Clubes de futebol e a execução trabalhista concentrada
Trata-se de um conjunto de práticas cujo objetivo é regulamentar e viabilizar uma administração profissional e responsável nos clubes de futebol.
quarta-feira, 16 de agosto de 2017
Atualizado às 13:16
O enfrentamento de problemas financeiros por clubes de futebol não é um fenômeno recente. O alto endividamento da maior parte das agremiações tem como ponto de partida o amadorismo de suas gestões.
No seu início, a prática desportiva era ligada exclusivamente ao tempo de lazer, descontração ou ócio. Tratava-se de período dedicado ao descanso e à socialização dos operários. Chama-se essa primeira fase de desporto-recreativo.
O crescimento da prática do desporto resulta naquele de alto rendimento, organizado em competições com regras específicas. O desporto como recreação cede espaço ao espetáculo, passando a envolver não somente aqueles que atuam diretamente em seu exercício, mas também aqueles que obtêm satisfação a partir do acompanhamento do esporte, o público.
O desporto então deixa o amadorismo, passando a servir como forma de subsistência do atleta. Trata-se do encontro entre o desporto e o trabalho1.
O operário troca a fábrica pelo campo e, nas palavras de Roger Caillois (O jogo e os homens. Lisboa: Edição Cotovia, 1990. p. 67): "Para este praticante, a atividade desportiva, constante e absorvente, carregada de obstáculos e problemas, tornou-se o próprio trabalho".
Contudo, apesar da profissionalização do futebol, com todos os direitos e deveres a ela atrelados, as entidades esportivas mantiveram resquícios de amadorismo em suas gestões. Como resultado disso, dívidas trabalhistas passaram a ser acumuladas pelos clubes de futebol.Os contratos de trabalho de atletas profissionais são regidos pelo artigo 28 da lei 9615/98 (Lei Pelé). Eles sempre terão prazo determinado, nunca inferior a 3 meses ou superior a 5 anos, e conterão cláusulas indenizatória, devida pelo atleta quando ele se desliga de seu empregador antes do término contratual, e compensatória, de responsabilidade do clube em caso de inadimplemento salarial, rescisão indireta ou dispensa imotivada.
Parte significativa do endividamento dos clubes decorre do pagamento de cláusula compensatória. Ela dialoga com o que preceitua o artigo 479 da CLT. Contudo, a legislação aplicada ao desportista é amplamente mais favorável, pois, enquanto o Texto Consolidado determina o pagamento da metade da remuneração que seria devida até o término do contrato como indenização, a Lei Pelé autoriza a condenação do empregador em até quatrocentas vezes o salário no momento da rescisão2.
Dessa forma, contratações impensadas e mal planejadas resultam em crise financeira dos clubes de futebol, as quais têm repercussão superior à entidade em si. O fechamento das portas de uma agremiação alcança o sistema desportivo-competitivo como um todo e as paixões nele imbuídas.
O valor da partida de futebol possui relação direta com o equilíbrio da disputa. Excluída a emoção resultante da incerteza do resultado, inicia-se um efeito dominó no qual público se desinteressa afetando a audiência, consequentemente, a publicidade e o patrocínio ficam comprometidos e, sem dinheiro, o negócio deixa de prosperar.
Identifica-se assim que o desporto profissional depende de uma produção conjunta. Apesar de equipes buscarem derrotar suas oponentes para alcançarem os seus objetivos, é de interesse de todas a saúde organizacional comum. Assim sendo, as relações no desporto profissional caracterizam-se como adversarial-fraternal, de competição-cooperação, ou de concorrência convivência3.
Como forma de manter o espetáculo e garantir o respeito às verbas alimentares do atleta profissional, surge o instituto do ato de concentração de execuções trabalhistas. Ele busca revitalizar os clubes endividados e preservar a competitividade necessária à organização do desporto4.
Esse instrumento tem o fito de produzir resultados positivos nas relações trabalhistas, garantindo ao credor o seu crédito e ao devedor a restauração de sua saúde financeira, repercutindo assim nas esferas social e desportiva, considerando a natureza do desporto profissional5.
Trata-se da reunião de processos em fase de execução contra clubes de futebol. Centraliza-se parte determinada da arrecadação dos clubes em uma vara específica e essa vara se responsabiliza por adotar as providências necessárias à quitação das execuções.
