Mediação e o artigo 334 do novo CPC
Disseminar a mediação é preponderante frente a autonomia da vontade.
quarta-feira, 28 de junho de 2017
Atualizado em 27 de junho de 2017 16:59
O artigo 334 do novo CPC tem sido alvo de elogios e de críticas. Os que lhe são favoráveis defendem a necessidade de se exterminar o complexo de "otoridade", isto é, desmitificar o juiz como único capaz de decidir conflitos, chamando as partes não só para responderem pelos atos que geraram a situação conflituosa, mas também para, juntas, encontrarem uma solução para o impasse. É cultura do povo brasileiro que qualquer pessoa ou instituição que venha a substituir o juiz togado não seja confiável. Puro preconceito, e como tal, demanda tempo para ser banido. Já os que lhe são contrários, defendem que a mediação tem por protagonista a autonomia da vontade que exclui, por completo, qualquer caráter impositivo.
Particularmente, muito me chama a atenção os ensinamentos de Osvaldo Gozaíni no sentido de que acesso à Justiça é diferente de acesso aos juízes, bem como que acceso no es entrada, es desarrollo, protección, seguridad y satisfacción sin resentimiento1. Irretocável! Mas como colocar em prática o "acesso a uma ordem jurídica justa2"?
O prazo razoável da duração do processo é tema de preocupação mundial e não precisamos atravessar o continente para aprender com outras Nações. Humberto Theodoro Júnior vai além ao reverenciar a etapa prévia da mediação3 instituída no ordenamento jurídico argentino4:
(...) Na América Latina, merece destaque a posição da Argentina, que há algum tempo alterou o seu Código de Processo Civil para instituir em caráter obrigatório a mediação prévia a todos os juízos, destinada a promover a comunicação direta entre as partes em busca da solução extrajudicial da controvérsia. Para a doutrina argentina, a implementação de formas alternativas de resolução dos conflitos produz duplo e relevante efeito: a) a curto prazo, tende a aliviar a sobrecarga de trabalho dos juízes; e b) a longo prazo, se pode esperar uma mudança de mentalidade da sociedade, especialmente dos operadores do direito, por meio da qual, a um só tempo, será possível "um maior acesso à justiça" conjugado com uma redução do ingresso de causas no sistema jurisdicional. (Grifos nossos).
Há inúmeras vozes (e com razão) sustentando que a mediação não tem por objetivo descongestionar o Poder Judiciário. Entretanto, não há como se negar que a diminuição da sobrecarga judicial é um efeito natural de sua adoção.
A sociedade brasileira tem que ser pragmática e ousada, se efetivamente quiser mais preservar as relações e litigar menos, o mesmo valendo para o legislador e, com mais contundência, para os operadores do direito.
O Poder Judiciário brasileiro está abarrotado. E se existem outros métodos que resolvem os conflitos, nada mais inteligente do que recorrer a eles. Ademais, não há informações na literatura de que a adoção dos meios alternativos de solução tenha sido negativa para o Estado ou para os usuários do sistema.
É notória e excessiva a preocupação da lei em reduzir o "gargalo" recursal e repetitivo o esquecimento em incrementar a atividade impeditiva do nascimento ou da continuação do processo no primeiro grau de jurisdição. É o mesmo que tratar os sintomas sem tratar a doença.
O fundamento das críticas ao dispositivo legal em comento é forte (ausência de voluntariedade), mas não irrefutável. Efetivamente, a mediação terá início com um "chamado" judicial e não por iniciativa das pessoas envolvidas no conflito. Entretanto, não podemos deixar de considerar que a grande massa da população brasileira apenas conhecerá e participará de um procedimento de mediação que tenha curso na iniciativa pública. Assim, a meu ver e nas circunstâncias aqui colocadas, disseminar a mediação é preponderante frente a autonomia da vontade.
Os operadores do direito têm lição de casa para fazer (e eu, como aprendiz, me incluo, obviamente): i) fomentar e valorizar a pacificação dos conflitos, abandonando a cultura de que apenas o juiz tem capacidade e poder para solucionar as pendengas e a falsa ideia de que a mediação acarretará diminuição ou perda do mercado de trabalho; ii) reformar a lei com os olhos voltados para o início e não para o meio ou para o fim da linha do tempo processual.
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1 GOZAÍNI, Osvaldo A. Elementos de derecho procesal civil. 1ª ed. Buenos Aires: Ediar, 2005, pág. 85.
2 Nos dizeres de Kazuo Watanabe.
3 A lei 24.572/95 instituiu a obrigatoriedade da etapa da mediação prévia para os processos civis e comerciais com conteúdo econômico. O mediador não tem vínculo com o Poder Judiciário, tampouco o representa. Ele é dependente do Poder Executivo, o que implica gastos do Estado. A mediação, instância administrativa prévia, coloca os interessados frente a frente, expondo os seus argumentos sem as formalidades do processo judicial. O mediador, por sua vez, não apresenta a eles uma solução para o conflito; apenas os auxilia a chegar a ela. Não desejando um dos interessados encerrar o conflito em tal instância, passa-se, então, para a fase judicial. A mediação não será compulsória quando se desejar submeter a questão à arbitragem.
4 THEODORO, Humberto Júnior. Efetividade da Prestação jurisdicional. Insuficiência da reforma das leis processuais. Disponível aqui. Acesso em: 21 jun. 2013.
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*Sandra Regina Pires é advogada, doutora em Direito com área de conhecimento em Direito Internacional - Arbitragem Comercial Internacional. Pós-graduada em Direito Processual Civil. Mediadora e conciliadora.