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Dos fatos

A ideia desse texto é lhes contar, o que, de fato, sem fazer trocadilho com o título do artigo, poderia, a meu ver, ser mais relevante ao se manifestarem nos autos.

quarta-feira, 13 de setembro de 2017

Atualizado em 12 de setembro de 2017 17:02

Sem delongas nem milongas1 peço licença aos doutores e doutoras, para tecer algumas observações a respeito das peças judiciais (iniciais, defesas, razões finais e etc.) com que me deparo diariamente.

E porque me arvoro nessa (des)pretenciosa tarefa?

Há cinco anos sou servidora pública federal do TRT e atuo como assistente de desembargador. Auxílio o magistrado na análise dos processos, o que me permite contato com as mais diversas peças judiciais recheadas de teses jurídicas e, infelizmente, "esvaziadas" de fatos.

Assim, a ideia desse texto é lhes contar, o que, de fato, sem fazer trocadilho com o título do artigo, poderia, a meu ver, ser mais relevante ao se manifestarem nos autos.

Não cabe aqui enumerar as dificuldades que a advocacia na atualidade enfrenta, mas sem dúvida uma delas é a falta de tempo. O dinamismo, e porque não, os prazos, não permitem aos profissionais se debruçarem detidamente sobre tudo que escrevem. O tempo urge! A demanda precisa de respostas ágeis e o cliente, nem se fale! Sem embargo, claro, do esforço, porque não sacrifício, que a arte de escrever reserva. Só quem escreve sabe quanto lhe custou aquele parágrafo.

Toda peça judicial guarda a intenção de convencer o magistrado da tese defendida, e para isso que tal lhe contar os fatos? Isso mesmo, "o causo", os detalhes, como tudo se deu.

Posso lhes assegurar que mais de uma vez o magistrado se pergunta: "quais os fatos relatados, uma frase que seja para sustentar a pretensão"?

É um erro pensar que uma história, um acontecimento, e porque não, uma palavra, é irrelevante. O detalhe pode sustentar a tese jurídica tão extensivamente defendida pelo (a) advogado (a).

Bom exemplo do que digo é o trecho de uma petição em que um dos pedidos era a responsabilidade subsidiária da segunda reclamada pelo dano moral sofrido pela reclamante:

"Os candidatos foram entrevistados pela Sra. Selma dentro do canteiro de obras da segunda ré, ao lado de um contêiner. Colocaram-se em fila indiana e a entrevistadora olhava o 'curriculum' e dizia 'você não', descartando-os de canto. A uma candidata perguntou se não tinha televisão em casa, quando esta lhe informou que tinha 13 filhos. A outra disse 'que com cinquenta anos estava velha nem a própria mãe lhe daria emprego'. A uma de olhos claros disse 'que era muito bonitinha e não servia para o trabalho duro'. Fazia questão de dizer em voz alta e os trabalhadores da obra ouviam e paravam para gritar "uuuuuuuuu" (fl.03-vº)"2

Notaram os detalhes? Saber onde tudo aconteceu e as exatas palavras das partes envolvidas, foram sem dúvida questões relevantes para a reforma da decisão de primeira instância.

Por tudo, gastem um tempinho a mais nesse tópico da peça. Perguntem ao cliente e tomem notas, um pormenor pode valer o sucesso da demanda.

Ninguém ignora que eles deverão ser provados, mas a prova virá, ou não, com a instrução. Ocorre que às vezes o conjunto probatório indica num sentido e a parte sequer relatou algo sobre, surge então desconexão entre as provas e o pedido próximo ou remoto, inviabilizando a decisão favorável.

Parece meio etéreo o que digo, mas a generalidade das peças dificulta a análise individualizada do caso proposto. O revés também pode (poderia) ser verdadeiro: a decisão judicial genérica. Por isso em boa hora, e com festejos, recebe a advocacia o artigo 489 do novo CPC.

Outros aspectos podem ser abordados, como a importância das teses sucessivas relativas a um pedido, mas, isto eu deixo, quiçá, para uma próxima conversa. Porque, longe de mim, eterna aprendiz do direito, da arte da escrita e da argumentação, arvorar-me em sugerir mais do que isso aos doutores e doutoras:

Contem os fatos!

______________

1 Substantivo feminino plural 1. Bras. Popular. Enredos, desculpas. Fonte: Grande Dicionário, Larousse Cultural da Lingua Portuguesa. Ed. Nova Cultural, 1999. Pag.622.

2 O nome foi trocado para preservar a intimidade das partes.

______________

*Janaina Barbosa de Carvalho atuou por nove anos como advogada, dois deles como advogada pública e atualmente é servidora pública federal do TRT da 15ª Região. Pós-graduada em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho e Pós-graduada em Direito Administrativo.

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