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Crianças e adolescentes em campanhas publicitárias

Tatiana Moreira dos Santos Soubihe L'Astorina

Constata-se o cuidado do ECA no que diz respeito às campanhas publicitárias envolvendo crianças e adolescentes, devendo as empresas interessadas cumprirem as exigências legais, evitando surpresas desagradáveis, como imposição de multas e fiscalização do órgão competente.

terça-feira, 26 de setembro de 2017

Atualizado em 25 de setembro de 2017 16:25

O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, lei 8.069 de 13/7/90, cristaliza em seu artigo 3º o princípio da proteção integral da criança e do adolescente, o qual estabelece que eles detêm, de forma absoluta, os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana1.

Para que haja concretude da proteção da criança e do adolescente, a Constituição Federal atribuiu deveres à família, à sociedade e ao Estado para assegurar o direito à vida, saúde, alimentação, educação, profissionalização, dignidade, entre outros elencados no artigo 2272.

Diante da competência concorrente para o exercício da proteção integral da criança e do adolescente, cabe ao Poder Judiciário intervir, mediante autorização, para que eles possam exercer trabalho ou determinadas atividades, dentre elas, participar de campanhas publicitárias.

Nesse momento, vale observar que a autorização dos genitores ou responsáveis legais não é suficiente para que a criança ou o adolescente possa desenvolver atividade artística/publicitária, contudo é obrigatória para instruir o pedido de autorização judicial.

A previsão legal no que concerne à obrigatoriedade do pedido de autorização, por meio de alvará judicial, pode ser encontrada no artigo 149 do ECA: "Compete à autoridade judiciária disciplinar, através de portaria, ou autorizar, mediante alvará II - a participação de criança e adolescente em: a) espetáculos públicos e seus ensaios; b) certames de beleza."

Para que a criança e o adolescente possam participar de sessão fotográfica (modalidade de campanha publicitária), o pedido deve ser formulado pela empresa organizadora do evento ou a quem irá se beneficiar em última instância com a utilização do trabalho artístico da criança ou do adolescente envolvidos. Portanto, a empresa interessada é a legitimada para ingressar com o alvará judicial.

O pedido de autorização judicial formulado pela empresa deverá ser acompanhado com os documentos de identificação da criança ou do adolescente, declaração escolar e de boa saúde, além de indicar conta bancária que acondicionará o valor obtido com a atividade, a fim de demonstrar que será revertido à criança ou o adolescente. Ainda, acompanhará o requerimento os documentos de identificação dos genitores, Alvará de Licenciamento e Auto de Vistoria do Corpo de Bombeiros do local em que a campanha publicitária será realizada.

Em posse dessas informações e documentos, o alvará judicial deverá ser distribuído perante a Justiça comum, que será ao competente para apreciar o pedido. O artigo 147 do ECA dispõe sobre a competência do domicílio dos pais/responsáveis ou local em que a criança ou o adolescente se encontre.

Em que pese a disposição legal mencionada, há Magistrados que se dizem incompetentes à análise da demanda por entenderem que o foro competente é o do local do desenvolvimento da atividade publicitária. Desse modo, a fixação da competência territorial dependerá da análise de cada caso pelo Poder Judiciário.

Vale esclarecer que, ao distribuir o alvará judicial, procedimento de jurisdição voluntária, deverão ser demonstrados alguns requisitos, ou seja, (i) que a atividade publicitária não trará prejuízos à integridade, bem como à saúde da criança; (ii) que a sessão fotográfica/filmagem não interferirá na frequência escolar; e (iii) que todo o valor obtido pelo desenvolvimento da atividade será revertido exclusivamente à criança/adolescente, como dispõem os artigos 4º e 17 do ECA3.

Ainda, em cumprimento à proteção integral da criança e do adolescente, haverá intervenção do Ministério Público na tramitação do alvará judicial, no intuito de fiscalizar, principalmente, as condições em que a atividade será desenvolvida, se o local possui a estrutura correta e não coloca em risco a integridade física da criança e do adolescente.

Ao ser deferida a autorização judicial para que a criança/ o adolescente possa participar de campanha publicitária, é possível o Magistrado entender pela expedição de ofício ao Conselho Tutelar, para que este acompanhe o desenvolvimento da atividade.

Diante disso, constata-se o cuidado do ECA no que diz respeito às campanhas publicitárias envolvendo crianças e adolescentes, devendo as empresas interessadas cumprirem as exigências legais, evitando surpresas desagradáveis, como imposição de multas e fiscalização do órgão competente.

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1 Art. 3º A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade.
 
2 Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
 
3 Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
 
Art. 17. O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais.

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*Tatiana Moreira dos Santos Soubihe L'Astorina é integrante de Trigueiro Fontes Advogados, em SP.

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