Precisamos falar sobre a economia compartilhada: a importância da regulamentação
O debate é desafiador e, para que tenha sucesso, se faz necessária a participação colaborativa de diversos atores da sociedade.
sexta-feira, 4 de agosto de 2017
Atualizado em 3 de agosto de 2017 07:27
Economia compartilhada é uma das expressões do momento. É uma nova forma de empreender e de consumir que tem alcançado cada fez mais força nos últimos anos. Quanto mais a tecnologia avança, mais a economia compartilhada se desenvolve.
Pois bem, ao pé da letra, a economia compartilhada é um termo guarda-chuva que possui uma infinidade de significados, cuja utilização mais frequente é utilizada para definir atividades econômicas de base horizontal, colaborativas e sociais, geralmente praticada no mundo digital. É um modelo de mercado híbrido (um meio termo entre entregar e receber) de trocas entre pessoas.
De acordo com Fábio Schwartz, "a economia compartilhada é uma espécie de tendência nos hábitos dos consumidores, de dividir o uso (ou a compra) de serviços e produtos, em uma espécie de consumo colaborativo"1. São exemplos de plataformas de economia compartilhada no Brasil os seguintes serviços: 99 (Pop e Táxis), Uber, Diligeiro, DogHero, Ifood, Airbnb, Couchsurfing, BlaBlaCar, Enjoei, GetNinjas etc.
Quem está habituado com as plataformas acima mencionadas tem certeza que a economia compartilhada trouxe consigo um novo jeito de viver, uma nova forma de enxergar as coisas e um novo estilo de consumo. Muitos analistas de mercado acreditam que a economia compartilhada substituirá o próprio sistema capitalista, amparando-se em um sistema lateral (não verticalizado), por intermédio da gestão comum de bens e da utilização compartilhada de bens.
Há no Brasil, no entanto, um movimento do establishment para frear, por meio da regulação, os avanços de inovação das plataformas tecnológicas de economia compartilhada. Exemplo disso são as leis que proíbem os aplicativos de transporte individual privado de funcionarem; ou os projetos de lei que querem vetar a utilização do Airbnb no Brasil; ou ainda o movimento jurídico querendo frear o desenvolvimento das Legaltechs e lawtechs.
Ora, o Brasil é um país que inspira e expira inovação, é um dos países com o maior número de startups ativas. Todavia, a regulação destrutiva que quer fechar o mercado tem repelido muitas empresas de inovação brasileiras, que, inclusive, abandonaram nosso país e se instalaram no Paraguai para empreender2.
E é esse justamente o motivo do presente texto, levantar a bandeira da necessidade de regulamentar a economia compartilhada, de modo a garantir o livre mercado e a livre concorrência, assim como dispõe o Marco Civil da Internet, que protege e organiza a rede mundial de computadores.
Nota-se que quando do seu surgimento, a lei 12.965/14, popularmente conhecida como Marco Civil da Internet, foi alvo de severas críticas por parte dos mais variados setores da população. Isso porque, temia-se que tal regulamentação restringisse direitos e garantias e, até mesmo, privilegiasse a censura e modificasse a arquitetura da Internet, desenvolvida para propiciar um ambiente que estimula a criatividade e o surgimento de inovações.
Ao revés, o Marco Civil da Internet, em sua base principiológica pretende harmonizar (i) liberdade de expressão; (ii) proteção à privacidade; (iii) proteção dos dados pessoais e (iv) a finalidade social da rede (art. 3 da lei 12.65/2014).
O texto legal disciplina que a Internet brasileira tem como fundamento a livre iniciativa e a livre concorrência, assim como consta expressamente como princípio, a natureza participativa da rede, e a liberdade dos modelos de negócios promovidos na Internet, desde que não conflitem com os demais princípios estabelecidos na lei (art. 3, incisos VII e VIII da lei 12.965/2014).
