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Recurso especial no CARF: a questão dos paradigmas das turmas extraordinárias

Não obstante a grande relevância do recurso especial de divergência, a portaria 329/17 modificou o artigo 67 do RICARF, de modo a prever, em seu parágrafo 12, que os acórdãos proferidos pelas turmas extraordinárias não servirão como paradigma para interposição de recursos especiais de divergência.

sexta-feira, 4 de agosto de 2017

Atualizado em 3 de agosto de 2017 07:43

Recentemente, o Ministério da Fazenda publicou a portaria 329/17, a qual alterou o Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (RICARF). Particularmente quanto ao Recurso Especial de Divergência, a alteração no RICARF estabeleceu uma restrição que, em nossa opinião, é inconstitucional. Este artigo tem o objetivo de demonstrá-la.

Por meio da mais recente alteração do RICARF, foram criadas turmas extraordinárias, de caráter temporário, compostas por quatro conselheiros, sendo dois deles representantes dos contribuintes e os demais representantes da Fazenda Nacional. Em resumo, as turmas extraordinárias terão competência para apreciar recursos voluntários relativos a exigências de crédito tributário ou de reconhecimento de indébitos, até o valor de 60 salários mínimos.

Não obstante à (elogiável) criação de instrumentos que imprimam celeridade aos julgamentos no CARF, convém analisar os efeitos práticos decorrentes da criação das turmas extraordinárias, sobretudo no que diz respeito ao recurso especial de divergência, que se presta a provocar o saneamento da interpretação da legislação tributária pela instância especial do CARF.

Por meio do recurso especial de divergência, submete-se à Câmara Superior de Recursos Fiscais (CSRF) uma questão acerca da qual há justamente uma divergência jurisprudencial, para que possa haver a uniformização das decisões e, em última análise, a solução definitiva das controvérsias fiscais. Sob essa perspectiva, o recurso especial de divergência é um instrumento processual de grande importância, na medida em que é a CSRF que emite, em última análise, o posicionamento definitivo a respeito da interpretação da legislação tributária federal.1

Não obstante a grande relevância do recurso especial de divergência, a portaria 329/17 modificou o artigo 67 do RICARF, de modo a prever, em seu parágrafo 12, que os acórdãos proferidos pelas turmas extraordinárias não servirão como paradigma para interposição de recursos especiais de divergência:

"§ 12. Não servirá como paradigma acórdão proferido pelas turmas extraordinárias de julgamento de que trata o art. 23-A, ou que, na data da análise da admissibilidade do recurso especial, contrariar: [...]."

Parece-nos, no entanto, que essa vedação expressa à utilização de paradigmas extraídos das turmas extraordinárias viola princípios que orientam o sistema constitucional brasileiro, de modo que não reúne condições de vigorar.

Como é cediço, o artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CF 88) estabelece que a Administração Pública ? e, portanto, também o CARF ? deve obedecer aos princípios autoaplicáveis de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.

Pois bem. Sob o prisma do princípio da impessoalidade, a inconstitucionalidade da vedação é evidenciada. Isso porque, de acordo com a melhor doutrina de Direito Administrativo2, a impessoalidade não se verifica apenas no plano do administrado ? como uma faceta da isonomia ?, mas, igualmente, no plano da administração pública. Por conseguinte, no âmbito do CARF e da CSRF, respeitada, evidentemente, a competência regimental, não deve haver distinção entre as turmas ? sejam elas ordinárias, especiais ou extraordinárias.

Ora, em se tratando de recurso especial de divergência, o critério preponderante para a admissão de paradigmas deveria ser justamente a interpretação conferida ao caso concreto, e não a origem do precedente analisado. A rigor, portanto, sob o prisma da impessoalidade, deveria ser irrelevante o fato de o acórdão paradigma ser oriundo de uma turma extraordinária. O que se pode ? legitimamente ? exigir é que haja divergência de interpretação acerca da legislação tributária federal em casos, no mínimo, assemelhados.

Em adição, ainda na perspectiva dos princípios constitucionais, é certo que a vedação à admissibilidade, como paradigma, de acórdãos exarados pelas turmas extraordinárias, em última análise, pode criar situações que revelem um tratamento desigual a sujeitos passivos que se encontram diante de situações equivalentes ? vale dizer: diante da insegurança jurídica proveniente da divergência de interpretação da legislação tributária entre as turmas do CARF ?, o que é vedado pelo artigo 150, II, da CF 88.

Com efeito, se dois sujeitos passivos manejarem recursos especiais de divergência à instância especial do CARF ? o primeiro com base em paradigma extraído de uma turma ordinária e o segundo a partir de paradigma exarado por turma extraordinária ?, é certo que apenas será admitido o apelo daquele que o fez com base no acórdão proferido pela turma ordinária. Com isso, muito embora ambos estejam diante de situações equivalentes ? ambos se depararam com divergência de interpretação da legislação tributária ?, apenas um deles terá seu recurso especial de divergência admitido na CSRF.

De fato, até mesmo como forma de viabilizar o contraditório e a ampla defesa, a mera existência de decisões conflitantes já deveria ensejar a possibilidade de rediscussão da matéria no âmbito da CSRF, de modo a prestigiar a segurança jurídica, em benefício não apenas do Fisco ou do sujeito passivo, mas do próprio CARF, enquanto órgão administrativo responsável por sanear as controvérsias fiscais, afim de que haja segurança jurídica na tributação, de forma razoável e proporcional.

Ademais, convém lembrar que, sob a égide do antigo RICARF (portaria 256/09), coexistiram no âmbito do CARF tanto turmas ordinárias como especiais ? estas últimas igualmente responsáveis pelo julgamento de casos de menor monta. No entanto, durante a vigência da portaria 256/09, as decisões proferidas pelas turmas especiais nunca foram diferenciadas das turmas ordinárias para fins de demonstração da divergência no momento da interposição de recursos especiais de divergência, o que prova que nunca foi o objetivo do CARF criar embaraços ao contraditório e à ampla defesa no processo administrativo federal.

Destarte, não se pode admitir que, neste momento, haja um retrocesso dessa magnitude no RICARF. A mera existência de decisões que revelem divergência na interpretação da legislação tributária federal deve ser suficiente para garantir aos sujeitos passivos a possibilidade de rediscutir a matéria na CSRF.

O que se espera é que o CARF evolua na busca de instrumentos que, sem se desviar dos princípios constitucionais tributários, aumentem a eficiência do órgão, conferindo ampla segurança jurídica ao administrado. Com isso, é evidente que a restrição à admissão de paradigmas prolatados pelas turmas extraordinárias do CARF para fins de interposição de recursos especiais de divergência não é compatível com os princípios que regem o processo administrativo fiscal federal.

Com base nesse entendimento, portanto, aos sujeitos passivos que não tiverem acesso à instância especial do CARF por conta da (inconstitucional) restrição à admissibilidade de paradigmas das turmas extraordinárias para interpor recurso especial de divergência, cumpre provocar o Poder Judiciário, a fim de que seja devidamente afastado o parágrafo 12 do artigo 67 do RICARF em casos concretos.

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1 SANTOS, Marcelo Rocha dos. Mudanças na composição das turmas do CARF e a questão dos paradigmas para interposição de Recurso Especial de Divergência. Disponível em: (Clique aqui)

2 Cf. DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo - 17ª Edição. São Paulo: Atlas, 2004, pp. 71 e 72.

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*Marcelo Rocha dos Santos é advogado da área tributária do Demarest Advogados.

ALMEIDA, ROTENBERG E BOSCOLI - SOCIEDADE DE ADVOGADOS

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