conforme Léon Denis, notável espírita que continuou o trabalho da divulgação da doutrina espírita na Europa após a morte de Allan Kardec:6

A verdade assemelha-se às gotas de chuva que tremem na extremidade de um ramo; enquanto ali estão suspensas, brilham como diamantes puros no esplendor do dia; quando tocam o chão, misturam-se com todas as impurezas. Tudo o que nos chega do Alto corrompe-se ao contato com a terra; até o íntimo do santuário o homem levou suas paixões; as suas concupiscências, as suas misérias morais. Assim, em cada religião o erro, fruto da terra, mistura-se à verdade que é o bem dos céus.

Conforme Emmanuel, em seu texto, Contempla mais longe, pela psicografia de Francisco Candido Xavier, no livro, Pão Nosso:7

Para o esquimó, o céu é um continente de gelo, sustentado a focas.

Para o selvagem da floresta, não há outro paraíso, além da caça abundante.

Para o homem da religião sectária, a glória de além-túmulo pertence exclusivamente a ele e aos que se lhe afeiçoam.

Para o sábio, este mundo e os círculos celestiais que o rodeiam são pequeninos departamentos do Universo.

Assim, se o que esperamos é uma sociedade justa e igualitária, não devemos encarar com normalidade instituições que fomentem a discórdia e o preconceito, alicerçada em textos sagrados do antigo testamento.

Contudo, abstraídos destas considerações religiosas, não devemos, enquanto cidadãos, encarar com normalidade a violação da dignidade da pessoa humana em templos que se pretendem religiosos. Isso não significa que devamos invadir os templos ou requerer ao poder público a sua intervenção, mas, ao menos, possamos refletir o quão perniciosas são estas palavras de ódio, sobretudo, quando proferidas em nome de Deus.

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1 O que todo cristão deve saber sobre homossexualidade

2 O que todo cristão deve sabe sobre homossexualidade

3 Brasil é país que mais mata travestis e transexuais

4 Art. 5, inc. VI da Constituição Federal de 88

5 GORZONI, PAULA. ENTRE O PRINCIPIO E A REGRA. DISPONIVEL EM: Entre o princípio e a regra

6 León Denis

7 Pão nosso

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*Nelson Olivo Capeleti Junior é Assessor Jurídico na Schulze Advogados Associados e com atuação no Direito Bancário; Análise de contratos; Análise processual; elaboração de estratégias processuais; elaboração de peças intermediárias e recursais; especialista em recursos ao STJ.

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