O Marco Civil também trata de diversos temas relevantes para o bom uso e desenvolvimento da Internet brasileira, como neutralidade da rede, privacidade e proteção de dados e segurança da informação, contudo, o Brasil ainda não possui uma lei específica que verse sobre a proteção de dados pessoais e economia compartilhada.
Sabe-se que os impactos jurídicos da economia do compartilhamento são vastos, sendo certo que a regulamentação de tal modelo de negócio desperta as mais variadas indagações, e inquietações, a respeito da correta tutela do consumidor, a qualidade e segurança dos serviços prestados, bem como sobre a responsabilidade civil dos usuários e dos provedores, tais preocupações afligem uma miríade de juristas insatisfeitos com a dogmática jurídica.
Entretanto, em se tratando de novas tecnologias, não existem respostas prontas. As estruturas jurídicas vigentes no ordenamento jurídico brasileiro, não raro, não dão conta dos novos problemas e desafios apresentados pelas inovações tecnológicas.
Assim, nota-se que além das preocupações regulatórias comuns, a economia do compartilhamento apresenta novos desafios para equilibrar de forma harmoniosa, de um lado, a proteção da privacidade e de dados pessoais dos usuários das plataformas e, de outro, a livre iniciativa e o desenvolvimento dos novos modelos de negócios tecnológicos.
Bem por isso, a fim de evitar infortúnios como a restrição e o bloqueio muitas vezes indevido de tais tecnologias, ocasionando prejuízos para milhares de usuários e ao próprio modelo de negócio desenvolvido, grandes empresários, como o Diretor Geral da Uber, defendem a criação de um marco regulatório para a economia compartilhada3.
A economia do compartilhamento é uma realidade. Tanto isto é verdade, que hoje já é possível compartilhar transportes, rotas, casas, quartos e utensílios domésticos. Em um tempo de crise de confiança, e até mesmo dúvidas e incertezas políticas, a economia do compartilhamento pode representar avanços e mudanças positivas na cultura nacional.
Isso porque, a cultura do compartilhamento e confiança pode dar azo ao uso eficiente de bens e serviços e, por ato contínuo, atender às demandas relativas à função social e, de igual modo, percebe-se que o bom uso da tecnologia da informação poderá aperfeiçoar a existência de transparência nas relações interpessoais e contratuais, privilegiando e fortalecendo os princípios inerentes à boa-fé objetiva4.
Logo, pode-se inferir que o debate é desafiador e, para que tenha sucesso, se faz necessária a participação colaborativa de diversos atores da sociedade, sendo certo que tanto a lei Geral de Proteção de Dados, como o marco regulatório da economia do compartilhamento, não podem ser responsáveis por engessar as novas tecnologias, mas sim, a exemplo do Marco Civil da Internet, devem preparar o terreno para que tais inovações se adequem ao sistema jurídico brasileiro de forma equilibrada e justa.
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1 A economia compartilhada e a responsabilidade do fornecedor fiduciário. Revista de Direito do Consumidor | vol. 111/2017 | p. 221 - 246 | Maio - Jun / 2017 | DTR\2017\1600.
2 Ana Paula Lobo clique aqui - acesso em 27.07.17.
3 A esse respeito, veja-se: clique aqui - acesso em 27.07.17.
4 SOUZA, Carlos Affonso; LEMOS, Ronaldo. Aspectos Jurídicos da Economia do Compartilhamento: Função Social e Tutela da Confiança. Revista Direito da Cidade, v.8, n.4; pp. 1757-1777.
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*Caio César De Oliveira é advogado especialista em Direito Digital do Opice Blum, Bruno, Abrusio e Vainzof Advogados Associados. Mestrando em Direito Civil. Membro da Comissão dos Novos Advogados do Instituto dos Advogados de São Paulo - CNA/IASP.
*Giovani Dos Santos Ravagnani é Mestrando em Direito Processual Civil. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) e do Centro de Estudos Avançados de Processo (CEAPRO). Professor da Rede LFG de Ensino. Advogado em 99.