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Decisões do Júri e prisão imediata do réu

Ronaldo Batista Pinto

Pensamos que o julgado em análise não se pautou pelo costumeiro acerto que orienta os votos dos ilustres Ministros que o proferiram, não sendo de se admitir a imediata prisão do réu após sua condenação em plenário.

segunda-feira, 12 de junho de 2017

Atualizado às 11:09

É sabido que no julgamento em que foi relator o Ministro Marco Aurélio, o Pleno do STF, em 5/10/2016, ao apreciar as medidas cautelares nas ações diretas de constitucionalidade 43 e 44, decidiu, por maioria de votos, no sentido de que, uma vez confirmada a sentença condenatória por um colegiado de 2º grau, admite-se a imediata execução da pena, sem que isto implique em afronta ao princípio constitucional da presunção de inocência, esculpido no inc. LVII, do art. 5º da Carta. Com esse entendimento, confirmou o que já decidira antes, no célebre julgamento do HC 126.292, de 17/2/2016, no qual foi relator o ministro Teori Zavascki e que vem assim ementado: "A execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau de apelação, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio constitucional da presunção de inocência afirmado pelo artigo 5º, inciso LVII da CF".

Ao que parece fortemente influenciado por esse posicionamento, o ministro Luis Roberto Barroso, compondo a 1ª Turma do STF, no julgamento do HC 118.770, em 7/3/2017, abriu divergência que foi acolhida por maioria de votos. Destacou Sua Excelência que "[...] a presunção de inocência é princípio (e não regra) e, como tal, pode ser aplicada com maior ou menor intensidade, quando ponderada com outros princípios ou bens jurídicos constitucionais colidentes. No caso específico da condenação pelo Tribunal do Júri, na medida em que a responsabilidade penal do réu já foi assentada soberanamente pelo Júri, e o Tribunal não pode substituir-se aos jurados na apreciação de fatos e provas (CF/88, artigo 5º, XXXVIII, c), o princípio da presunção de inocência adquire menor peso ao ser ponderado com o interesse constitucional na efetividade da lei penal, em prol dos bens jurídicos que ela visa resguardar (CF/88, artigos 5º, caput e LXXVIII e 144). Assim, interpretação que interdite a prisão como consequência da condenação pelo Tribunal do Júri representa proteção insatisfatória de direitos fundamentais, como a vida, a dignidade humana e a integridade física e moral das pessoas".

Partiu-se, portanto, da premissa de que, face à soberania que é inerente ao Tribunal do Júri, decorrente de expresso texto constitucional nesse sentido (art. 5º, inc. XXXVIII, "c" da Carta), seria admitida a imediata prisão do réu, assim que condenado pelo Tribunal popular. Conquanto oriundo de um de seus mais ilustres ministros, temos, com a devida vênia, por equivocado esse posicionamento.

O alcance do princípio da soberania do Júri e a apelação - De se ver, inicialmente, que se conferiu ao princípio da soberania do Júri um alcance que aparentemente ele não ostenta. De sorte que, embora com previsão constitucional, esse princípio é relativo, sofrendo forte mitigação quando a lei permite, na dicção do art. 593, III, "d", do Código de Processo Penal, que o Tribunal de Justiça mande o réu a novo Júri, acolhendo apelação e reconhecendo que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos. E nem poderia ser diferente, já que embora se admitindo a soberania dos veredictos, há que se ter um meio de revisão das decisões evidentemente equivocadas. Não que ao Tribunal de Justiça se autorize, por meio de uma apelação, condenar ou absolver o réu. Mas poderá, sem arranhar o aludido princípio constitucional, determinar que outro julgamento seja realizado. Nesse sentido o posicionamento do STF: "A soberania dos veredictos do Júri - não obstante a sua extração constitucional - ostenta valor meramente relativo, pois as decisões emanadas do Conselho de Sentença não se revestem de intangibilidade jurídico-processual. A competência do Tribunal do Júri, embora definida no texto da lei Fundamental da República, não confere, a esse órgão especial da Justiça comum, o exercício de um poder incontrastável e ilimitado. As decisões que dele emanam expõem-se, em conseqüência, ao controle recursal do próprio Poder Judiciário, a cujos Tribunais compete pronunciar-se sobre a regularidade dos veredictos. A apelabilidade das decisões emanadas do Júri, nas hipóteses de conflito evidente com a prova dos autos, não ofende o postulado constitucional que assegura a soberania dos veredictos do Tribunal Popular" (STF - HC 81423-SP, Rel. Celso de Mello, j. 18.12.2001, DJe 19.04.2001). Daí porque já foi denominado esse recurso, quando manejado contra decisões provenientes do Júri, de apelação sui generis, já que atua como verdadeiro juízo de cassação, posto que, segundo lição de José Frederico Marques, "a soberania continua a existir, mas desaparece a onipotência arbitrária" (Elementos de Direito Processual Penal, Campinas: Bookseller, 1997, vol. IV, p. 228).

