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Contrato de trabalho do atleta profissional

O desporto profissional possui grande relevância econômica e social, e cabe ao direito estabelecer as normas para que essa atividade se desenvolva.

quarta-feira, 27 de setembro de 2017

Atualizado em 26 de setembro de 2017 18:07

Nos anos 70, começaram a surgir legislações dedicadas ao atleta profissional. No Chile, foi editado o DFL. 1 para esportistas e profissionais vinculados ao desporto (treinador, auxiliar técnico). Essa legislação, atualizada pela lei 20.178/07, caracteriza como desportista profissional aquele que, subordinado a uma entidade desportiva e recebendo remuneração, dedica-se à prática de esporte.1

Na Argentina, a lei 20.160/1973 iniciou a regulamentação da relação laboral do atleta, que atualmente é regida pelo Convênio de Trabalho 557/2009, celebrado entre Futbolistas Argentinos Agremiados, sindicato de atletas, e a entidade organizadora do futebol, Asociación del Fútbol Argentino - AFA.2 Em linhas gerais, o contrato de trabalho deve ter prazo determinado, registro perante a AFA, e prever obrigações recíprocas.

Na Colômbia, até os dias de hoje, o atleta profissional não tem uma legislação específica que contemple as peculiaridades de sua atividade. Apesar disso, a caracterização do desportista requer o preenchimento de alguns requisitos:3 a) contrato escrito; b) prazo mínimo de um campeonato oficial e máximo de três anos; e c) registro perante a entidade de administração do desporto.

O Código de Trabalho Português, em seu artigo 9º, dispõe que "Ao contrato de trabalho com regime especial aplicam-se as regras gerais deste Código que sejam compatíveis com a sua especificidade". A lei 28/98, que regula a profissão dos atletas profissionais, é analisada por João Leal Amado4 da seguinte maneira:

i) O contrato de trabalho desportivo só é válido se for celebrado por escrito (art. 5º, n. 2), carecendo ainda de ser registrado para que o praticante possa participar nas competições promovidas pela respectiva federação desportiva (art. 6º);

ii) O contrato de trabalho desportivo é, necessariamente, um contrato a prazo, sujeito a um termo resolutivo (arts. 5º, n. 2, al. e, e 8º, n. 4);

iii) A duração máxima do contrato de trabalho desportivo é de oito épocas desportivas, podendo este contrato ser livremente renovado pelas partes (art. 8º, n. 1);

iv) Se o contrato for celebrado por um prazo superior ao permitido pela lei, o contrato não se transforma num contrato sem termo, antes vigora pelo prazo máximo legalmente admitido (art. 9º);

v) Existem deveres específicos a cargo da entidade empregadora desportiva e do praticante desportivo (arts. 12º e 13º);

vi) É válida a cláusula contratual que determine o aumento ou a diminuição da retribuição em caso de subida ou descida de escalão competitivo em que esteja integrada a entidade empregadora desportiva (art. 14º);

vii) O tempo despendido em estágios de concentração e em viagens que que precedam ou se sucedam à participação em provas desportivas considera-se compreendido no período normal de trabalho do praticante, mas não releva para efeitos dos limites do período normal de trabalho previsto na lei geral (art. 15º);

viii) É permitida, com grande amplitude, a cedência temporária (o "empréstimo") do praticante desportivo (arts. 19º e 20º);

ix) O termo resolutivo aposto ao contrato desempenha uma função estabilizadora do vínculo visto que ao praticante não é reconhecida a liberdade de denunciar o contrato ante tempus (arts. 26º e 27º);

x) A liberdade de trabalho do praticante poderá ser limitada, mesmo depois de o contrato ter cessado, pela chamada "compensação de formação, promoção ou valorização", a pagar pela "futura entidade empregadora à anterior entidade empregadora do praticante" (art. 18º)

Na Espanha, apesar da legislação laboral já existir desde os anos 40, o contrato de desportivo não era considerado trabalho por não ter remuneração. Nesse diapasão, Arturo Majada expõe o seguinte: "La nota de remuneración es indispensable para la existencia del contrato de trabajo, mientras que el contrato deportivo puede existir sin que se den prestaciones economicas de ninguna clase; la finalidad de la asociación deportiva no es la producción, ni siquera el lucro o la ganância".5

Nos anos 80, surge a RD 1006 para regular a relação peculiar de trabalho dos desportistas profissionais. Ele prevê como prazo máximo à vigência do contrato 5 (cinco) anos e 3 (três) anos como mínimo.

