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CPI e fato determinado

Alcimor A. Rocha Neto

Não se pode resolver problemas do presente com soluções do passado, do mesmo modo que não se há de enxergar uma nova realidade usando lentes antigas. Daí porque se deve reler e se revisitar a antiga concepção de separação dos poderes que para Karl Loewenstein já era, na primeira metade do século passado, uma "antiquada teoria" - quando interpretada em sua forma clássica e ortodoxa.

segunda-feira, 7 de agosto de 2006

Atualizado em 20 de junho de 2006 09:02

 

CPI e fato determinado

 

Alcimor A. Rocha Neto*

 

Não se pode resolver problemas do presente com soluções do passado, do mesmo modo que não se há de enxergar uma nova realidade usando lentes antigas. Daí porque se deve reler e se revisitar a antiga concepção de separação dos poderes que para Karl Loewenstein já era, na primeira metade do século passado, uma "antiquada teoria" - quando interpretada em sua forma clássica e ortodoxa.

 

O sentido que alguns ainda insistem em atribuir à separação de poderes é o de que a doutrina deve ser protegida de toda e qualquer invasão de sentido diverso que, porventura, viesse a "macular" o dogma, destruindo-o e desvirtuando-o. Desvirtua-se o princípio no momento em que se quer tê-lo como absoluto, pois não foi o objetivo do seu nascimento sustentar-se inalterado pela eternidade. A sua finalidade no momento em que surge com toda a força no século XVIII foi o de controlar o poder político, garantindo a liberdade dos cidadãos. Isso porque os ataques dos monarcas absolutos às mais diversas esferas de liberdade do povo eram tão constantes quanto inaceitáveis e absurdos. Mas a era dos monarcas absolutos - pelo menos nas sociedades políticas "civilizadas" - não passa de um capítulo na história dos povos. Daí porque se deve reinterpretar a idéia de separação das funções do Estado, adaptando-a à nova realidade política dos Estados direcionando suas ações e canalizando seu poder para a resolução de outras problemáticas que têm se apresentado nos mais diversos ordenamentos constitucionais.

 

Tudo isso para se dizer que não pode mais se sustentar de pé aquela idéia clássica que se tem do Parlamento como órgão produtor de leis. Continua a fazê-lo, mas não mais como precípua função. Ao lado da tarefa de legislar encontra-se hoje como função típica do Poder Legislativo a de investigar, daí porque a crescente importância que vêm ganhando as Comissões Parlamentares de Inquérito que, para a maior parte dos estudiosos do assunto, teriam sido criadas pela primeira vez na Câmara dos Comuns na Inglaterra em princípio do século XVIII. Mas é somente após a Revolução Gloriosa de 1688 - que pôs fim ao absolutismo dos reis ingleses - que surgiu a novidade de formar-se uma comissão seleta para investigar determinado caso, superando o costume de exercer a própria casa parlamentar essa função.

 

O art. 58 da Constituição (v. abaixo) em seu parágrafo 3o cuida da CPI, disciplinando-a e estabelecendo, para a sua criação, a necessidade de preenchimento de alguns requisitos tais como "o requerimento de um terço de seus membros" e "a apuração de fato determinado". O primeiro requisito é em demasia objetivo dispensando maiores esforços interpretatórios, algo que não podemos dizer do segundo.

 

Não há CPI em aberto. Pontes de Miranda deixa claro que não se pode abrir inquérito sobre crises em abstrato. Isso, porque "a investigação in abstracto sobre as causas e as conseqüências de determinada crise pertence a outras comissões". Não é, pois, por acaso a exigência constitucional. Mas o grande problema encontra-se em se definir fato determinado. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (§ 1o do art. 35) aventura-se em fazê-lo: "Considera-se fato determinado o acontecimento de relevante interesse para a vida pública e a ordem constitucional, legal, econômica e social do País, que estiver devidamente caracterizado no requerimento de constituição da Comissão". Voltamos ao início. A definição do Regimento - ou sua tentativa - é, talvez, mais vaga que a própria expressão "fato determinado". Conceitos como este são considerados indeterminados. E o são justamente pela vastidão de subjetividade que sobre eles pesam.

 

A constatação à qual somos conduzidos é a de que não se pode conceituar com precisão a expressão, o que não quer dizer que a problemática fique sem solução. Não! Apenas deve-se analisar a questão topicamente, isto é, caso a caso, na medida em que dúvidas sejam levantadas sobre a determinação ou não de um fato a ser investigado. Mas em linhas gerais pode-se dizer que a vinculação dos trabalhos da CPI à um "fato determinado" não é absoluta e não impede que as investigações evoluam para a análise de casos que estejam direta ou indiretamente ligados à ele. O que não pode ocorrer é a investigação de algo que não tenha, nem direta e nem indiretamente, ligação com o fato que ensejou sua criação. Impedir que os trabalhos evoluíssem na medida em que se aprofundariam as averiguações seria castrar poderes das Comissões o que acabaria, em última instância, por desvirtuá-las.

 

Parece-nos, pois, que a determinação do fato, vale dizer, o preenchimento do vago conceito de "fato determinado", fica a cargo da própria CPI não podendo o Judiciário intervir diretamente, salvo em casos absurdos - aferíveis sem que se necessite lançar mão de complexos métodos e técnicas interpretatórios - de total desvio dos trabalhos da Comissão.

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Art. 58. O Congresso Nacional e suas Casas terão comissões permanentes e temporárias, constituídas na forma e com as atribuições previstas no respectivo regimento ou no ato de que resultar sua criação.

 

§ 1º - Na constituição das Mesas e de cada Comissão, é assegurada, tanto quanto possível, a representação proporcional dos partidos ou dos blocos parlamentares que participam da respectiva Casa.

 

§ 2º - às comissões, em razão da matéria de sua competência, cabe:

 

I - discutir e votar projeto de lei que dispensar, na forma do regimento, a competência do Plenário, salvo se houver recurso de um décimo dos membros da Casa;

 

II - realizar audiências públicas com entidades da sociedade civil;

 

III - convocar Ministros de Estado para prestar informações sobre assuntos inerentes a suas atribuições;

 

IV - receber petições, reclamações, representações ou queixas de qualquer pessoa contra atos ou omissões das autoridades ou entidades públicas;

 

V - solicitar depoimento de qualquer autoridade ou cidadão;

 

VI - apreciar programas de obras, planos nacionais, regionais e setoriais de desenvolvimento e sobre eles emitir parecer.

 

§ 3º - As comissões parlamentares de inquérito, que terão poderes de investigação próprios das autoridades judiciais, além de outros previstos nos regimentos das respectivas Casas, serão criadas pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, em conjunto ou separadamente, mediante requerimento de um terço de seus membros, para a apuração de fato determinado e por prazo certo, sendo suas conclusões, se for o caso, encaminhadas ao Ministério Público, para que promova a responsabilidade civil ou criminal dos infratores.

 

§ 4º - Durante o recesso, haverá uma Comissão representativa do Congresso Nacional, eleita por suas Casas na última sessão ordinária do período legislativo, com atribuições definidas no regimento comum, cuja composição reproduzirá, quanto possível, a proporcionalidade da representação partidária.

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*Bacharelando em Direito na Universidade de Fortaleza

 

 

 

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