A arbitragem como meio de resolução de conflitos nas Sociedades por Ações
A possibilidade do emprego da arbitragem para a resolução de controvérsias societárias, hipótese esta expressamente prevista na Lei das Sociedades por Ações , vem merecendo grande atenção por parte das companhias e investidores, uma vez que a arbitragem representa, também no âmbito corporativo, uma forma mais célere, eficaz e sigilosa de resolução de conflitos.
segunda-feira, 12 de junho de 2006
Atualizado em 9 de junho de 2006 12:14
A arbitragem como meio de resolução de conflitos nas Sociedades por Ações
Andrea Acerbi*
A possibilidade do emprego da arbitragem para a resolução de controvérsias societárias, hipótese esta expressamente prevista na Lei das Sociedades por Ações1, vem merecendo grande atenção por parte das companhias e investidores, uma vez que a arbitragem representa, também no âmbito corporativo, uma forma mais célere, eficaz e sigilosa de resolução de conflitos.
As vantagens inerentes ao instituto da arbitragem são reconhecidas pela Bolsa de Valores de São Paulo, a BOVESPA, que exige a adoção do mecanismo como meio de solução de conflitos entre acionistas e companhia, ou ainda, entre administradores e acionistas/companhia, no caso das companhias listadas no Nível II e Novo Mercado, segmentos especiais da BOVESPA que buscam oferecer aos investidores graus de transparência e governança corporativa superiores aos exigidos na legislação societária.
Em princípio, a adoção da arbitragem nos conflitos societários ocorre de maneira bastante semelhante ao seu emprego nas relações comerciais em geral. Em um contrato de compra e venda, por exemplo, as partes podem optar por incluir no instrumento uma cláusula dispondo que todo e qualquer conflito oriundo do negócio será resolvido por arbitragem, e não pelo judiciário. Uma vez presente no contrato de compra e venda, tal cláusula arbitral (ou compromissória) vinculará ambas as partes, de modo que, surgido o conflito, nenhuma delas poderá desistir da arbitragem e recorrer ao judiciário para discutir a questão.
Da mesma forma, o estatuto social que rege o funcionamento de uma sociedade por ações pode conter em seu corpo uma cláusula arbitral, determinando que todo e qualquer conflito surgido entre os acionistas, ou entre acionistas e a sociedade, sejam dirimidos por meio da arbitragem, em detrimento da via judicial. À primeira vista, o mesmo raciocínio empregado no contrato de compra e venda seria aplicável, ou seja, assim como o vendedor e o comprador no contrato de compra e venda, todos os acionistas da companhia regida por aquele estatuto social estariam vinculados à cláusula arbitral. Ocorre, entretanto, que em virtude de particularidades relativas à natureza dos estatutos sociais, bem como dos diferentes momentos e formas com que a cláusula arbitral pode ser neles inserida, pairam ainda algumas incertezas no que tange à vinculação de todos os acionistas, indiscriminadamente, à cláusula arbitral estatutária.
Alguns juristas entendem que, no caso de inclusão da cláusula arbitral por ocasião de uma assembléia geral de acionistas, apenas os acionistas que votaram a favor da inclusão estariam a ela vinculados. Isto porque aqueles que não compareceram à assembléia, abstiveram-se de votar ou votaram contra a inclusão da cláusula arbitral, não teriam manifestado expressamente sua vontade de renunciar ao direito de acesso ao poder judiciário, não estando, portanto, vinculados à cláusula arbitral estatutária. No caso do investidor que adquire ação de companhia cujo estatuto já acolhe a arbitragem como meio de solução de conflitos, argumenta-se que, a menos que o adquirente firme termo de adesão anuindo expressamente à cláusula arbitral estatutária, não estará vinculado aos seus efeitos, a exemplo do que ocorre em relação aos contratos de adesão celebrados no âmbito das relações de consumo.
Embora os entendimentos expostos acima, dentre outros em linhas de raciocínio semelhantes, sejam defendidos por respeitáveis juristas, razões práticas, aliadas a experiências vivenciadas por países que enfrentaram a expansão do instituto da arbitragem muito antes do Brasil, encorajam-nos a pensar de forma diferente.
Em primeiro lugar, cumpre ressaltar que o funcionamento das sociedades está essencialmente calcado no princípio da maioria. Ao ingressar voluntariamente em uma companhia o acionista opta por se submeter às regras corporativas, dentre elas, a prevalência da vontade da maioria. Assim, quando uma deliberação é tomada em assembléia, contrariando o voto de alguns, a validade de tal deliberação decorre justamente da prévia submissão, voluntária e espontânea, dos acionistas ao princípio da maioria. Não haveria, portanto, que se falar na não-vinculação dos acionistas que discordaram da deliberação que inclui a cláusula arbitral no estatuto social. Também os acionistas dissidentes devem estar vinculados aos efeitos cláusula sob pena de total desvirtuamento do princípio da maioria, regra fundamental do direito societário.
