MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. O CPC/15 e alguns reflexos na execução fiscal

O CPC/15 e alguns reflexos na execução fiscal

A busca da simplificação na interpretação das regras do CPC/15 foi um dos nortes de sua criação, aliada à ideia de tramitação dos feitos executivos de modo mais célere e eficaz, o que refletiria, ou pelo ao menos deveria refletir, diretamente na Execução Fiscal.

sexta-feira, 30 de junho de 2017

Atualizado às 08:19

RESUMO

Este artigo propõe uma breve análise sobre a aplicabilidade das novas disposições do CPC/15 (lei 13.105/15) à Execução Fiscal (lei 6.830/80), especialmente no tocante à contagem do prazo, em dias úteis, para oposição dos Embargos à Execução, a obrigatoriedade de existência de garantia nos autos e a necessidade de cautela até a pacificação jurisprudencial da interpretação do novo Códex processual.

1. INTRODUÇÃO.

Desde bem antes da promulgação do novo Código de Processo Civil - CPC/15 (Lei 13.105/15), a comunidade jurídica já antevia alguns desafios acerca das inovações do Codex processual.

Particularmente no âmbito da militância tributária, alguns pontos ainda causam arrepio aos profissionais de direito, principalmente no tocante à especialidade da Execução Fiscal e os riscos a ela inerentes, pois há quem diga que algumas das inovações do CPC/15 acabaram gerando algumas antinomias (ou lacunas de interpretação).

Por outro lado, a busca da simplificação na interpretação das regras do CPC/15 foi um dos nortes de sua criação, aliada à ideia de tramitação dos feitos executivos de modo mais célere e eficaz, o que refletiria, ou pelo ao menos deveria refletir, diretamente na Execução Fiscal, já que a LEF (lei 6.830/80) determina em seu artigo 1º que o CPC deve lhe ser aplicado subsidiariamente:

"Art. 1º - A execução judicial para cobrança da Dívida Ativa da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios e respectivas autarquias será regida por esta Lei e, subsidiariamente, pelo Código de Processo Civil." (grifei).

Mas se a LEF trouxe logo em artigo 1º, esclarecimento expresso no tocante à aplicabilidade subsidiária do Código de Processo Civil, que dilemas o intérprete de direito enfrentaria?

Neste quadrante, apresentarei, na sequência, de forma simplificada, 2 exemplos de situações processuais sobre a aplicação do CPC/15 à Execução Fiscal que já se desenharam no cenário jurídico nacional, bem como suas perspectivas de solução.

2. A POSSIBILIDADE DE CONTAGEM DO PRAZO PARA OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO EM DIAS ÚTEIS.

O primeiro exemplo diz respeito questão sobre os prazos correrem em dias úteis ou não, especificamente o prazo de 30 dias para os Embargos à Execução Fiscal previsto no art. 161 da LEF.

Dispõe o artigo 219 do CPC/15, especificamente o seu parágrafo único, que somente os prazos processuais serão contados em dias úteis:

"Art. 219. Na contagem de prazo em dias, estabelecido por lei ou pelo juiz, computar-se-ão somente os dias úteis. Parágrafo único. O disposto neste artigo aplica-se somente aos prazos processuais." (grifei).

Em linhas gerais, prazos processuais são aqueles relacionados com a prática de um ato processual e que geralmente surgem no curso de determinado processo já instaurado (contestação, recurso, manifestações sobre provas, etc.), enquanto que os prazos materiais, não abarcados pela contagem em dias úteis, se relacionam a prazos prescricional, decadencial ou prazo para realizar algum pagamento, pois para serem praticados não dependem necessariamente da existência de um processo.

Nem sempre, contudo, a verificação de qual prazo será material ou processual, será simples de ser identificada, havendo divergência doutrinária quanto a matéria, inclusive no que se refere ao prazo para realização de pagamento, previsto no artigo 523 c/c artigo 513 do CPC/15, o que demanda maior cuidado em sua interpretação.

Com efeito, como a LEF é uma lei especial e o CPC/15 (é uma lei geral) é posterior à LEF, ainda vigente, haveria antinomia de segundo grau, o que significa que a eventual solução de conflito entre as normas se daria mediante a utilização dos critérios da especialidade e/ou o cronológico.

A solução para a antinomia de segundo grau ainda não é unânime na doutrina, entretanto, podemos tomar como exemplo e norte, a interpretação conferida pelo C. STJ no julgamento do Resp. 1.137.354/RJ, em que se determinou que o critério cronológico prevaleceria sobre o critério da especialidade, já que naquele caso, as inovações trazidas pelo Código Civil/02 (lei geral) eram mais benéficas à coletividade.

Explica-se. Com a entrada em vigor do CC/02, o prazo prescricional das ações reparatórias sofreu redução de 5 para 3 anos (art. 2062, parágrafo 3º, V). Surgiu então, questionamento em ações propostas em face da Fazenda, já que o art. 1º3, do decreto 20.910/32 (lei especial anterior), estabelece prazo prescricional quinquenal.

