Omissões empresariais e a posição de garante da pessoa jurídica nos crimes ambientais
Após todos os anos de discussão doutrinária e jurisprudencial sob a vigência da lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a responsabilização da pessoa jurídica vem finalmente sendo consagrada pelos tribunais.
segunda-feira, 5 de junho de 2017
Atualizado em 2 de junho de 2017 10:01
Aproximando-se dos 20 anos da Lei de Crimes Ambientais, as controvérsias a respeito da responsabilidade penal em Direito Criminal Ambiental não podem mais ficar restritas à discussão constitucional acerca da viabilidade da responsabilização penal da pessoa jurídica.
Após todos os anos de discussão doutrinária e jurisprudencial sob a vigência da lei 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, a responsabilização da pessoa jurídica vem finalmente sendo consagrada pelos tribunais, com a sua efetiva aplicação (societas delinquere potest), às vezes em coautoria de pessoas físicas (dupla imputação), por outras, individualmente.
É certo que o reconhecimento da responsabilidade penal da pessoa jurídica em crimes ambientais contou com o recente incentivo de casos midiáticos, da cobertura de grandes escândalos e desastres ambientais, levando-se à implementação de uma política criminal voltada ao enfrentamento dos danos, todavia, sem preocupar-se em alguns casos com critérios técnicos de imputação penal.
A posição de garantidora das pessoas jurídicas, que decorre do dever constitucional de proteção ao meio ambiente, ou seja, o dever de agir preventivamente no tocante a infrações ambientais (artigo 225 da Constituição Federal), ainda não foi claramente delineada de modo a projetar uma oportuna responsabilidade penal frente à correspondente omissão empresarial.
Em outros termos, é sabido que, em se falando de meio ambiente, há que se garantir a máxima efetivação das normas de proteção, porém, no que diz respeito à intervenção penal à pessoa jurídica, faz-se necessário verificar se houve uma omissão relevante no âmbito da empresa, capaz de gerar a responsabilidade criminal.
Nesta perspectiva, não é suficiente para a responsabilização a mera alegação abstrata de que a empresa descumpriu um dever e que, igualmente, detinha um poder de agir, determinando, portanto, condutas jurídico-penalmente relevantes.
Como se sabe, a garantia de integridade ambiental não pode recair de forma automática sobre os administradores e responsáveis dentro da estrutura organizacional, muito menos se pode atribuir uma impensada responsabilidade criminal à pessoa jurídica, que só existe em decorrência de uma relação de interna alteridade.
Cumpre assim, caso a caso, verificar o preenchimento de critérios aptos à demonstração da omissão penalmente relevante (artigo 13, parágrafo 2º do Código Penal), ainda que em relação a deveres especiais de garantia extrapenais, consubstanciados em normas de organização societária, padrões éticos e efetiva demonstração de irresponsabilidade organizacional.
Não há, em direito penal, um campo aberto para responsabilidade criminal casuística, baseada em recorrente sensação de impunidade ou na extensão do crime, ou nas hipóteses em que a autoria das pessoas físicas não é identificada.
A rigor, a imposição de sanções penais aparentemente legitimadas por tais discursos, com base em conceitos abstratos, trata-se de exposição da dimensão simbólica do direito penal, cuja base de legitimidade é o senso comum contrário a efetivos critérios de justiça.
Numa sociedade democrática e passados quase 20 anos da promulgação da Lei de Crimes Ambientais, o contorno da imputação jurídico penal dos entes coletivos deve, então, contar com muito trabalho do Poder Legislativo, Poder Judiciário, incluindo advogados e Ministério Público atuantes, na construção de critérios e parâmetros compatíveis com a natureza da pessoa jurídica, sem deixar de observar as garantias necessárias a um processo justo, que não se justifique em fundamentos equivocados ou resultados imediatos, que por vezes trazem mais prejuízos do que benefícios.
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*Leonardo Palazzi é advogado e sócio na área criminal do Demarest Advogados.