No Brasil, a lei 6.354/76 (Lei Zico) representou grande marco com a previsão do "passe", que garantia aos clubes importância financeira pela cessão do atleta, tanto na vigência do contrato quanto após o seu encerramento.

O instituto do "passe" chegou a ser comparado com o trabalho escravo, pois, o atleta não tinha liberdade de transferência mesmo quando concluída a vigência do seu contrato de trabalho, caso não fosse paga quantia ao seu antigo empregador.6

Em 1998, foi publicada a lei 9.615 (Lei Pelé), que extinguiu do futebol brasileiro a figura do "passe". Para tanto, trouxe originariamente em seu artigo 28, parágrafo segundo, que o vínculo desportivo, entre atleta e entidade de prática desportiva, teria natureza acessória ao empregatício e terminaria com a extinção do contrato de trabalho.

Ademais, o mesmo artigo estabeleceu como substituto ao "passe" a cláusula penal, devida em situações de rescisão unilateral, rompimento ou descumprimento contratual. A modificação, contudo, gerou novas críticas por não deixar claro se a sua aplicação se daria de forma bilateral ou unilateral.7

Álvaro Melo Filho8 assim se posicionou sobre o tema:

(...) com a extinção do passe, buscou-se um mecanismo jurídico de valorização dos clubes, sob pena de uma verdadeira e irreversível falência destes e com a consequente exterminação do futebol brasileiro (...) é insustentável a utilização do instituto jurídico da cláusula penal no plano do Direito Desportivo por duas razões básicas: a) tem um caráter bilateral, na dicção do Código Civil, obrigando-se o devedor (qualquer das partes) que não cumpre o contrato, ao passo que, na legislação desportiva tem um caráter unilateral, ou seja, é devida pelo atleta ou seu futuro clube empregador em face da ruptura injustificada do vigente contrato de trabalho profissional desportivo com seu clube empregador; b) na esfera da Lex civil a cláusula penal está limitada ao valor da obrigação principal, enquanto na Lex esportiva a cláusula indenizatória desportiva excede, em muito, o valor da obrigação principal.

O Colendo Tribunal Superior do Trabalho pacificou o conflito e, em seguida, a legislação foi modificada.9

A lei 12.395/2011, que alterou parte da Lei Pelé, foi a responsável pelo fim da cláusula penal e pela criação das cláusulas indenizatória e compensatória desportivas, ambas inseridas no inciso II do artigo 28.

A cláusula indenizatória é devida à entidade de prática desportiva em caso de rescisão antecipada do contrato por iniciativa do atleta. Seu valor máximo, obrigatoriamente registrado em contrato, é de 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário contratual para mudança de clube no Brasil e não tem limite para transferências para o exterior.

As agremiações nacionais têm grande dificuldade para competirem entre si pelas diferenças econômicas e, ainda mais, com Europa e Ásia. Por esse motivo, estabeleceu-se novo limite em relação ao anterior, de 100 (cem) vezes o montante da remuneração anual pactuada, estabelecido pela lei 9.981/2000, e se manteve a inexistência de limite para as transferências internacionais.