Na hipótese, prevaleceu o critério cronológico, no sentido de que a utilização do critério da especialidade para afastar a incidência do prazo prescricional previsto no Código Civil, iria contra o Princípio da Supremacia do Interesse Público sobre o Privado, já que a redução do prazo prescricional se tornaria mais benéfica ao interesse da coletividade.

O mesmo há de ser observado quando da análise da aplicação do CPC/15 (lei geral) sobre a LEF (lei especial), particularmente no tocante às hipóteses em que se verifique a supremacia do interesse público sobre o privado. Antecipe-se desde já, que é isto que deve ocorre com a possibilidade de utilização da contagem de prazos processuais em dias úteis, no âmbito das execuções fiscais.

Não obstante, a verdade é que a LEF nada menciona sobre como se dará a contagem dos prazos processuais na execução fiscal, limitando-se a esclarecer que o CPC deverá ser aplicado de forma subsidiária, conforme mencionado anteriormente.

Uma vez silente a LEF em tal sentido, a aplicação do art. 219 do CPC/15, no que se refere à contagem dos prazos processuais, torna-se plenamente cabível, afastando-se inclusive o debate sobre o melhor modo de solução de antinomia de segundo grau.

Tanto é verdade, que mesmo sendo o CPC/2015 relativamente recente, alguns tribunais já tiveram a oportunidade de se manifestar a respeito, a exemplo do TJ/MG, quando do julgamento da Apelação Cível 1.0016.16.007199-5/001, de Relatoria da Desembargadora Áurea Brasil, decidindo que:

"Nos termos do art. 1º da Lei n. 6.830/80, às execuções aplicam-se, subsidiariamente, as disposições do Código de Processo Civil. O prazo de 30 dias para oposição embargos à execução fiscal previsto no art.16 da LEF deverá ser contado em dias úteis, na forma do art. 219 do CPC/2015" (grifei).


Vale lembrar que o artigo 1834 do CPC/73 (substituído pelo artigo 2245 do CPC/2015), o qual prescrevia que os prazos seriam contados excluindo o dia inicial e incluindo o dia do vencimento, já era comumente aplicado no âmbito das Execuções Fiscais, o que reforça a contagem dos prazos processuais em dias úteis, na forma do artigo 219 do CPC/15.

Resta ao profissional de direito, contudo, observar o termo de início de contagem do prazo para a oposição dos Embargos à Execução Fiscal, já que poderá variar a depender do formato de garantia que será apresentado (depósito judicial, carta de fiança ou seguro, bens à penhora), na forma do artigo 9º da LEF6.

3. A NECESSIDADE DE GARANTIR O JUÍZO PARA VIABILIZAR A OPOSIÇÃO DOS EMBARGOS À EXECUÇÃO

E por falar em garantia à execução, passa-se a apresentar o segundo exemplo de situação processual que gera dúvida sobre a aplicação do CPC/15 à Execução Fiscal.

De fato, o CPC/15 manteve em seu artigo 914, o disposto no artigo 736 do CPC/73 (o qual foi introduzido pela lei 11.382/06 já em verdadeira inovação à época...), no que se refere possibilidade de se debater o débito, por meio de Embargos, sem que tenha ocorrido a devida garantia do juízo.

No entanto, o mesmo não poderá acontecer quando da Execução Fiscal, pois ao contrário do que aconteceu com o silêncio da LEF a respeito da contagem de prazo processual, consta no § 1º7 do artigo 16 de sobredito diploma especial expressa e clara disposição a respeito da condição de garantia do juízo, para o recebimento dos respectivos Embargos e, neste caso, "lei posterior não revoga lei especial anterior".8

Embora a jurisprudência já tenha se manifestado a respeito do tema quando da vigência do CPC/73, merece destaque o seguinte julgado do Eg. TRF 1ª R., na AC 0004078-56.2016.4.01.3801/MG, de Relatoria do Desembargador Federal Hercules Fajoses, uma vez que analisou o mesmo conteúdo disposto no CPC/15, inclusive no que se refere ao termo de início para contagem do prazo para oposição de Embargos à Execução Fiscal, confira-se:

PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL. AUSÊNCIA DE PENHORA. FALTA DE INTERESSE DE AGIR. INAPLICABILIDADE DO ART. 914 DO NOVO CPC.

