Uma reflexão sobre regulação do ensino jurídico no Brasil
Com mais de 1400 cursos de direito no país, o MEC não consegue estabelecer uma fiscalização objetiva. A OAB precisa ser valorizada no sistema de regulação.
quinta-feira, 1 de junho de 2017
Atualizado às 07:23
Já é de conhecimento público que o Brasil consegue a façanha de deter mais faculdades de Direito que os demais países do mundo (juntos). São mais de 1400 cursos de Direito no país. Espantosamente, o Ministério da Educação não parece conseguir construir uma regra clara de fiscalização de cursos de Direito, notadamente para a identificação do que se pode denominar por "baixa capacidade de formação".
Ao lado dessa verdadeira situação de calamidade, vemos os milhares de novos bacharéis a cada ano, uns com severa dificuldade de aprovação no Exame da OAB - geralmente a primeira porta de entrada para o trabalho no Direito - e outros, mesmo após a aprovação, sendo lançados a vínculos de trabalho sub-remunerados e a uma co1mpetição desleal, com galopante aviltamento de honorários. Pasmem, há notícias de contratação de audiências mediante "advogados correspondentes" por valores abaixo de R$50,00 (cinquenta reais) e outras formas de "diligências" pelo valor de R$20,00 (vinte reais). Ou até menos.
Um campo como este é fértil para demagogias. E para receitas de impacto, prontas para não funcionar. O que nos remete sempre à frase de Lampedusa: "É preciso que tudo mude, para que tudo permaneça como está".
A mudança no sistema de avaliação de cursos pode ocorrer de forma tão simples quanto eficiente. Para isso é essencial a maior valorização da Ordem dos Advogados como parte da regulação da qualidade da formação jurídica nacional.
Não precisa de muita pirotecnia. E não se propugna que a OAB substitua o MEC, ou que anulem os critérios já existentes de avaliação. Basta inserir como critério adicional de avaliação das faculdades, a média de aprovação dos seus egressos no Exame da OAB. Afinal, o Exame da OAB é o único critério objetivo não boicotável pelos alunos.
Os egressos de cursos de direito muitas vezes boicotam os exames como o ENADE (Exame Nacional de Desempenho de Estudantes). As faculdades reclamam que não podem ser prejudicadas por conta do boicote dos alunos. E tudo fica como está. O aluno selecionado para fazer o ENADE pode simplesmente consignar a presença na prova e devolvê-la em branco, que nada terá de negativo. Sua avaliação inclusive permanece em sigilo.
Com o exame de Ordem não é assim. O aluno não o boicotará, pois se o fizer terá resultados negativos pessoais: não terá a inscrição na OAB.
Muito comumente três objeções são levantadas ao uso do Exame de Ordem como avaliação das faculdades: (1) ninguém é obrigado a ser advogado, logo, nem todos os egressos se submeterão ao exame; (2) as faculdades não formam "advogados", e por isso, a avaliação do Exame não seria apropriada à avaliação do Ensino Jurídico; e ainda (3) se o Exame for incluído como critério de avaliação, as Faculdades se transformarão em meros "cursos preparatórios".
As objeções são pertinentes, apenas padecem de certa incompletude. Tais argumentos sucumbem com singeleza:
(1) primeiro, os alunos que não fizerem a prova (por não desejarem se inscrever ou em caso de não comparecimento) não influenciariam na avaliação da faculdade;
(2) segundo, ainda que as faculdades não formem advogados, isso não afasta o fato de ser o Exame de Ordem uma possível mensuração da formação média dos Egressos de uma Instituição de Ensino; e
(3) terceiro, basta conhecer os resultados da série histórica dos Exames da OAB para verificação de reiterados resultados de certas Instituições nos primeiros lugares do ranking, e estas Faculdades não possuem necessariamente uma "formação concurseira" ou "focada no exame da OAB". Ou seja: boa formação e sólida preocupação acadêmica acabam gerando uma média excelente e constante de aprovação, também no exame da OAB (não sendo necessário converter a faculdade em curso preparatório para tal desiderato).
E, mais importante, o exame de ordem não seria o único critério de avaliação de uma Instituição de Ensino: seria apenas mais um elemento, objetivo, e não suscetível a boicote, agregando segurança e clareza.
Como se vê, as preocupações contra o Exame não se sustentam.
É ainda essencial, quanto ao fortalecimento da participação da OAB no sistema de regulação do ensino, e da importância do Exame de Ordem, que as Faculdades de Direito sejam compelidas a divulgarem a média de aprovação de seus egressos em destaque nos seus sítios eletrônicos e materiais de publicidade. Algo semelhante ao que a American Bar Association (ABA) exige das Faculdades de Direito dos Estados Unidos, com a divulgação da Standard 509. 1 Por essa Standard 509 toda faculdade de Direito deve divulgar com detalhes, e de forma a facilitar a leitura e o acesso das informações aos interessados,2 dados sobre a instituição: se é pública ou privada; se a periodização é anual ou semestral; o percentual de egressos aprovados no Exame da Ordem dos Advogados (BAR Exam); e até mesmo a média de custo de vida na cidade onde se localiza da faculdade (para prevenir os estudantes vindos de outras cidades ou estados); e outras informações.
As Faculdades brasileiras não têm - em média - qualquer relação com os seus egressos, como se após a graduação nada mais deles pudessem esperar. Esse quadro é que deve mudar drasticamente, pois essas informações são de relevante interesse para os futuros alunos. Conhecer o percentual de aprovação/reprovação médio dos egressos de uma faculdade é informação essencial para a decisão de matricular-se ou não naquele estabelecimento; ou para pedir transferência. E até mesmo para uma faculdade decidir se aceita ou não o pedido de transferência, já que o transferido, com formação deficitária, que poderá causar-lhe prejuízo quando realizar o Exame.
Deixar o exame de Ordem fora da reforma do Ensino Jurídico - notadamente para fins de avaliação de renovação do credenciamento de Faculdades - é, infelizmente, manter o mais do mesmo. Deve o exame ser valorizado como critério de avaliação das IESs, e deve a OAB ter mais espaço no sistema de regulação do Ensino.
Lógico que isoladamente o exame não é uma solução milagrosa. Ocorre que seu critério objetivo, e sua imunização aos boicotes, o convertem em dado seguro para que se aprecie o credenciamento ou continuidade de funcionamento de uma faculdade.
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1 Section of legal education - ABA required disclosures.
2 Managing Director's Guidance Memo.
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*Luiz Henrique Antunes Alochio é doutor em Direito (Uerj) e Procurador Municipal .