O cenário internacional de proteção da biodiversidade e da propriedade intelectual e a necessidade de sua harmonização
Com a evolução tecnológica e o surgimento de novas formas de exploração do conhecimento, os direitos de propriedade intelectual vêm adquirindo importância ímpar no cenário de comércio internacional, tendo em vista que as denominadas novas tecnologias, como a biotecnologia, apresentam-se como instrumentos modernos para a criação de riquezas em favor dos países detentores de recursos técnicos e científicos necessários para o seu desenvolvimento.
segunda-feira, 12 de junho de 2006
Atualizado em 9 de junho de 2006 12:29
O cenário internacional de proteção da biodiversidade e da propriedade intelectual e a necessidade de sua harmonização
André Zonaro Giacchetta*
A importância e a proteção da biodiversidade e da propriedade intelectual
Com a evolução tecnológica e o surgimento de novas formas de exploração do conhecimento, os direitos de propriedade intelectual vêm adquirindo importância ímpar no cenário de comércio internacional, tendo em vista que as denominadas novas tecnologias, como a biotecnologia, apresentam-se como instrumentos modernos para a criação de riquezas em favor dos países detentores de recursos técnicos e científicos necessários para o seu desenvolvimento.
A importância da propriedade intelectual pode ser ratificada pela constituição do acordo TRIPS (Trade related Aspects of Intellectual Property Rights) no âmbito da Organização Mundial do Comércio - OMC, a fim de indicar as garantias mínimas de proteção, de forma vinculante, obrigando os países signatários a alterarem a sua legislação interna em adequação aos compromissos assumidos em nível internacional. Posteriormente, constituiu-se a WIPO - World Intellectual Property Organization, que tem se incumbido de harmonizar as regras internacionais relativas aos direitos de propriedade intelectual, bem como de solucionar controvérsias a respeito do comércio internacional envolvendo direitos de propriedade intelectual.
Dessa forma, verifica-se que a obtenção e a exploração de direitos de propriedade intelectual tem obtido relevo significante no desenvolvimento do comércio internacional, sendo, portanto, de suma importância o estabelecimento de regras a respeito da forma de manuseio desses direitos, observando-se o necessário equilíbrio entre a contribuição trazida pela introdução de uma nova tecnologia, a contraprestação outorgada ao seu titular e o desenvolvimento social e econômico.
Como conseqüência da inovação, tem-se desenvolvido novas formas de utilização de recursos naturais, especialmente dos genéticos, e dos conhecimentos acumulados por comunidades tradicionais locais, com o despontar do interesse mundial na preservação, manutenção e exploração da biodiversidade.
Tanto assim que em 1992 foi criada a Convenção sobre Diversidade Biológica, que tem como finalidades, entre outras, a regulamentação do acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais associados, de forma consentida, prévia e informada e a repartição dos benefícios pela sua exploração comercial entre aquele que autorizou o acesso e aquele que efetivou o acesso e desenvolveu novo produto.
Portanto, a biodiversidade também tem se tornado alvo de grandes investimentos e de preocupação no âmbito do comércio internacional, com a polarização de países considerados megadiversos, detentores da biodiversidade, como é o caso do Brasil, e de países detentores de tecnologia para a exploração dos recursos genéticos e dos conhecimentos tradicionais associados. Considerando-se que preferencialmente o resultado da pesquisa científica possa ser explorado comercialmente, bem como que essa exploração se dê de forma exclusiva, normalmente através da concessão de patentes, surge um aparente conflito entre os direitos de propriedade intelectual advindos da exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados e a proteção à soberania nacional e à biodiversidade.
A 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica
Na qualidade de país detentor de uma vasta e importante biodiversidade, o Brasil sediou, em Curitiba, Estado do Paraná, entre os dias 20 a 31 de março de 2006, a 8ª Conferência das Partes da Convenção sobre Diversidade Biológica ("COP-8"), tendo como principal tema a discussão da criação de um regime internacional sobre acesso a recurso genéticos e conhecimentos tradicionais associados e a repartição dos benefícios decorrentes de sua exploração, bem como o estabelecimento de regras específicas sobre os requisitos necessários para a concessão e exploração de direitos de propriedade intelectual que tenham como objeto um processo ou produto desenvolvido a partir do acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais.
