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Revisitando o caso da vaquejada

Mais uma vez, o Procurador-Geral da República - PGR provoca o Supremo Tribunal Federal - STF, agora, para decidir sobre a (in)constitucionalidade em face da emenda constitucional 96, de 2017, bem como de dispositivos da lei 13.364, de 2016 e da lei 10.220, de 2001, que, em suma, harmonizam as práticas desportivas que utilizam animais.

segunda-feira, 18 de setembro de 2017

Atualizado em 15 de setembro de 2017 12:43

Parece que caminha para um final polêmico o caso da vaquejada. Tomara. Já se gastou lenha demais com essa fogueira, e tudo isso apenas por conta da tradicional e histórica festa popular nordestina! Mais uma vez, o Procurador-Geral da República - PGR provoca o Supremo Tribunal Federal - STF, agora, para decidir sobre a (in)constitucionalidade em face da emenda constitucional 96, de 2017, bem como de dispositivos da lei 13.364, de 2016 e da lei 10.220, de 2001, que, em suma, harmonizam as práticas desportivas que utilizam animais. Neste sentido, argui, em síntese o PGR que, os maus-tratos aos animais envolvidos são inerentes às vaquejadas, ferindo o comando constitucional protetivo do meio ambiente.

Ora, em nossas vaquejadas jamais se mata ou se fere propositadamente os animais. Ou seja, a crueldade não é inerente à vaquejada! Diferentemente, o garrote participante é protegido pelos competidores como ocorre em diversas formas de esporte, e são também objeto de admiração dos expectadores. Exige-se, obrigatoriamente, que participem apenas animais machos, jovens e velozes, capazes de fugir e escapar da destreza do cavalo e do vaqueiro na pista de corrida de distância limitada, não devendo haver qualquer forma de brutalidade com os animais. A vaquejada é uma modalidade de esporte próprio da vida rural, eis que, a exemplo, do hipismo e do turfe, envolve a participação conjunta do cavaleiro e do animal, no caso da vaquejada, do cavalo e do boi simultaneamente. Importante destacar que houve também, nos últimos anos, um forte e inegável aprimoramento disciplinar e organizacional nessa prática desportiva no tocante à sua programação, controle oficial, organização econômica e disciplina regulamentar, principalmente, quanto à proteção da saúde e do bem-estar dos animais envolvidos no desporto. Nas competições oficiais, não é jamais permitido qualquer tipo mau-trato ou agressão despropositada aos animais, tanto aos cavalos quanto nos bois envolvidos na prática desportiva. Qualquer tipo agressão que possa configurar mau-trato, como usar esporas afiadas que possam eventualmente causar lesão aos cavalos, ou mesmo açoitar cruelmente o cavalo, enseja imediata desclassificação dos desportistas da prova.

Muito diferente é o que se passava com a "Rinha de Galo" e da "Farra do Boi", onde haviam cenas de violência e morte com os animais envolvidos, resquícios de tradições de culturas bárbaras e que atualmente à vida não mais comporta. Diferente e muito, é o caso da vaquejada. Na vaquejada não há crueldade, derramamento de sangue, maus-tratos ou morte de animais. Prevalece como manifestação regional brasileira, constituindo bem cultural popular e histórico já incorporado ao patrimônio do povo nordestino.

Frise-se, como festa típica do povo do nordestino, é louvada e tem participação da população interiorana, sendo cantada amplamente em prosa e verso em todo interior do nordeste. Assim, as aventuras das vaquejadas são louvadas pelos conhecidos repentistas e cantadores regionais, como por artistas de projeção midiática nacional, a exemplo de Luis Gonzaga e do famoso grupo musical pernambucano, o Quinteto Violado.

O famoso escritor pernambucano Gilberto Freire, dizia que os grandes mitos humanos históricos do nordeste brasileiro são dois: O jangadeiro do litoral e o vaqueiro do sertão. O jangadeiro, senhor de sua jangada de madeira leve e que ele mesmo construiu, aberta ao vento, com vela de pano simples que ele maneja, saindo pelas manhãs singrando por mares às vezes revoltos, para a pesca artesanal e sustento de sua família. O vaqueiro, montado a cavalo, penetrando indômito e veloz os campos inóspitos da Caatinga, na busca de bois às vezes bravios e perdidos em áreas desérticas do sertão nordestino, cobertas de vegetação arbórea de pequeno porte, como a catingueira e o umbuzeiro, ou arbustiva e espinhosa, ou ainda de cactáceas e bromeliáceas. Nesse trabalho, impunha-se ao vaqueiro habilidade na montaria, destreza, coragem e trabalho, e sobretudo seu dever profissional, que ele encarava como dever moral, de trazer a rês sã e salva para o curral. Essa é a origem histórica da vaquejada nordestina, hoje transformada em festa popular, associando a apresentação do espetáculo de pega e derrubada do boi, e a beleza dos cavalos, normalmente da raça Quarto de Milha, possantes, velozes na partida e, também, com a perícia do vaqueiro, a sanidade, beleza e velocidade dos garrotes para a corrida competitiva.

A vaquejada é um espetáculo esportivo e uma festa popular que se evidencia também como autêntica expressão da rica diversificação cultural nordestina, nada incorrendo em práticas de tortura ou morte de animais, e já incorporada ao admirável patrimônio cultural nordestino e brasileiro.

Assim sendo, ao invés de proibida, o que se deve é melhor harmonizar a adequada proteção legal, bem como apoiar e promover a modalidade de esporte rural por sua importância econômica, social e consagrada festividade de nosso povo nordestino!
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*Adalberto Arruda Silva Júnior é advogado do Nelson Wilians & Advogados Associados.

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