30 anos (quase) da Constituição Federal de 1988: O homem atrás da carta
O homem atrás da Carta começa comigo, sim! Eu me responsabilizo!
quarta-feira, 13 de setembro de 2017
Atualizado em 12 de setembro de 2017 10:12
"(...) para que poetas em tempos de penúria? (...)"
Hölderlin
"(...) O homem atrás do bigode
é sério, simples e forte.
Quase não conversa.
Tem poucos, raros amigos
o homem atrás dos óculos e do bigode (...)".
Carlos Drummond de Andrade
O homem atrás da Carta
é múltiplo, profuso,
coletivo!
ah! É anônimo, difuso
e desconhecido
o homem atrás da Carta ...
Pródigo de sorriso,
que lhe mitiga o fardo explícito,
o homem atrás da Carta
faz piada,
da (sua) desgraça
por esporte e ofício!
Ele anda pelas ruas
meio triste, meio alegre,
mas sempre brejeiro
rindo de nada,
e samba e canta e bebe
e ama e sonha com o pacote inteiro
do infinito
pela fresta do postigo!
É tanto querer
e tanto por fazer ...
Mas veja lá, meu camará!
só se for devagar:
uma inércia malsã
deixa tudo para amanhã,
sem afogadilho!
É que o homem atrás da Carta
nutre um sofisticado gosto
pelo descompromisso,
prefere atalhos,
anestesias,
jeitinhos!
E não sabe ser sozinho,
o homem atrás da Carta!
Está sempre à larga
cercado de "grandes amigos",
que, tomando-o
pelas mãos, possam lhe
facilitar o caminho!
O homem atrás da Carta
faz o estilo
do refinado tipo
que aprecia
a pompa
de regalias
e altos cargos
que lhe confiram
muitas vantagens e prestígio!
O que se passa,
contudo, é que o homem atrás da Carta
não cresceu,
ainda não se fez indivíduo ...
Ele é um menino
que acredita na sorte,
no azar,
no destino
em algum lugar
já escrito,
e se maravilha com o mistério
velado
repicado
lá bem alto
no cume das cimeiras dos sinos!
O homem atrás da Carta
é regido
por estranhos astros
e signos antigos!
ele só viveu
a efêmera glória
de uma semana de Modernismo,
indianista, antropofágico
e macunaímico,
vive num eterno exílio
de um idílio
utópico e regressivo,
não conhece, portanto,
a mensagem
de força emancipatória
do Renascimento e do Iluminismo!
o homem atrás da carta
é, sobretudo, o filho
que espera abrigo
de um Pai
a um só tempo
bárbaro
e benigno
que lhe proveja
a vida
com auxílios
e bons subsídios,
certos, fáceis e garantidos:
um Pai celeste,
humano ou na forma
de Leviatã substituído,
um provedor para todos os aflitos!
O homem atrás da Carta
padece, transido e seduzido,
de teorias adolescentes do estatismo!
O homem atrás da Carta,
na verdade,
é o místico
imiscuído no político
e o seu pendor histórico
para forjar barões,
coronéis, caudilhos
e toda sorte
de clientela e fisiologismos!
O homem atrás da Carta,
é o souteneur
de todo tino
e todo desatino
da nossa República -
que da Monarquia é quase um continuísmo -
e o seu extravagante prodígio:
um Presidencialismo
de encantadores
de serpentes
do Rio Nilo,
mantido
por um sistema eleitoral de circo
e por um Parlamento leviano e indigno,
diluído
numa orgia
de pluripartidos promíscuos
com projetos ideológicos ralos e vazios,
sempre barganhando em torno da figura do grande Chefe,
pelo sacramento do voto ungido e absolvido,
com seu papel exuberante e semi-divino!
o homem atrás da Carta,
no entanto,
não nasce no legislativo,
ou em qualquer outra linha das três
cruéis Parcas que do Poder tecem o fio,
o homem atrás da Carta
não é o outro,
um estranho,
ou o distante vizinho:
o homem atrás da Carta,
ai! ai! sou eu
irmanado contigo,
somos nós, e o modo
como formamos os nossos laços,
o nosso umbigo,
nisso
reside a chave e o secreto escrutínio
para se compreender tudo isso
e tudo aquilo
que acontece e
há 500 anos tem acontecido!
Não é a Carta, senhor,
é o homem atrás
da Carta,
livre,
esclarecido e decidido,
que a constituirá
e lhe dará
um republicano sentido!
O homem atrás da Carta
começa
comigo,
sim! eu me responsabilizo!
"(...) you shall stand by my side and look in the mirror with me (...)"
Walt Witman (Leaves of Grass)
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*Bruno Di Marino é advogado e sócio do escritório Basilio Advogados.