Imunização Fiscal de Medicamentos e o centenário da Constituição Mexicana
Países como Estados Unidos e Canadá há muito tempo instituíram a imunidade tributária aos medicamentos, como condição prévia para possibilitar o amplo acesso por toda a população e maior cobertura pela rede pública de saúde.
sexta-feira, 2 de junho de 2017
Atualizado às 07:27
Tramita pelo Senado Federal a PEC 2, de 2015, de autoria do Senador José Reguffe do Estado do Rio de Janeiro, que tem por objeto a instituição de imunidade tributária aos medicamentos de uso humano.
No ponto, vale recordar a distinção entre imunidade e isenção. O fato gerador da obrigação tributária é "determinado fato incluído na composição da hipótese de incidência da regra jurídica", conforme ensina Becker.
Na composição da hipótese de incidência, vamos observar os elementos que compõem a regra matriz, quais sejam: Material, Temporal, Espacial, Financeiro e Subjetivo.
O material diz respeito ao objeto da incidência, é a verbo, a atividade. O aspecto temporal tem a ver com o momento em que incide. Já o espacial limita a competência em razão do espaço físico de tributação dos entes federados. Por fim, o financeiro é composto da identidade da base de cálculo e alíquota. O subjetivo pressupõe a identificação do contribuinte ou responsável pelo pagamento.
A imunidade é instituto do Direito Tributário que exclui a determinado bem ou serviço do campo material da hipótese de incidência do fato gerador da obrigação tributária. Uma vez imune, nem sequer há o pressuposto material da regra matriz, a atividade ou bem se tornam, por assim dizer, um indiferente.
A isenção é sempre regulada no plano infraconstitucional e tem por objeto fixar uma hipótese de não incidência, de modo que, embora se concretize a incidência da norma ao suposto fático, o critério econômico é afastado da regra matriz.
A consequência desta distinção é que na imunidade nem sequer chega a existir o fato gerador, já na isenção o bem ou serviço é tributável, mas, em determinada condição e prazo o pagamento é isento.
A PEC tem por redação acrescentar o seguinte texto à Constituição Federal Brasileira de 1988:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
III - cobrar tributos:
d) sobre medicamentos destinados ao uso humano (AC).
Calha uma crítica redacional, pois, na proposta se insere uma abreviação "AC", designada para alto custo, porém, não é recomendado ao legislador o emprego de expressões equivocas, que possam ensejar dubiedade interpretativa e prejudicar a finalidade da norma.
A esse respeito destaca-se que a lei Complementar 95/98 que disciplina a redação das espécies legislativas dispõe: "Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas [...]".
Ultrapassada esta questão redacional, é de louvar-se a proposta, uma vez que retira o medicamento do campo mercadológico, excluindo-o da disputa concorrencial gerado pela briga no preço em razão dos tributos incidentes sobre sua fabricação, industrialização, importação ou circulação.
Países como Estados Unidos e Canadá há muito tempo instituíram a imunidade tributária aos medicamentos, como condição prévia para possibilitar o amplo acesso por toda a população e maior cobertura pela rede pública de saúde.
Em entrevista concedida, Pedro Bernardo, Diretor da Associação da Indústria Farmacêutica de Pesquisa (Interfarma) exemplificou que "em um medicamento que custa R$ 100, mais de R$ 33 são referentes a tributos".
A imunidade dos medicamentos se afigura como corolário lógico da universalização do acesso à saúde, contemplado no art. 196 da Constituição Federal como direito fundamental social de segunda geração.
A PEC vem em ótimo momento, pois, neste ano comemoramos 100 anos da Constituição Mexicana, mundialmente conhecida por seu largo campo de atuação na proteção dos direitos sociais.
A vetusta Constituição do México de 1917 dispunha entre as obrigações do Estado, "art. 2º, III. Asegurar el acceso efectivo a los servicios de salud mediante la ampliación de la cobertura del sistema nacional, aprovechando debidamente la medicina tradicional".
Logo, a PEC vem em ótimo momento histórico e deve ser aprovado como fomento estatal ao acesso à saúde e à preservação da vida com dignidade cujo pressuposto é a possibilidade de utilização de todas as tecnologias em termos de medicamentos disponíveis pela ciência.
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*Cristiano Quinaia é sócio de Mandaliti Advogados, especialista em Direito Civil e Processual Civil.