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A nova legislação trabalhista: uma reforma "para inglês ver"?

A depender da interpretação que os tribunais darão aos dispositivos da reforma trabalhista (lei 13.467/17, sancionada em 13 de julho), que entrará em vigor em 11 de novembro, e considerando a possibilidade, ainda que remota, de modificações no texto, a nova legislação poderá se tornar, no futuro, uma reforma "para inglês ver".

sexta-feira, 15 de setembro de 2017

Atualizado em 14 de setembro de 2017 17:27

Segundo Sérgio Rodrigues, em matéria publicada na revista Veja, o Grande Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa define a expressão popular "para inglês ver" como "para efeito de aparência, sem validez". Para o referido autor, a explicação mais aceita e plausível para a expressão é aquela que foi apresentada pelo filólogo João Ribeiro, em seu livro "A língua nacional": "no tempo do Império, as autoridades brasileiras, fingindo que cediam às pressões da Inglaterra, tomaram providências de mentirinha para combater o tráfico de escravos africanos - um combate que nunca houve, que era encenado apenas "para inglês ver".

A depender da interpretação que os tribunais darão aos dispositivos da reforma trabalhista (lei 13.467/17, sancionada em 13 de julho), que entrará em vigor em 11 de novembro, e considerando a possibilidade, ainda que remota, de modificações no texto, a nova legislação poderá se tornar, no futuro, uma reforma "para inglês ver".

Como divulgado pela imprensa, a aprovação do texto da reforma foi polêmica, havendo notícias de que o Governo Federal se comprometeu a editar uma medida provisória para tratar de pontos controvertidos constantes da nova lei, que foram aprovados pelo Senado com a redação originada na Câmara apenas para evitar que o projeto tivesse que voltar a tramitar nesta casa. Foram rejeitadas ao todo 178 emendas propostas pelos senadores. Na época da tramitação do projeto no Congresso Nacional, ministros do Tribunal Superior do Trabalho apresentaram um documento aos senadores criticando 50 pontos da reforma. Referido documento pode ser acessado aqui.

Dentre os pontos tidos como polêmicos cita-se, exemplificadamente: (I) a ausência de exigência de licença prévia para a realização de trabalho insalubre na jornada de 12x36; (II) a possibilidade de celebração de acordos individuais sobre determinados temas (e.g. jornada de 12x36); (III) o pagamento de adicional de insalubridade em graus médio ou mínimo para gestantes, se não for apresentado atestado médico recomendando o afastamento; (IV) a quitação plena e irrevogável nos planos de demissão voluntária, salvo disposição contrária; (V) o fim das horas in itinere, ainda que o local de trabalho não seja servido por transporte público regular; (VI) a possibilidade de o juiz prorrogar prazos processuais se entender necessário; e (VII) o fim do imposto sindical.

Em linhas gerais, tem-se que a intenção do legislador foi deixar em segundo plano o conceito de empregado hipossuficiente, acatando, em alguns casos, as negociações individuais com ele entabuladas. São exemplos disso, a possibilidade de se celebrar acordos individuais para a realização da jornada 12x36, a regulamentação do teletrabalho (home office) e também do trabalho intermitente, a possibilidade de divisão de férias, dentre outros. Neste aspecto, a reforma é positiva. Houve avanços, mas necessitávamos de muito mais. O empregado de hoje não é o mesmo da época em que a legislação trabalhista foi sancionada pelo presidente Getúlio Vargas. Bem ou mal, evoluímos. Estamos mais conscientes de nossos direitos e obrigações. Como cidadãos que somos, devemos ter a oportunidade de negociar o que nos será aplicado, sem necessidade de intervenção estatal. Como se diz popularmente: "o combinado não sai caro".

Não obstante o disposto no parágrafo segundo do art. 8º da lei 13.467/17, que estabelece que as súmulas e outros enunciados de jurisprudência editados pelo TST e pelos Tribunais Regionais do Trabalho não poderão restringir direitos legalmente previstos, nem criar obrigações que não estejam previstas em lei, até que a reforma seja discutida nos tribunais, é recomendável que seja feita uma análise cuidadosa e criteriosa dos potenciais riscos envolvidos na adoção, como política interna, dos dispositivos estabelecidos na nova legislação, cabendo registrar que permanece vigente o princípio que proíbe a alteração do contrato de trabalho em prejuízo do empregado.

Além disso, é conveniente que as novas políticas sejam estabelecidas preferencialmente via negociação coletiva.

Isso porque, a Constituição da República, em seu art. 7º, XXVI, reconhece a validade dos acordos e convenções coletivas de trabalho sendo certo que a atual reforma trabalhista reforça o entendimento no sentido de que a convenção coletiva e o acordo coletivo de trabalho terão prevalência sobre a lei, quando, dentre outros, tratarem de: (I) pacto quanto à jornada de trabalho, observados os limites constitucionais; (II) banco de horas anual; (III) intervalo intrajornada, respeitado o limite mínimo de trinta minutos para jornadas superiores a seis horas; (IV) plano de cargos, salários e funções compatíveis com a condição pessoal do empregado, bem como identificação dos cargos que se enquadram como funções de confiança; (v) teletrabalho, regime de sobreaviso, e trabalho intermitente; (VI) remuneração por produtividade, incluídas as gorjetas percebidas pelo empregado, e remuneração por desempenho individual; (VII) troca do dia de feriado; (VIII) enquadramento do grau de insalubridade; (IX) prorrogação de jornada em ambientes insalubres, sem licença prévia das autoridades competentes do Ministério do Trabalho; (X) prêmios de incentivo em bens ou serviços, eventualmente concedidos em programas de incentivo; e (XI) participação nos lucros ou resultados da empresa.

Ademais, a reforma determina que a Justiça do Trabalho, no exame de convenção coletiva ou acordo coletivo de trabalho, analise exclusivamente a conformidade dos elementos essenciais do negócio jurídico, respeitado o disposto no art. 104 do Código Civil, e balize sua atuação pelo princípio da intervenção mínima na autonomia da vontade coletiva.

Privilegiar as negociações coletivas faz parte da boa política para o desenvolvimento do país. Transfere-se aos sindicatos, de empregados e empregadores, na qualidade de diretamente interessados, a missão de negociar os direitos e obrigações inerentes à relação de emprego, sem qualquer necessidade de intervenção estatal.

Espera-se que a reforma trabalhista, que como qualquer outra lei não é perfeita e nem tampouco descartável, não se torne, como muitas vezes se viu em nossa história legislativa, mais uma lei "para inglês ver"; e que a mesma possibilite uma ampla reflexão sobre os conceitos de proteção ao empregado (ou proteção ao emprego?), de segurança jurídica, para ambas as partes, e de efetividade da prestação jurisdicional, através da celeridade processual, contribuindo para o tão sonhado desenvolvimento do país.

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*Patrícia Maria Costa de Vilhena é advogada no escritório Pinheiro, Mourão, Raso e Araújo Filho Advogados.

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