Direito e tecnologias: problemas novos, soluções velhas
O direito precisa também conhecer seus limites frente a esta nova realidade para que possa, inclusive, produzir soluções judiciais e legislativas adequadas a estes novos tempos.
quinta-feira, 22 de junho de 2017
Atualizado em 21 de junho de 2017 09:25
O direito, em especial o modelo jurídico ao qual o Brasil aderiu enfrenta o enorme desafio de, revisando sua própria essência, atualizar-se constantemente diante do redesenho que as novas tecnologias, sobretudo a internet, colocam diariamente.
Face a dinâmica ágil dos processos comunicativos pela internet, como sustentar decisões judiciais que determinam a retirada e banimento de conteúdo da rede mundial de computadores? Estas decisões lidam com o espaço virtual como se este fosse um recipiente em que se põe e tiram coisas, ainda em um viés analógico. Devemos nos perguntar qual é o grau de efetividade - e consequentemente de cumprimento - das medidas judiciais deferidas em relação à conteúdo constante da internet para que não se continue alimentando uma visão antiga do direito e completamente dissociada da realidade virtual.
Na tentativa de dar uma resposta em das mais importantes frentes de interface entre o direito e a tecnologia, em abril de 2014, foi promulgada a lei 12.965 que ficou conhecida como marco civil da internet. A lei, de forte feição principiológica, estabelece os direitos e deveres para o uso da internet no Brasil, destacando, em especial, o princípio da neutralidade da rede, a necessidade de proteção e guarda aos registros e comunicações, a previsão de responsabilidade por danos decorrentes de conteúdos gerados neste ambiente.
Não há referência legislativa expressa a qualquer questão relativa à gestão de conteúdo, mas reforça o art. 22 da lei o papel do Judiciário na requisição e tutela dos registros. A legislação é apenas um guia geral e não possui - nem poderia - a pretensão de responder todos os dilemas jurídicos que podem surgir no ambiente virtual. A resposta virá caso a caso - em algumas instâncias passam inclusive ao largo da atuação do Poder Público, como o modelo "notice and takedown" empregado por redes sociais (após a notificação dos próprios é feita a remoção do conteúdo).
Já no Judiciário, a maior parte das respostas encontra-se na configuração daquilo que se convencionou chamar de "direito ao esquecimento" que compõe a pretensão de obter a eliminação de links que sejam ofensivos à dignidade. O tema foi, inclusive, objeto de recente debate em audiência pública no STF, tamanha sua repercussão. Caso emblemático neste sentido é a determinação da 9ª Câmara de Direito Privado do TJ/SP que impôs aos provedores responsabilidade de apagar conteúdos prejudiciais à imagem de menor que protagonizou vídeo sobre sua família, hábitos favoritos e, inclusive, suas preferências de viagem para a Praia da Baleia.
De acordo com informações do buscador google, o Brasil é o segundo país no ranking de requisição oficial de retirada de conteúdo. Este dado por si só demonstra a estranheza do direito brasileiro em relação a estes novos canais tecnológicos e digitais.
Obviamente que existem valores importantes de proteção - a intimidade, a privacidade, a liberdade de expressão, dentre outros - e a internet não pode se converter em terra de ninguém. Mas, justamente por isso, o direito precisa também conhecer seus limites frente a esta nova realidade para que possa, inclusive, produzir soluções judiciais e legislativas adequada a estes novos tempos. Afinal, não bastam novas leis se as ideias sobre o tema continuam velhas.
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*Marcos Alberto Rocha Gonçalves é advogado e sócio do escritório Fachin Advogados Associados.
*Melina Girardi Fachin é advogada e sócia do escritório Fachin Advogados Associados.