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Uma lei para cada problema: o excesso de normas de proteção do consumidor e seu controle de constitucionalidade

Esperamos um freio à frequente criação de normas jurídicas que pretensamente protegem consumidores, mas são desconectadas da realidade e elaboradas sem a devida análise prévia de impacto regulatório, social e econômico.

quarta-feira, 28 de junho de 2017

Atualizado em 27 de junho de 2017 09:01

O setor privado tem enfrentado grande dificuldade para se adaptar às inúmeras leis que são promulgadas em âmbito federal, estadual e municipal e impactam na relação entre consumidores e fornecedores. Isso tem acontecido por ser cada vez mais comum a criação de normas locais com imposição de obrigações muito peculiares e que não se repetem em outros entes da federação, impondo ao fornecedor custosos esforços para o seu cumprimento ou sua submissão a sanções administrativas - entre elas o pagamento de pesadas multas aplicadas pelos Procons -, assim como a inquéritos e ações propostas pelo Ministério Público e por outros órgãos de controle.

Esta vasta gama de leis de defesa do consumidor espalhadas pelo país decorre da distribuição constitucional de competência legislativa sobre a matéria. A Constituição Federal (art. 24, V) prevê a competência concorrente da União, dos Estados e do Distrito Federal para legislar sobre produção e consumo, assim como a competência dos Municípios para legislar sobre assuntos de interesse local e suplementar a legislação federal e a estadual no que couber (art. 30, I e II, CF/88).

Esta competência legislativa pulverizada, somada ao apelo popular de leis de proteção do consumidor e a uma incipiente legística, a bem da verdade, tem contribuído para que o processo legislativo seja concluído sem análise dos impactos regulatórios, econômicos, jurídicos e sociais das leis produzidas.

Não raras vezes, essas leis sequer servem ao propósito de implantação de política pública de defesa do consumidor e acabam por criar embaraços ao desenvolvimento da atividade econômica, contrapondo-se à livre iniciativa e à livre concorrência, princípios com os quais a proteção do consumidor se deve harmonizar, nos termos do artigo 170, V, da CF.

Neste cenário, o Poder Judiciário tem sido mais demandado para a verificação de possíveis inconstitucionalidades formais ou materiais (ou ambas) que viciam as inúmeras leis que supostamente tratam da proteção do consumidor. Conforme dados do próprio STF, publicados no Anuário da Justiça de 2016, o Brasil é recordista em leis inconstitucionais e, somente em 2015, o STF julgou 69 Ações Diretas de Inconstitucionalidade, das quais 49 foram procedentes (71%). Isso significa que, a cada dez leis questionadas no STF, sete foram incompatíveis com a CF.

No âmbito deste controle de constitucionalidade é fundamental a escolha do parâmetro de controle, que consiste no critério para a verificação da compatibilidade constitucional da norma a ser impugnada. O parâmetro de controle pode ser a Constituição Federal, a Constituição Estadual (em caso de normas locais) ou, ainda, ambas, conforme a estratégia processual desenhada e o âmbito de aplicação da norma questionada.

A relevância do parâmetro de controle é evidente: além de influenciar a configuração da legitimidade ativa para a propositura da ação constitucional, ele define a competência jurisdicional para seu julgamento e o rito processual adequado. Destarte, a verificação e a definição do parâmetro de controle são etapas essenciais da construção do processo objetivo de controle de constitucionalidade.

Tomando-se como exemplo a ação direta de inconstitucionalidade, a competência para seu processamento e julgamento será sempre do STF quando o parâmetro de controle for a CF (seja a norma impugnada federal ou estadual) e o rito processual será definido especialmente pela lei 9.868/99.

Por outro lado, quando o parâmetro de controle for a Constituição Estadual (impugnação de lei ou ato normativo estadual ou municipal), a competência será do Tribunal de Justiça Estadual (art. 125, § 2º, da CF/88). Neste caso, o rito processual variará de acordo com as normas disciplinadoras de cada Estado. Exemplificativamente: a Constituição do Estado de São Paulo (artigo 90) e o Regimento Interno do Tribunal de Justiça de São Paulo (artigos 229 a 231) preveem como serão o processamento e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, indicando inclusive a possibilidade de apreciação monocrática pelo relator de eventual tutela cautelar urgente e relevante. Igualmente, tanto a Constituição do Estado do Paraná (artigo 111) quanto o Regimento Interno do Tribunal de Justiça do Paraná (artigos 273 a 288) disciplinam o rito processual da ação direta de inconstitucionalidade.

Pois bem. Os indicadores do STF revelam uma profunda fragilidade do processo legislativo nacional. Essa fragilidade denota uma despreocupação inconsiderada do legislador quanto aos impactos e constitucionalidade da norma promulgada, ao passo que, usualmente, assevera singelamente a pretensa proteção do consumidor. Esta receita de criação de normas inconstitucionais fomenta o crescimento do número de ações de controle de constitucionalidade, seja abstrato ou, com a aplicação lesiva concreta dessas normas, difuso.

Todavia, para além de configurar medida paliativa de eficácia incerta, esta judicialização pulverizada do controle de constitucionalidade subtrai a capacidade ótima da função prospectiva e transformadora da jurisdição constitucional. Neste cenário, a segurança jurídica, em tema tão sensível que é o controle de constitucionalidade, tende a ocorrer mais vagarosamente no momento em que a vida (e a transformação das relações nela estabelecidas) está intensamente veloz - e assim será cada vez mais.

Ao mesmo tempo em que temos enfrentado este problema mediante cuidadosa análise da jurisprudência do STF e dos tribunais locais no tocante ao controle de constitucionalidade, observando como determinados setores pretendem posicionar-se neste conturbado contexto de questionamento de normas, esperamos um freio à frequente criação de normas jurídicas que pretensamente protegem consumidores, mas são desconectadas da realidade e elaboradas sem a devida análise prévia de impacto regulatório, social e econômico.


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*Vitor Morais de Andrade é advogado e sócio do escritório LTSA Advogados

*Theotônio Negrão Neto é advogado associado responsável pela área do Contencioso Estratégico do escritório LTSA Advogados.


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