O super idoso
Não é demais concluir que toda pessoa humana, embora seja diferenciada pela sua faixa etária, contém, na sua imensa grandeza, o sentido do próprio universo assim como é depositária de todo valor da humanidade.
domingo, 23 de julho de 2017
Atualizado em 21 de julho de 2017 13:03
O homem, antes e acima de tudo é um ser temporal, com início, meio e fim. Assim é que vai superando cada tempo seu, ampliando suas expectativas e apostando em um futuro com mais esperança, mesmo que seja regado a fantasia, pois, no fundo, e quanto mais idoso for, mais se convencerá de que a vida vem retalhada de instantes felizes, como bem fez ver Clarice Lispector.
Como o verbo fatiar passou a ser utilizado com frequência nos ares de Brasília (julgamento fatiado, no impeachment de Dilma, denúncia fatiada, contra o presidente Temer), a lei, para melhor tutelar o homem, tratou também de fatiá-lo em partes condizentes com sua faixa etária. Nada a ver com o Homem Duplicado, de Saramago, cuja obra focaliza a perda da identidade de um professor na sociedade globalizada, que vê em um ator de cinema uma réplica perfeita de si mesmo.
Assim, a tutela começa no útero, com a proibição do aborto, a não ser nos casos previstos em lei; com o nascimento, a criança é alcançada pela lei 13.257/2016, que dispõe sobre as políticas públicas para a primeira infância, que compreende os primeiros seis anos completos ou setenta e dois meses de vida; também, desde o nascimento, é considerada criança até os 12 anos e depois como adolescente até os 18 anos pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, lei 8.069/1990; na sequência, na faixa entre 15 e 29 anos incide o Estatuto da Juventude, lei 12.852/2013, que trata dos direitos dos jovens e das políticas públicas da juventude; já na maioridade, por um longo período, o homem procria, trabalha e poderá ampliar ainda mais o período laboral para atingir a aposentadoria; ao completar 60 anos de idade, vem cingido pelo Estatuto do Idoso, lei 10.741/2003, que lhe confere uma somatória de direitos, compreendendo os já conquistados e os agora afirmados. Mas a proteção vai além, em razão da longevidade atingida e a vulnerabilidade reconhecida. A lei 13.466/2017, recém-aprovada, altera e dá outra configuração ao Estatuto do Idoso ao criar uma nova categoria acima de 80 anos de idade, inserindo-o no rol de absoluta prioridade em comparação com os demais idosos, não prevalecendo a preferência somente em casos de emergência.
Não é demais concluir que toda
Mas, o corpo vai experimentando as vicissitudes do tempo e carregando as marcas que apontam sua vulnerabilidade. Faz lembrar o relato feito pelo imperador Adriano a Marco, de forma sincera e realista, na obra de Yourcenar: "Esta manhã, pela primeira vez, ocorreu-me a ideia de que meu corpo, este fiel companheiro, este amigo mais seguro e mais meu conhecido do que minha própria alma, não é senão um monstro sorrateiro que acabará por devorar seu próprio dono"1.
Na realidade, se o país tivesse sido culturalmente preparado, não se valeria de lei, principalmente para proteger as extremidades da vida, compreendendo seu início e seu final, justamente os polos mais vulneráveis. É certo que se todos são iguais perante a lei, os mais novos e os mais velhos, no entanto, em razão de sua mais tenra e derradeira idade, necessitam de um plus diferenciador para que sejam tabulados na igualdade. Tanto é que o
Desta forma, em razão da longevidade que se faz presente na população brasileira, o octogenário passa a ter prioridade até mesmo entre os considerados idosos que não atingiram ainda este marco, a não ser, é claro, em caso de absoluta emergência de saúde. De acordo com o andar da carruagem, se continuar prevalecendo o critério etário, logo nova lei deverá ser editada para a proteção do nonagenário. E assim por diante.
Um brinde à vida...
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1 Yourcenar M. Memórias de Adriano. Tradução: Calderaro M. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; 2005.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.