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Quando a maçã já vem mordida, alguém foi mais rápido que nós

Esse pequeno introito vem apenas para ilustrar o susto deste ser antigo, quando viu pela primeira vez um aparelho eletrônico com uma maçã já mordida a enfeitá-lo.

sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Atualizado em 24 de agosto de 2017 11:14

Este advogado que lhes escreve já não é novo. Nascido em meados de 1965, passou grande parte de sua vida no Interior. Assistiu ao primeiro filme, pela TV em preto-e-branco, quando já contava sete anos de idade. O telefone, na casa da família, era movido a dínamo. Dentro dele, duas pilhas (ou baterias) gigantes, e era necessário acionar uma telefonista para falar com a cidade vizinha (no caso, Rafard, bem próxima a Capivari, São Paulo). Em duas horas e meia viria o retorno da ligação.

É natural que em tal contexto existissem os rádios enormes, de difícil sintonia, a palha de aço na antena da televisão, a máquina de datilografar pesadíssima, de ferro, e o respectivo curso de datilografia, a radiola, o fogão a lenha, os discos de rotação 78, e só mais tarde os de rotação 33, as cartas escritas à mão, o padeiro e o leiteiro que deixavam o pacote e a garrafa na varanda da casa, enfim, essas coisas caboclas que nos replenam de saudades.

A saudade é o contrário da esperança. Saudade é aquela coisa gostosa que fica na alma e jamais voltará, e esperança é aquela coisa gostosa que mora em nossos desejos e dificilmente virá.

Esse pequeno introito vem apenas para ilustrar o susto deste ser antigo, quando viu pela primeira vez um aparelho eletrônico com uma maçã já mordida a enfeitá-lo.

Naquela hora acorreu à mente a ideia da perda do Éden. E o Éden, agora, era a privacidade. Socorro! A folha de parreira não está acessível, não fomos nós a morder a maçã, mas... ficamos todos desnudos para o mundo ver.

A compra do aparelho implica uma coleta grande de dados. A aquisição da linha, idem. Em seguida vêm os aplicativos, o sistema que rege a bugiganga ciber-tectrônica e assim sucessivamente, com termos de confidencialidade que se aceitam sem leitura alguma e a divulgação velada de nossos dados ao Planeta.

De uma fotografia inocente para a sua publicação, suponhamos no Instagram de um amigo, e daí para um site como o Google, por exemplo, há uma fração de segundos. Só que tal fração de tempo não representa apenas um gap, mas verdadeiro bridgeless chasm.

Quem roubou meus dados? Ninguém: eu os ofereci ao mundo como prebenda, e o fiz todo serelepe e risonho! Entrei numa caixinha dourada, como se fosse uma caixinha de jóias, ou então um confessionário em miniatura, e disse tudo. Como vão usar esse 'tudo' é o que estamos a descobrir agora.

Nem George Orwell imaginou, em seu 1984, escrito várias décadas antes, que o Big Brother não controlaria apenas pelo 'macro', mas ainda pelo 'micro' (sem trocadilhos). O controle vem desde as câmeras de segurança até os aplicativos e sites de relacionamento (público ou privado) que podem garantir com precisão (se não houver alguma pane) onde uma pessoa está.

Imagine-se, caro leitor, perdido num canto duma cidade gigante como São Paulo. Você deixará de permitir a qualquer gadget de rastreamento que o localize imediatamente e lhe indique o caminho para seu destino? Não. A menos que você ainda use aqueles guias antigos, cheios de mapas, do tamanho das listas telefônicas (páginas amarelas, etc).

Como proteger-se, nesta era veloz, em que um incidente qualquer no Japão será conhecido imediatamente aqui no Brasil? Era em que um pequeno abalo na bolsa de Nova York será acusado pelos sismômetros financeiros do mundo todo em poucos segundos?

Dia desses alguém viu a luz correndo a 300.000 km/s, invejosa da velocidade com que as informações a ultrapassaram e voltaram, para contar-lhe tudo...

Enquanto isso, o inciso LXXVIII do art. 5º da Constituição Federal diz que o processo deve tramitar em prazo razoável, e o CPC, nos arts. 139, II, 685, parágrafo único (apenas para exemplificar, já que o Código está refesto de dispositivos com o mesmo escopo), falam no princípio da razoável duração do processo e até em celeridade de tramitação.

Todos sabemos que o gigantismo dos números de processos levados ao Poder Judiciário leva-o a embarafustar-se no buraco negro do razoável. No tempo do telefone movido a dínamo o prazo razoável de resposta para uma ligação telefônica era superior a duas horas. Nos tempos em que a imagem de um cidadão pode ser erroneamente prejudicada, no mundo inteiro, em alguns segundos, o que é razoável?

Apenas para dar uma derradeira palavra sobre razoabilidade: um colega recebeu, na última hora útil do dia 29/6 deste 2017, um e-mail contendo oferta relâmpago, para a venda de um televisor mediante pontos do cartão de crédito, válida "apenas" no dia 28/6. De quem é a culpa pela falha? Será que o Código de Proteção e Defesa do Consumidor levaria em conta a necessidade de provar alguma culpa, em tal caso? E a legislação atinente à Internet, que diz?

O cúmulo da velocidade e da razoabilidade é: corra hoje para não perder a oferta de ontem!

A luz que nos perdoe, mas sua velocidade já está, há muito, ultrapassada. E vamos embora fazer o rescaldo, antes que o prédio se incendeie.

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*Renato Maluf é advogado do escritório Amaral Gurgel Advogados.

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