1. Não há nos autos nenhum documento que comprove que houve o oferecimento de garantia do Juízo correspondente ao valor executado, possibilitando oposição dos Embargos à Execução Fiscal.
2. Considerando que o prazo para oferecimento de embargos à execução fiscal conta-se a partir da intimação pessoal da penhora, e que esta não foi efetivada, não há que se falar em legitimidade ou interesse processual na oposição dos presentes embargos à execução.
3. O egrégio Superior Tribunal de Justiça, já firmou entendimento no sentido de que: "Quanto à prevalência do disposto no art. 736 do CPC - que permite ao devedor a oposição de Embargos, independentemente de penhora, sobre as disposições da Lei de Execução Fiscal, que determina a inadmissibilidade de Embargos do executado antes de garantida a execução -, tem-se que, em face do princípio da especialidade, no caso de conflito aparente de normas, as leis especiais sobrepõem-se às gerais (...). (AgRg no AREsp 621356/RJ, Rel. MINISTRO HERMAN BENJAMIN, Segunda Turma, DJe 06/04/2015).
(...)(AC 0004078-56.2016.4.01.3801 / MG, Rel. DESEMBARGADOR FEDERAL HERCULES FAJOSES, SÉTIMA TURMA, e-DJF1 de 07/04/2017) (grifei).

Note-se que ao contrário do que aconteceu com a interpretação dada pelo C. STJ quando da análise da redução do prazo prescricional de ações reparatórias trazidas pelo CC/02, aplicou-se o critério da especialidade, sobrepondo a lei especial (LEF) sobre a lei geral (CPC/15).

4. CONCLUSÃO.

Não são poucas as questões do CPC/15 que ainda merecem cautela, reflexão e atenção do operador de direito, razão pela qual, enquanto não houver jurisprudência dominante/pacificadora sobre os temas, particularmente no tocante à sua aplicação subsidiaria à Lei de Execução Fiscal, em havendo qualquer questionamento sobre os métodos de sua aplicação, há de se adotar a interpretação mais conservadora possível de modo a preservar o direito das partes envolvidas.

Com efeito, diante do que foi brevemente exposto no presente trabalho, existem fortes fundamentos jurídicos para lastrear a interpretação de que (i) os prazos processuais da execução fiscal devem ser contados em dias úteis, por aplicação subsidiária do artigo 219 do CPC/2015; e (ii) permanece a obrigatoriedade de garantia do juízo para viabilização da oposição dos embargos à execução, tendo em vista que a lei especial (LEF) disciplina especificamente a questão e deve ser privilegiada ante as disposições do CPC/2015.

____________

1. Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 dias, contados:
I - do depósito; II - da juntada da prova da fiança bancária; II - da juntada da prova da fiança bancária ou do seguro garantia; III - da intimação da penhora.

2. Art. 206. Prescreve: § 3o Em três anos: V - a pretensão de reparação civil;

3. Art. 1º As dívidas passivas da União, dos Estados e dos Municípios, bem assim todo e qualquer direito ou ação contra a Fazenda federal, estadual ou municipal, seja qual for a sua natureza, prescrevem em cinco anos contados da data do ato ou fato do qual se originarem.

4. Art. 183. Decorrido o prazo, extingue-se, independentemente de declaração judicial, o direito de praticar o ato, ficando salvo, porém, à parte provar que o não realizou por justa causa.
§ 1o Reputa-se justa causa o evento imprevisto, alheio à vontade da parte, e que a impediu de praticar o ato por si ou por mandatário.
§ 2o Verificada a justa causa o juiz permitirá à parte a prática do ato no prazo que Ihe assinar.

5. Art. 224. Salvo disposição em contrário, os prazos serão contados excluindo o dia do começo e incluindo o dia do vencimento.
§ 1o Os dias do começo e do vencimento do prazo serão protraídos para o primeiro dia útil seguinte, se coincidirem com dia em que o expediente forense for encerrado antes ou iniciado depois da hora normal ou houver indisponibilidade da comunicação eletrônica.
§ 2o Considera-se como data de publicação o primeiro dia útil seguinte ao da disponibilização da informação no Diário da Justiça eletrônico.
§ 3o A contagem do prazo terá início no primeiro dia útil que seguir ao da publicação.

6. Art. 9º - Em garantia da execução, pelo valor da dívida, juros e multa de mora e encargos indicados na Certidão de Dívida Ativa, o executado poderá:
I - efetuar depósito em dinheiro, à ordem do Juízo em estabelecimento oficial de crédito, que assegure atualização monetária;
II - oferecer fiança bancária ou seguro garantia;
III - nomear bens à penhora, observada a ordem do artigo 11; ou
IV - indicar à penhora bens oferecidos por terceiros e aceitos pela Fazenda Pública.

7. Art. 16 - O executado oferecerá embargos, no prazo de 30 (trinta) dias, contados: (...)§ 1º - Não são admissíveis embargos do executado antes de garantida a execução.

8. ASSIS, Araken. Manual da Execução., 11ª ed. São Paulo: RT 2007, p. 1070

____________

ASSIS, Araken. Manual da Execução, 11ª ed. São Paulo: RT 2007, p. 1070.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim, DIDIER JR., Fredie, TALAMINI, Eduardo e DANTAS, Bruno (coords.). Breves comentários ao novo código de processo civil. São Paulo: RT, 2.015, p. 1.356.

____________

*Verônica Cristina Moura Silva Mota é advogada com atuação em Direito Tributário no escritório Chenut Oliveira Santiago Sociedade de Advogados.

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca