A limitação da taxa de juros em face das instituições financeiras que atuam com negativados
Para que efetivamente fosse possível aplicar o entendimento do STJ, de que os contratos podem ser revisados de acordo com a taxa média, seria necessário disponibilizar um novo medidor de juros remuneratórios.
terça-feira, 6 de junho de 2017
Atualizado em 5 de junho de 2017 10:11
A Constituição Federal, em seu texto original, previa, no art. 192, §3º, a limitação dos juros a 12% ao ano, conceituando a cobrança acima deste limite como crime de usura. Entretanto, a Emenda Constitucional 40/03 afastou a aplicação ainda debatida do decreto 22.626/33, conhecida como Lei de Usura, e alterou a redação do referido artigo, revogando todos os seus incisos e parágrafos e determinando que a limitação dos juros só será feita por legislação complementar.
Ressalta-se que o art. 52 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias indica expressamente as vedações ainda aplicáveis até que as condições do art. 192, CF, fossem definidas. Em outras palavras, a Constituição Federal se preocupou em determinar de forma expressa as possibilidades de aplicações financeiras que permaneceriam vedadas, não constando naquele rol a limitação da taxa de juros, donde se extrai que a pactuação dos juros em contratos bancários com instituições financeiras privadas é livre.
Cabe observar ainda que, antes mesmo da Constituição Federal, na década de 1970, a Súmula 596 do STF já tinha afastado a aplicação da Lei da Usura em relação às taxas de juros cobradas nas operações realizadas por instituições públicas ou privadas, que integram o sistema financeiro nacional, eis que se submetem ao regime estabelecido pelo Conselho Monetário Nacional e às normas editadas pelo Banco Central do Brasil (BACEN).
O STJ, por sua vez, compartilha do mesmo entendimento que o STF. A estipulação por tais instituições financeiras de juros remuneratórios superiores a 12% ao ano não indica, por si só, abusividade e estes juros, em regra, não devem ser limitados, ressalvados casos específicos, que exigem a presença de dois requisitos, quais sejam, a aplicação do Código de Defesa do Consumidor ao contrato e a discrepância substancial em relação a média do mercado na praça do empréstimo. Além disso, outro entendimento consolidado é de que seriam taxas abusivas aquelas superiores a uma vez e meia ao dobro ou ao triplo da média.
Neste contexto, dois elementos saltam aos olhos e devem ser examinados com atenção, em especial quando se trata de clientes negativados: a taxa média de mercado e o risco da operação.
Ora, é de praxe que a parte demandante, para comprovar a abusividade dos juros, aponte a taxa média de mercado disponibilizada no site do BACEN. Todavia, por mais que esta taxa não se trate de um índice obrigatório, mas apenas estimativo (até porque pensar o inverso traduziria em tabulação da taxa de juros, limitando a liberdade contratual das partes), o Judiciário ainda se socorre a ela.
Contudo, deve-se ressaltar que a taxa média do BACEN não contempla de forma específica as instituições financeiras que trabalham com um perfil diferenciado de clientes, os negativados, ou seja, aqueles que possuem dívidas cadastradas nos órgãos de proteção ao crédito.
Lembrando que quanto mais segura a operação, menores são os encargos devidos pelo empréstimo e quanto maior o risco de inadimplência e de demora na recuperação do crédito, maior deverá ser a remuneração cobrada no mercado financeiro. Ora, são vários os fatores econômicos que determinam o spread médio do mercado financeiro, cujo índice é definido, inclusive, pela insegurança jurídica e pela crescente inadimplência. Como tais fatores colocam em risco o recebimento do crédito, reduzindo a certeza de retorno do capital, há um aumento do spread.
Verifica-se, a partir das informações constantes no site do Bacen, que a taxa média para a modalidade de empréstimo pessoal não consignado para pessoa física leva em consideração um total de 61 instituições financeiras, sendo que destas tão somente cinco trabalham com negativados, quais sejam, a Crefisa S.A CFI, o Banco Agiplan S.A, a Dacasa Financeira S/A SCFI ("Crédito Confiança"), o Banco BMG S.A ("Help") e a Facta S.A CFI.
Grande parte das instituições financeiras que integram a dita taxa média do BACEN simplesmente não atuam com este tipo de negócio, o que resulta na redução da taxa média de mercado, uma vez que os riscos suportados, e consequentemente, os encargos cobrados são substancialmente menores, o que prejudica as instituições que lidam com este público.
Assim sendo, para que efetivamente fosse possível aplicar o entendimento do STJ, de que os contratos podem ser revisados de acordo com a taxa média, seria necessário disponibilizar um novo medidor de juros remuneratórios, levando em consideração apenas as instituições financeiras que atuam com negativados.
O fato de não existir uma taxa média que seja específica para este segmento somado ao entendimento manifestado pelo relator Ministro Ari Pargendler na decisão do Resp. 407.097/RS de que a revisão se daria em relação à taxa média do mercado, "salvo se justificada pelo risco da operação", fica comprovado que o atual entendimento do STJ é inaplicável às instituições financeiras que atuam com negativados.
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*Márcio Alexandre Cavenague é advogado, Gestor Bancário, Financeiro e Recuperação de Crédito da unidade de Curitiba do escritório Küster Machado - Advogados Associados.
*Andréa Keler é trainee do escritório Küster Machado - Advogados Associados.