O Tribunal de Contas da União e a lei anticorrupção brasileira
A adoção de um sistema de cooperação entre a CGU e o TCU mostra-se mais racional e lógico, aproveitando-se da expertise de cada órgão, especialmente com vistas a tornar seguro o acordo de leniência.
quarta-feira, 23 de agosto de 2017
Atualizado às 13:27
A Constituição Federal atribui o controle externo das contas da União ao Poder Legislativo, que será exercido com o auxílio do Tribunal de Contas da União. É bastante peculiar tal competência, porquanto a Corte de Contas além de fiscalizar, julgar as contas e produzir relatórios, pode suspender atos e contratos e aplicar sanções. A função sancionadora exige, todavia, o devido contraditório, o que acaba por tornar sobremodo lentas as decisões do Tribunal e ainda submetidas a possível e quase certo controle judicial posterior.
No que toca à Lei Anticorrupção Brasileira, há evidente interface entre os atos de corrupção ali tipificados e os de fiscalização perpetrada pelos Tribunais de Contas, posto que no exercício da fiscalização contábil, financeira e orçamentária, sob os aspectos da legalidade, legitimidade e economicidade das contas, verificada a desconformidade entre o ato e a ordem jurídica, o resultado deve ser a sua anulação e a punição de quem o praticou, além da possibilidade de declaração de inabilitação para o exercício de cargo em comissão ou função de confiança e, na hipótese de fraude comprovada à licitação, declaração da inidoneidade do licitante fraudador.
Assim na Tomada de Contas Especial, é possível a aplicação de multa administrativa ao causador do dano, além da obrigação de ressarcimento ao erário. Já a Lei Anticorrupção prevê a aplicação da multa de 0,1 a 20% do faturamento bruto da empresa corrupta cumulativamente com a obrigação da reparação integral do dano causado.
Nessa hipótese, caso se observe simultaneamente o julgamento de uma Tomada de Contas Especial pelo TCU e o julgamento de um Processo Administrativo de Responsabilização pela CGU, comumente surge a discussão acerca de dupla responsabilização pelo mesmo fato e de qual seria o órgão melhor aparelhado para a quantificação do dano ao erário. Some-se ainda a questão da análise dos possíveis acordos de leniência, inclusive quanto aos aspectos de legalidade, legitimidade e economicidade.
A resposta a tais indagações passa pela análise da natureza jurídica de cada sanção administrativo-civil e também pela verificação da competência institucional de cada órgão, sem prejuízo da evolução do pensamento de modo a harmonizar as competências diante do novo texto legislativo, tornando o combate à corrupção alvo maior do que a disputa de poder corporativo.
Se na Tomada de Contas Especial, o Tribunal cuida do dano causado pelo particular apenas quando este está em conluio com o agente público, porquanto o particular não está em regra sujeito ao julgamento das contas, na Lei Anticorrupção a empresa está em primeiro plano, sofrendo as sanções ali estabelecidas, sem prejuízo de a responsabilização do servidor público ser tipificada como ato de improbidade administrativa ou ato ilícito previsto na Lei de Licitações, portanto fora do âmbito da Lei da Empresa Limpa.
Assim sendo, a adoção de um sistema de cooperação entre a CGU e o TCU mostra-se mais racional e lógico, aproveitando-se da expertise de cada órgão, especialmente com vistas a tornar seguro o acordo de leniência. Além disso, a participação "local" do TCU evita a longa tramitação do acordo de leniência perante aquele órgão, ainda fadado ao reexame de tudo quanto foi decidido pelo Judiciário.
Nesse contexto, a Instrução Normativa TCU 74/15, em que pese louváveis "considerandos", não contribui de forma eficiente nem para a preservação da competência do Tribunal, muito menos para o combate da corrupção. É indubitável a interface da competência da Corte de Contas em face da lei 12.846/13, especialmente no que toca à quantificação do dano ao erário, contudo, a instituição de competência material na forma da instrução normativa depende de lei e, até que esta seja editada, a cooperação realística e consentânea com o atual quadro normativo merece maior prestígio e melhor iniciativa.
Recentemente, em 12/7/17, o Tribunal de Contas da União criou comitê composto pelo MFP, CGU, TCU, Advocacia-Geral da União e CADE, para discutir os acordos de leniência. A aproximação entre os órgãos é bem-vinda e retrata o reconhecimento de que é necessária a união para se caminhar não apenas no mesmo passo, mas também em passo acelerado no combate à corrupção no Brasil.
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*Izabela Frota Melo é advogada empresarial com atuação em Compliance e procuradora do Distrito Federal.