Não obstante a existência de discursos simplistas e também radicais quanto à desnecessidade do estabelecimento de um regime internacional, especialmente pelos representantes dos países detentores de tecnologia para a exploração da biodiversidade, a tônica da conferência foi pela necessidade da realização de estudos para a avaliação dos elementos que necessariamente deverão compor um regime internacional ou mesmo as adaptações obrigatórias em tratados internacionais já existentes, objetivando a efetiva proteção da biodiversidade e também a sua lícita exploração e posterior repartição dos benefícios, monetários ou não, daí decorrentes.
Nesse sentido, o Brasil vem se posicionando favoravelmente à criação de um regime internacional para regulamentação do acesso aos recurso genéticos e conhecimentos tradicionais associados e também da repartição dos benefícios auferidos pela exploração comercial possibilitada pelo acesso concedido pelo país titular do bem da biodiversidade acessado, razão pela qual tem assumido um papel de liderança nessas discussões.
O que se deverá discutir no âmbito da CDB e também da WIPO é a proporcionalidade entre a proteção necessária que se deve garantir à biodiversidade e a irreversível exploração dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais como fonte de novos instrumentos e soluções técnicas e científicas.
A necessidade de harmonização entre as regras da CDB e de TRIPS
Para essa finalidade, há que se considerar a necessidade da harmonização entre os direitos e obrigações estabelecidos para os direitos de propriedade intelectual, com especial ênfase pelo acordo TRIPS, e os direitos e obrigações decorrentes da CDB, pois, de um lado existe a obrigação da concessão e proteção de direitos de patente e, de outro, a obrigação da concessão de acesso a recursos genéticos e deve-se, portanto, buscar o equilíbrio entre o contínuo estímulo do desenvolvimento de novas tecnologias, novos produtos, que se dá através da concessão de direitos de propriedade intelectual, como justa contraprestação pelo desenvolvimento científico trazido ao conhecimento público, e, de outro lado, a repartição dos benefícios oriundos da exploração comercial de direitos de propriedade intelectual, cujo objeto tenha sido desenvolvido a partir do acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, garantindo-se, assim, também a contraprestação pelo efetivo acesso autorizado e consentido de forma prévia.
Impõe-se, assim, o estabelecimento de regras a respeito da forma que deve ocorrer o acesso aos recursos genéticos e aos conhecimentos tradicionais (garantidos pela CDB) e, conseqüentemente, a repartição dos benefícios econômicos obtidos com a exploração comercial do produto resultante, bem como de obrigações aos titulares de direitos de propriedade intelectual decorrentes da exploração de recursos genéticos e conhecimentos tradicionais acessados relativamente à comprovação da legalidade do acesso efetuado.
Dentre as regras postas em discussão, encontra-se aquela pela qual caberia ao depositante de um pedido de patente indicar se o objeto do seu pedido decorreu de acesso a recursos genéticos e/ou conhecimentos tradicionais associados, com a especificação do local e a comprovação de que o acesso tenha ocorrido de forma prévia, consentida e informada às autoridades locais, sob pena do indeferimento do pedido de patente.
Discute-se, neste ponto, se eventuais obrigações que venham a ser impostas aos requerentes de direitos de propriedade intelectual não se caracterizariam como um óbice ao desenvolvimento tecnológico. Desde que observadas as regras estabelecidas pelo TRIPS (da não imposição de obrigações ou ônus excessivos à concessão de direitos de propriedade intelectual), o estabelecimento de regras específicas quanto à concessão de direitos de propriedade intelectual decorrentes do acesso a recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados não se mostram como óbices ao desenvolvimento científico, mas, antes, respeitam a preservação da biodiversidade e a efetiva outorga de direitos de exclusivo de propriedade intelectual.
Da mesma forma que aquele que desenvolve um novo invento requer e exige que lhe sejam conferidos os direitos de exclusividade de exploração do objeto da invenção, por meio da concessão de direitos de patente, também aquele que detém os recursos genéticos e conhecimentos tradicionais necessários para o desenvolvimento desse novo invento espera e deve ser recompensado pelo fornecimento, consentido, prévio e autorizado, de informações sem as quais não haveria pesquisa, desenvolvimento e inovação tecnológica.
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*Advogado do escritório Pinheiro Neto Advogados
* Este artigo foi redigido meramente para fins de informação e debate, não devendo ser considerado uma opinião legal para qualquer operação ou negócio específico.
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