Tal alteração gera efeitos na receita dos clubes. Além de garantir o retorno pelo investimento feito no atleta que se desliga, possibilita a realização de novos aportes financeiros, tanto em pessoal quanto em estrutura. O cenário criado favorece o futebol nacional e alcança o torcedor, principal consumidor, que pode contar com elencos mais gabaritados e, consequentemente, com maiores chances de títulos.10

Já a cláusula compensatória, resultante da rescisão antecipada por conduta da agremiação, deve ser paga ao atleta em situação de rescisão indireta (decorrente do inadimplemento de verbas) ou dispensa imotivada. O parágrafo 3º do artigo 28 permite às partes pactuarem valor até o limite de 400 (quatrocentas) vezes o salário mensal no momento da rescisão, respeitando-se o mínimo do pagamento integral dos salários faltantes.

O estabelecimento de um piso impede que clubes pressionem o atleta a assinar contrato com cláusula compensatória de valor irrisório e dá ao profissional a tranquilidade de que terá condições de se manter financeiramente até o termo inicialmente previsto.11

Sérgio Pinto Martins12 classifica essa possibilidade como justa causa do empregador. Para Alice Monteiro de Barros13 é a rescisão resultante de atos faltosos praticados pelo empregador. Já Marcelo Moura14 destaca que, além de ser situação caracterizada por falta do empregador, deve restar comprovado o prejuízo ao empregado.

O Ministro Guilherme Augusto Caputo Bastos15 , responsável pelo emblemático caso do atleta Oscar, destaca ser necessária a atuação do Poder Judiciário em situações de rescisão indireta, uma vez que o clube, regra geral, não reconhece sua culpa:

Difere-se das demais modalidades de rescisão contratual, denominadas diretas, ante a necessidade de pronunciamento judicial para a sua configuração, haja vista serem raríssimas as hipóteses em que o empregador reconhece as irregularidades alegadas pelo empregado.

Nesse contexto, o ajuizamento pelo trabalhador de reclamação trabalhista fundada em alegação de rescisão indireta afigura-se como medida indispensável ao reconhecimento jurídico da extinção do contrato por culpa do empregador, sendo necessário, ainda, o resguardo do trabalhador contra eventual alegação de abandono de empregado nos casos em que há a opção pelo afastamento prévio do serviço, direito a ele garantido pelo art. 483, parágrafo 3º, da CLT.

Apesar das rescisões antecipadas igualmente preverem o pagamento de multa, elas têm efeitos distintos. Por um lado, quando se dão por iniciativa do clube, o atleta fica livre de imediato, independente do recebimento de compensação financeira, para negociar eventual novo contrato com outra agremiação. Por outro lado, na situação em que o atleta antecipa a rescisão, a transferência para nova entidade de prática desportiva fica condicionada ao pagamento da cláusula indenizatória.16

Caso se determinasse o pagamento como obrigatório para a liberação de vínculo em ambas as situações, o modelo do "passe" estaria sendo repetido, pois o atleta não poderia deixar o clube, que já rescindiu seu contrato, até o recebimento da cláusula compensatória.

Importante destacar que a Lei Pelé, no parágrafo 10º do artigo 28, assim como no parágrafo único do artigo 30, refuta a incidência de dispositivos da CLT ao contrato do atleta profissional.

Pontua-se que a diferença entre os valores máximos das cláusulas indenizatória e compensatória não representa consenso na doutrina. Para João Henrique Cren Chimazzo,17 trata-se de um desrespeito ao princípio da isonomia. Aponta ele que, para o trabalhador comum, a CLT, em seu artigo 479, determina que a rescisão por culpa do empregador gera indenização ao empregado em metade da remuneração a que teria direito até o fim do contrato, e no 480, enuncia que, em caso de culpa do empregado, o valor não pode ser superior àquele previsto no artigo anterior.

No caso do desporto profissional, a rescisão antecipada e imotivada do contrato de trabalho, garante ao empregador até 2.000 (duas mil) vezes o valor médio do salário acordado, e ao empregado o limite máximo é de 400 (quatrocentas) vezes. Assim sendo, para o citado autor, "Não se pode falar em isonomia de tratamento e muito menos em regra de proporcionalidade para a Cláusula Indenizatória Desportiva e a Cláusula Compensatória Desportiva. Não se observa nenhum tipo de igualdade na base de cálculo, bem como na sua forma de apuração".18

Maurício Figueiredo Corrêa da Veiga,19 em posição à qual me associo, entende que são desproporcionais os custos dos clubes e dos jogadores. Enquanto esses necessitam de meios financeiros exclusivamente para a sua subsistência, aqueles precisam manter estrutura física, empregados, deslocamentos, hotéis, etc.