O alcance do princípio da soberania do Júri e a revisão criminal - A reforçar o entendimento acima, demonstrando, mais uma vez, que o princípio em análise não tem um caráter dogmático, devendo ser interpretado cum grano salis, tem-se que, em sede de revisão criminal, conforme admitido pela maioria da doutrina, é cabível a absolvição do réu, desconstituindo-se, dessa forma, uma sentença proveniente do Tribunal do Júri. É que, assim como a soberania dos veredictos, o direito à liberdade também tem previsão constitucional e, por isso, é possível o ajuizamento da revisão. Opta-se, assim, por corrigir um erro em benefício da liberdade da pessoa a se manter uma decisão injusta, em nome da soberania dos veredictos. Imagine-se a situação na qual a suposta vítima de um homicídio apareça viva. Teria cabimento que se impedisse a revisão criminal para que se absolvesse o réu condenado definitivamente pela prática do crime? Parece claro que não. E nem seria lógico mandá-lo a novo julgamento pela prática de um crime que não ocorreu. A injustiça da solução contrária não se encontra em eventual manutenção do réu preso. Isto poderia ser facilmente corrigido, através de habeas corpus ou mesmo de um pedido liminar dirigido ao relator que, de imediato, ordenaria a soltura do réu. O absurdo é se determinar um novo julgamento pela prática de um homicídio estando o ofendido vivo. Aliás, não teria cabimento se admitir uma forma de correção para a decisão do juiz togado, que possui conhecimento técnico e, portanto, se encontra presumivelmente preparado para julgar e se conferisse caráter de intangibilidade à decisão do leigo que, na maioria das vezes, não ostenta qualquer preparo teórico a respeito do direito. Homens e, portanto, falíveis, são tanto o togado como o leigo. Este mais que àquele, por ignorar as coisas do Direito.

A propósito, ainda recentemente (em abril de 2017), na sua conhecida Jurisprudência de Teses, o Superior Tribunal de Justiça firmou dois entendimentos, cristalizados nas teses ns. 13 e 14, segundo os quais "não viola o princípio da soberania dos veredictos a cassação da decisão do Tribunal do Júri manifestamente contrária à prova dos autos" e "a soberania do veredicto do Tribunal do Júri não impede a desconstituição da decisão por meio de revisão criminal".

Apelação e julgamento de questões de fato - Da análise dos julgados do STF que passaram a admitir a execução provisória da pena, um de seus mais fortes fundamentos é extraído da circunstância de que, na pendência do recurso especial ou extraordinário, não mais se cogita da análise do fato, mas apenas do direito: no primeiro quando contrariar tratado ou lei federal e, no segundo, por afronta à própria Constituição. Bem por isso, tais recursos não possuem efeito suspensivo, a admitir, na visão da mais alta Corte do país - insistimos - a imediata prisão do condenado, desde que confirmado por um órgão colegiado de 2º grau. Sucede que, em se tratando de decisão do Júri, penderá ainda uma análise de questões de fato (e não apenas de direito, como nos recursos especial ou extraordinário). Claro, se o réu apela sob o fundamento de que a decisão dos jurados foi manifestamente contrária à prova dos autos, o Tribunal de 2º grau fará, necessariamente, uma análise da prova dos autos. Não, por óbvio, para absolver o réu, mas para submetê-lo a um novo julgamento, no eventual triunfo do apelo. Daí o equívoco que detectamos no julgado em exame. Com efeito, enquanto nos demais julgamentos a sentença condenatória foi confirmada por um Tribunal, remanescendo aos Tribunais Superiores (STF e STJ), apenas a análise do direito, as decisões emanadas do Júri admitem uma segunda análise do fato. Cremos, assim, inviável a singela utilização dos argumentos que justificaram a execução provisória da pena, segundo o Supremo, para os julgamentos do Júri, na medida em que se fundam em pressupostos diversos.

A título de conclusão - Quer em virtude de que o princípio da soberania dos veredictos não possui o alcance que tanto impressionou a decisão do STF, quer em razão de que, nas condenações do Júri, remanesce ainda a possibilidade de uma apelação na qual questões de fato serão enfrentadas (não havendo que se falar, portanto, em uma decisão de 2º grau definitiva), pensamos que o julgado em análise não se pautou pelo costumeiro acerto que orienta os votos dos ilustres ministros que o proferiram, não sendo de se admitir a imediata prisão do réu após sua condenação em plenário.
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*Ronaldo Batista Pinto é promotor de Justiça no Estado de São Paulo e Mestre em Direito pela UNESP.

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