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XI de Agosto e a incrível capacidade de se indignar

Grandes são as injustiças neste país! São injustiças sociais, mas, sobretudo, injustiças morais principalmente aonde não deveriam ser: nos tribunais.

terça-feira, 15 de agosto de 2017

Atualizado às 12:24

Há uma semana, assisti ao documentário "Advogados contra a ditadura", do cineasta Silvio Tendler. Ao ver o depoimento da advogada Eny Moreira que resolvi buscar na internet mais sobre Sobral Pinto.

Descobri pouco sobre o muito que foi a vida do causídico. E, entre os achados, alguns livros usados na Estante Virtual de autoria dele. Comprei. Nem mesmo o apertado orçamento de estudante me impediu deste ímpeto consumista motivado pela fraca memória deste país, por tantas mudanças tão abruptas, pelo medo de que Fahrenheit 451 se torne ainda mais realidade, decidi guardar algo de Sobral Pinto comigo.

De uma só vez arremetei "Toda liberdade é íngreme", "Teologia da Libertação", "Lições de Liberdade" e "Por que defendo os comunistas". Como cristã, acredito que quis Deus que os dois últimos chegassem hoje, dia XI de Agosto.

Na primeira folheada de "Por que defendo os comunistas", vejo uma carta dele para o capitão Luís Carlos Prestes, seu cliente, citando o evangelho de Mateus.

"Bem-aventurados os que têm fome e sede de justiça, pois serão fartos".

Me senti bem-aventurada apesar da amargura no coração e na alma por ver tanta injustiça. Somente nesta semana, Rafael Braga continua preso enquanto Breno Borges, o filho da desembargadora, está solto.

Grandes são as injustiças neste país! São injustiças sociais, mas, sobretudo, injustiças morais principalmente aonde não deveriam ser: nos tribunais. Nos fóruns, o que menos vemos é justiça. Fico me perguntando como era a época do Dr. Sobral, se era muito diferente. Penso que ele era diferente por ter, como disse à Eny Moreira, "não coragem, minha filha, mas a grande capacidade de se indignar".

Neste XI de Agosto tenho visto tudo, menos indignação. Não como deveria, pelo menos. Mas, já foi ensinado, que o Direito é mundo do dever ser. Se é assim, o que nós, estudantes, deveríamos ser?

Covardes não podemos, já ensinou o Dr. Sobral porque a "advocacia não é profissão para covardes". Pela carta à dona Leocádia Prestes de 7 de maio de 1938, é ter uma boa dose de persistência e fé:

"(...) Irei bater, de novo, às portas do Supremo Tribunal Militar, quando tiver de opor embargos ao acórdão que condenou a 16 anos e 8 meses de reclusão o filho de V. Exa. Acredito que o meu cliente ex-officio não esteja disposto a me fornecer dados e elementos indispensáveis a esta derradeira defesa. Os últimos acontecimentos ocorridos no país, e as dificuldades de todo gênero que estão sendo criadas ao meu entendimento livre com ele, talvez, hajam levado ao seu espírito a convicção da inanidade de qualquer esforço de seu modesto advogado, que, apesar de tudo, não perdeu a sua fé na força incoercível na regeneração do homem e da vida social pela atuação da força e dos valores governamentais."

Mais a frente, no requerimento ao ministro presidente do Tribunal de Segurança Nacional, o patrono de Prestes pleiteia em 30 de abril de 1942 que ele possa "receber, semanalmente, ao menos a visita de seu advogado. As funções deste não cessaram com a condenação definitiva do suplicante". Prestes havia sido condenado a duas penas de reclusão, uma de 10 anos de duração e a outra de 6 anos e 8 meses e, posteriormente, uma prisão celular de 30 anos.

"Sente-se, aqui, o grande papel moral de consolação e de regeneração social que é confiado ao advogado: o inculpado, deprimido pelo regime de sua detenção, escutará boamente os conselhos discretos daquele em que ele terá posto a sua confiança. O ÚNICO DO QUAL, EM TODO O CASO, ELE ESTÁ CERTO DE QUE NÃO TERÁ NUNCA QUE DESCONFIAR, E AO QUAL ELE PODE TUDO DIZER SEM TEMOR. Não está ele seguro de que nada sairá da sua boca, que não possa ser útil aos seus próprios interesses?".

Com poucas leituras, me dou conta nesta data que são muitos os predicados necessários para o exercício da boa advocacia. Mas que, como bem resumiu em uma, a incrível capacidade de se indignar é a primeira para que venham todas as outras.

Advogados e advogadas, alunas e alunos, todos do Direito precisam, mais que os outros, se indignar cada vez mais e mais. Neste XI de Agosto e em todos vindouros, é o que mais quero, o que mais desejo a todas e todos.

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*Ivy Farias, 35 anos, é jornalista e estudante de Direito do Campus UMC Villa-Lobos/Lapa.

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