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AME, a doença que exige o imperativo do verbo AMAR

Ironicamente, o nome da doença AME é o imperativo do verbo amar. E é dessa forma imperativa que pais de crianças como a Maya e Joaquim, que ficaram conhecidas nas redes sociais, têm se mobilizado para cumprir um papel que também seria do Estado.

terça-feira, 12 de setembro de 2017

Atualizado em 11 de setembro de 2017 09:58

A AME (Atrofia Muscular Espinhal) é uma doença genética e hereditária que afeta o sistema nervoso e leva à redução das funções motoras de crianças e adultos. As crianças podem ser diagnosticadas ao nascer ou no período do terceiro ao sexto mês de vida. No adulto, a doença tem progressão mais lenta. Estima-se que atinja uma a cada dez mil pessoas, em diferentes níveis de gravidade e, mesmo sendo considerada rara, o Brasil tem 300 novos casos por ano.

O medicamento Spinraza (nusinersena), que serve de alento para algumas famílias, foi aprovado nos Estados Unidos, Canadá, Japão e na Europa porque as pesquisas evidenciam que ele pode interromper o ciclo da doença e propiciar o desenvolvimento motor. No Brasil, acaba de ter seu registro autorizado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária, ANVISA. A publicação se deu em 28/8/17, no Diário Oficial da União.

Como os planos de saúde não cobrem a sua importação, que custa a fortuna de R$ 3 milhões, famílias brasileiras vêm recorrendo à famosa "vaquinha" e comovendo pessoas comuns e celebridades que se engajaram na luta pela arrecadação do dinheiro para a compra do remédio. Embora a atitude de solidariedade seja louvável e tenha de ser aplaudida, seria pertinente discutir qual o papel do Estado em situações como essa. Um governo que não investe em pesquisas, permite que seus melhores cientistas mudem de país e não viabiliza a chegada de medicamentos, demora muito a reagir diante de assuntos sérios como este.

Mesmo com a comercialização agora liberada, o acesso ainda demanda o tempo da regulação de preço, já que um único laboratório vai fornecê-lo por enquanto. Antes da aprovação, os impostos de importação eram absurdos (dos R$ 3 milhões, 500 mil se referiam a tributos cobrados pelo Governo) e, se depender dos entraves burocráticos brasileiros, a regulação de preços pode demorar até quatro anos, como aconteceu com o Avastin, medicamento oncológico.

A Justiça tem feito a sua parte. Em 22 de agosto, o Supremo Tribunal Federal determinou que a Secretaria de Saúde de Goiás deve custear o tratamento de uma criança que necessita do Spinraza. A ministra Cármen Lúcia entendeu que a criança corre risco de morte. "... se o medicamento prescrito é o único eficaz disponível para o tratamento clínico da doença, e quando a suspensão dos efeitos da decisão impugnada puder causar situação mais gravosa do que aquela que se pretende combater, fica evidente a presença do denominado risco de dano inverso", lembrando ainda decisão anterior do ministro Peluso, já que o alto custo do remédio não seria, por si só, motivo suficiente para abalar a economia e a saúde públicas, pois a política pública de fornecimento de medicamentos excepcionais "tem por objetivo contemplar o acesso da população acometida por enfermidades raras aos tratamentos disponíveis".

No dia 23 de agosto, a Comissão de Assuntos Sociais do Senado, CAS, aprovou a PLC 42/17, que prevê a distribuição gratuita dos medicamentos e equipamentos essenciais para a sobrevivência, pelo SUS, para pacientes de doenças neuromusculares com paralisia motora, depois de mobilização popular. Agora, o projeto de lei depende da aprovação da Câmara dos Deputados.

Ironicamente, o nome da doença AME é o imperativo do verbo amar. E é dessa forma imperativa que pais de crianças como a Maya e Joaquim, que ficaram conhecidas nas redes sociais, têm se mobilizado para cumprir um papel que também seria do Estado.

A sociedade brasileira padece de vários males. O pior deles, a corrupção, deixa crianças indígenas desassistidas na Amazônia, adultos sem plano de saúde em razão do desemprego elevado, idosos sem a aposentadoria suficiente e outros, que mesmo pertencendo à classe média do Sul e Sudeste, não conseguem ter acesso à saúde e à vida propagadas na Constituição e na Declaração Universal dos Direitos do Homem.

Se as verbas públicas não tivessem sido desviadas para malas entregues aos governantes, o brasileiro viveria de forma razoável ou boa. Um país com a grandeza, não só geográfica, do nosso, se tornou pequeno, desigual e cruel em muitos sentidos.

A comunidade cidadã terá de lutar com todas as forças e o amor incondicional à dignidade, como fazem os pais das crianças diagnosticadas com AME, para garantir seus direitos. Que a persistência desses pais e decisões como a do STF e da CAS sirvam de exemplo e nos devolvam a esperança.

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*Renata Vilhena Silva é advogada especialista em direito à saúde e sócia-fundadora do escritório Vilhena Silva Advogados, escritório especializado em direito à saúde.

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