O normativo responsável pela instituição do ato, emitido por Tribunal Regional do Trabalho depois de acordo com o clube interessado, estabelece os requisitos para o deferimento do benefício e fixa condições objetivas para a sua implementação, como o percentual de constrição judicial mensal e anual de valores e aquelas execuções que não se enquadram no plano por não serem tão altas6.
É uma medida para garantir a satisfação dos débitos trabalhistas sem o comprometimento do funcionamento das agremiações. Visa-se equacionar o passivo trabalhista dos clubes e dar efetividade às decisões judiciais em favor dos atletas credores, em respeito ao devido processo legal presente no artigo 5, LIV, da CF/88.
A adoção do procedimento unificado recebeu inclusive a chancela do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se verifica na decisão proferida pela Corregedoria-Geral da Justiça do Trabalho no processo TST-RC-120368/2004-000-00-00-8, onde a elaboração do plano especial é identificada como consoante ao artigo 5, LXXVIII, da Constituição Federal, que assegura a todos, no âmbito judicial e administrativo, a razoável duração do processo e os meios que garantem a celeridade de sua tramitação.
O ato de execução concentrada tem o respaldo do artigo 889 da CLT que garante a aplicação à execução trabalhista dos preceitos que regem a execução fiscal para cobrança judicial de dívida ativa da Fazenda Pública, destacada a possibilidade de reunião de processos contra o mesmo devedor 7.
Ademais, trata-se de método a respeitar o estabelecido pelo artigo 805 do Código de Processo Civil que enuncia que, quando possível a eleição de meios para o cumprimento de execução, ela deve se dar pelo menos gravoso ao executado.
Soma-se a isso que os atos de execução concentradas seguem aquilo estabelecido pelo artigo 47 da lei 11.101/05 (Lei de Recuperação Judicial e Falências). Esse normativo tem por objetivo a concessão de meios à superação de crise financeira para permitir a manutenção da atividade empresarial e, consequentemente, os trabalhos e produtos dela resultantes.
Em conclusão, trata-se de um conjunto de práticas cujo objetivo é regulamentar e viabilizar uma administração profissional e responsável nos clubes de futebol. Somente a partir da implementação de gestões competentes e transparentes se alcançarão desempenhos econômico e desportivo sustentáveis8.
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1 LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Ato das Execuções Concentradas - Bom para o Atleta, Bom para o Clube e Bom para a Justiça. In: Direito do Trabalho e Desporto - volume III. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2016. p. 21.
2 VEIGA, Maurício Correa da. Manual de direito do trabalho desportivo. São Paulo: LTr, 2016. p. 67.
3 AMADO, João Leal. Desporto, Direito e Trabalho: uma reflexão sobre a Especificidade do Contrato de Trabalho Desportivo. In: Direito do Trabalho Desportivo: os aspectos jurídicos da Lei Pelé frente às alterações da lei 12.395/11. Organização e coordenação Alexandre Agra Belmonte, Luiz Philippe Vieira de Mello e Guilherme Augusto Caputo Bastos. São Paulo São Paulo: LTr, 2013. p. 292.
4 MENDES, Danielle Maiolini. A Execução Concentrada Contra os Clubes de Futebol. In: Direito do Trabalho e Desporto. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2014. p. 46.
5 BRAGA, Nelson Thomaz; PESSOA, Roberto. Endividamento dos Clubes de Futebol e a Execução Concentrada. In: Direito do Trabalho Desportivo: os aspectos jurídicos da Lei Pelé frente às alterações da lei 12.395/11. Organização e coordenação Alexandre Agra Belmonte, Luiz Philippe Vieira de Mello e Guilherme Augusto Caputo Bastos. São Paulo São Paulo; LTr, 2013. p. 292.
6 LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. Ato das Execuções Concentradas - Bom para o Atleta, Bom para o Clube e Bom para a Justiça. In: Direito do Trabalho e Desporto - volume III. Leonardo Andreotti Paulo de Oliveira (Coord.). São Paulo; Quartier Latin, 2016. p. 24.
7 LOCKMANN, Ana Paula Pellegrina. A Execução contra a Fazenda Pública: precatórios trabalhistas. São Paulo: LTr, 2004. p. 15.
8 MELO FILHO, Álvaro. Nova Lei Pelé: avanços e impactos. Rio de Janeiro: Maquinária, 2011. p. 269.
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*André Gribel de Castro Minervino é advogado trabalhista, integrante da Comissão de Direito Desportivo da OAB/DF e pós graduando em Direito Material e Processual do Trabalho.