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A lei, a Anvisa e os medicamentos, por Eudes Quintino

A lei, a Anvisa e os medicamentos

O excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, a população brasileira se alimenta de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo.

domingo, 2 de julho de 2017

Atualizado em 30 de junho de 2017 13:13

O presidente da Câmara dos Deputados, Rodrigo Maia, em poucos dias no exercício do cargo da presidência da República, sancionou projeto de lei que libera a produção e venda de remédios inibidores de apetite. Em 2011, a ANVISA proibiu a venda e distribuição dos anorexígenos compostos de anfepramona, femproporex, mazindol e sibutramina, esse último foi mantido no comércio, mas com restrições, pelo fato de não comprovarem a eficácia para o emagrecimento, provocando, desta forma, mais riscos do que benefícios para os pacientes.

Tais substâncias são geralmente utilizadas em tratamento de obesidade mórbida, com potencialidade para inibir o apetite, porém carregam efeitos colaterais significativos no sistema cardiovascular, com o consequente aumento da pressão arterial e da frequência cardíaca, além da provável dependência, alegam especialistas contrários à regulamentação sem o crivo do órgão regulador.

A ANVISA, com boa carga de razão, questiona a inconstitucionalidade da lei por entender que os medicamentos liberados representam consideráveis riscos à população. Lamenta, também, como agência reguladora, que o registro caberia exclusivamente a ela, isto após determinar rigorosa análise técnica para confirmar a qualidade, segurança e eficácia para o paciente. Desta forma, a lei vai na contramão de direção e destoa dos padrões internacionais recomendados.

Faz lembrar o caso da fosfoetalonamina sintética, substância que foi considerada como a cura do câncer, porém sua eficácia nos estudos com seres humanos foi reprovada na primeira fase, apesar de ter sua comercialização aprovada por lei.

Estudos da Organização Mundial de Saúde, que elegeu a obesidade como a doença do século XXI, revelam que 30% da população mundial sofre com sobrepeso. O excesso de peso provoca problemas graves para a saúde, pois, a exemplo do que acontece nos EUA, país que lidera o ranking do tecido adiposo, a população brasileira se alimenta de produtos ricos em gordura e carboidrato, que ficam alojados no organismo. O crescimento desordenado da população obesa atinge graus de morbidade e passa a ser um problema de saúde pública, que deve acudir as doenças decorrentes da obesidade mórbida, tais como: cardiovasculares, diabetes, câncer, hepatite, apneia do sono, estresse e outras.

Diante de tal quadro, considerado grave e preocupante, há necessidade de se buscar tratamentos que sejam adequados e que tenham a eficácia devidamente comprovada pelos órgãos reguladores, vez que a preservação da saúde pública é inafastável obrigação do poder público, conforme diretriz estabelecida no artigo 196 da Constituição Federal, com fundamento no princípio da dignidade da pessoa humana.

O impasse que se cria provoca dúvida e insegurança para o paciente. De um lado há o permissivo legal, liberando a utilização do medicamento. De outro, há um alerta proibitivo anunciando que a pesquisa científica, consistente nos testes em laboratórios, animais e posteriormente em seres humanos, não recomendou a sua aprovação, não restando comprovada sua segurança e eficácia, no âmbito do princípio da precaução.

A Vigilância Sanitária, com origem prevista na lei 8.080/90, tem sua regularização própria contida na lei Federal 9.782/99, que cria a Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Em seu artigo 8º confere a ela a legitimidade para regulamentar e fiscalizar os produtos e serviços que revelam riscos à saúde humana. Em seu parágrafo primeiro, inciso I explicita de forma clara que os produtos submetidos a controle e fiscalização sanitária compreendem os "medicamentos de uso humano, suas substâncias ativas e demais insumos, processos e tecnologias".

Ora, percebe-se que a finalidade da agência reguladora, em razão da competência administrativa a ela conferida, é justamente definir a propriedade e eficácia de um medicamento. Tanto é que a lei 6.360/76, em seu artigo 16, inciso II, ao se referir ao registro de drogas, medicamentos, insumos farmacêuticos e correlatos, exige que "o produto, através de composição científica e de análise, seja reconhecido, seguro e eficaz para o uso a que se propõe e possua identidade, atividade, qualidade, pureza e inocuidade necessárias".

"Neste sentido, esclarece didaticamente Cezar, diante da competência constitucional de controle e fiscalização de procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde, atribuída ao SUS, foi disposto por lei que as ações de vigilância sanitária, inclusive em relação aos medicamentos em pesquisas, sejam exercidas pela Anvisa, que exercerá o controle e a fiscalização dos elementos técnicos e científicos, e que as ações de controle de padrões éticos em pesquisas serão exercidas em articulação com a sociedade, pelo Conselho Nacional de Saúde"1.

A ANVISA, desta forma, encontra-se respaldada legalmente para exercer com exclusividade o critério de avaliação de medicamento, uma vez que fundamentará sua decisão em critérios técnicos e científicos, visando proteger a saúde da sociedade. Vale lembrar nesta oportunidade o princípio da beneficência da Bioética (malum non facere), que apregoa a utilização de medicamentos que possam promover o bem estar do ser humano sem infringir danos à sua saúde e sem provocar sequelas desconfortáveis e inconvenientes.

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1 Cezar, Denise Oliveira. Pesquisa com medicamentos: aspectos bioéticos. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 89.

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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.





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