Ademais, por mais que se tenha o retorno financeiro, a saída de um atleta antes do término da vigência contratual abala as chances de sucesso competitivo e, por consequência, econômico (patrocínio, bilheterias, direitos de transmissão) do clube. Caso o clube rescinda o contrato por antecipação, o atleta, além de receber a devida multa, terá liberdade imediata para buscar novo clube para prestar seus serviços.

Em conclusão, a evolução da legislação desportivo, e as substituições do "passe" e da cláusula penal pelas cláusulas indenizatória e compensatória desportivas incentivaram a liberdade ao empregado, que ganhou autonomia para decidir onde exercerá a sua profissão, o ganho econômico aos clubes, com a adequação de valores ao mercado do futebol, e a gestão responsável das entidades de prática desportiva para que não se vejam obrigadas a arcar com cláusulas compensatórias.

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1 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016, p. 70.
2 NAVIA, Ricardo Frega. El futbolista profesional em la Argentina: su régimen laboral. In: NAVIA, Ricardo Frega; PÉREZ, Juan de Dios Crespo; RODRÍGUEZ, Ricardo de Buen (orgs.). El contrato de trabalho del futbolista profesional en Iberoamerica. 1ª ed. Buenos Aires: AdHoc, 2013, p. 9.
3 SANCHEZ, Alexis Faruth Perea. El futbolista profesional em Colombia: su regimen laboral. In: NAVIA, Ricardo Frega; PÉREZ, Juan de Dios Crespo; RODRÍGUEZ, Ricardo de Buen (orgs.). El contrato de trabalho del futbolista profesional en Iberoamerica. 1ª ed. Buenos Aires: AdHoc, 2013, p. 89.
4 AMADO, João Leal. Contrato de trabalho à luz do novo código de trabalho. 2009, p. 79-81
5 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016, p. 69.
6 CHIMINAZZO, João Henrique Cren. Cláusula Indenizatória Desportiva, Cláusula Compensatória Desportiva e o Princípio da Isonomia das Partes. In: In: Direito do Trabalho e Desporto. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2014, p. 151.
7 Op. cit, p. 152.
8 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011, p. 111 e 112.
9 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016, p. 61.
10 Op. cit. p. 65.
11 Op. cit., p. 66.
12 MARTINS, Sérgio Pinto. Direitos trabalhistas do atleta profissional de futebol. São Paulo: Atlas, 2011, p. 102.
13 BARROS, Alice Monteiro de. Curso de direito do trabalho. 9ª ed. 2013. São Paulo: LTr, p. 720.
14 MOURA, Marcelo. Consolidação das Leis do Trabalho para concursos. 4ª ed. Salvador: JusPodivm, 2014, p. 580.
15 BASTOS, Guilherme Augusto Caputo. Direito desportivo. São Paulo: Alumnus, 2014, p. 22.
16 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da e SOUSA, Fabrício Trindade de. A evolução do futebol e das normas que o regulamentam - 2ª ed. - São Paulo: LTr, 2014, p. 70.
17 CHIMINAZZO, João Henrique Cren. Cláusula Indenizatória Desportiva, Cláusula Compensatória Desportiva e o Princípio da Isonomia das Partes. In: In: Direito do Trabalho e Desporto. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2014, p. 156 e 157.
18 Op. cit. p. 159.
19 VEIGA, Maurício de Figueiredo Corrêa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016, p. 67.

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*André Gribel de Castro Minervino é advogado trabalhista, integrante da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF e pós graduando em Direito Material e Processual do Trabalho.

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