No que tange aos investidores que adquirem ações de companhias cujos estatutos já prevêem a resolução de conflitos por meio da arbitragem, não há que se falar na necessidade de adesão à cláusula arbitral, em separado, para que se vinculem aos seus efeitos. Em primeiro lugar, por que não pode prosperar a equiparação dos estatutos sociais a contratos de adesão, e, em segundo lugar, porque a implementação desta formalidade estaria em franco descompasso com a atual dinâmica do mercado de capitais.
A vinculação de todos os acionistas, indistintamente, à cláusula arbitral contida nos estatutos sociais é condição sine qua non para que as vantagens da arbitragem, especialmente no que tange à celeridade, sejam desfrutadas nos conflitos societários. Qualquer cenário diferente, com parte dos acionistas vinculados à cláusula arbitral e parte autorizada a recorrer ao judiciário, levaria à aplicação fragmentada e ineficiente da arbitragem, com a possibilidade, por exemplo, de decisões conflitantes sobre a mesma controvérsia, dependendo dos acionistas envolvidos. Nestas condições, ao invés de servir como instrumento de boa governança corporativa, a cláusula arbitral estatutária representaria verdadeiro entrave ao bom desenvolvimento das relações societárias.
Em um dos mais importantes mercados de capitais do mundo, os Estados Unidos da América, há tempos prevalece o entendimento no sentido da vinculação irrestrita dos acionistas à cláusula arbitral estatutária. Recente reforma da legislação societária italiana2, por sua vez, tratou de estabelecer expressamente a vinculação de todos os acionistas, inclusive os dissidentes, à cláusula arbitral prevista no estatuto social. Ao que tudo indica, a tendência não tardará a chegar ao Brasil. Já se discute, na BOVESPA, a reforma do Regulamento da Câmara de Arbitragem do Mercado, que, dentre outras alterações, poderá suprimir a exigência de termo de anuência ao Regulamento, por parte do acionista.
Cuidados como a ampla divulgação da existência de cláusula arbitral no estatuto da companhia, e o estabelecimento de regras voltadas a garantir a instituição de um tribunal arbitral imparcial, bem como a fixação de custos acessíveis aos acionistas minoritários, podem contribuir de forma significativa para a consolidação da arbitragem em matéria societária. Outra providência capaz de reduzir de forma dramática as atuais controvérsias acerca do tema, a exemplo do que já foi feito pela legislação italiana, seria o estabelecimento do direito de recesso ao acionista dissidente da deliberação que determinou a inclusão de cláusula arbitral no estatuto da companhia.
O acalorado debate jurídico sobre o assunto, exposto acima de forma um tanto quanto resumida, não tem outra finalidade senão garantir a proteção aos interesses e direitos dos acionistas minoritários. Pois justamente, antes que nos percamos em tecnicismos, é preciso lembrar que, como meio célere e especializado de resolução de litígios, a arbitragem tende a ser um instrumento de combate às manobras protelatórias comumente empregadas, na esfera judiciária, pela parte economicamente mais forte, a quem muitas vezes não interessa ver o rápido deslinde do conflito. Assim, garantido o acesso à via arbitral através de custos acessíveis, o acionista minoritário que vier a ter seu direito ameaçado ou violado deverá encontrar, na arbitragem, proteção mais eficiente do que a hoje encontrada no judiciário. Esta noção deve ser levada em conta a fim de se afastar a impressão original, e equivocada, de que a vinculação à cláusula arbitral constituiria uma desvantagem ou um verdadeiro ônus a ser suportado pelo acionista.
Estas e outras observações deverão ser cuidadosamente consideradas pelo judiciário, pelo mercado e seus participantes, sob pena de inviabilizar a difusão da arbitragem justamente em um dos campos que mais poderiam se beneficiar de suas características: o meio societário.
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1Lei 10.303 de 31 de outubro de 2001.
2Decreto 5 de 17 de janeiro de 2003 ("Definizione dei procedimenti in materia di diritto societario e di intermediazione finanziaria, nonchè in materia bancaria e creditizia, in attuazione dell'articolo 12 della legge 3 ottobre 2001")
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* Advogada do escritório Felsberg, Pedretti, Mannrich e Aidar - Advogados e Consultores Legais.
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