MIGALHAS DE PESO

  1. Home >
  2. De Peso >
  3. Considerações práticas quanto à utilização de cláusulas arbitrais

Considerações práticas quanto à utilização de cláusulas arbitrais

A utilização de cláusula arbitral em contratos deve levar em consideração os elementos acima mencionados, para se identificar seu real alcance e o vínculo que impõe às partes.

quarta-feira, 31 de maio de 2017

Atualizado em 30 de maio de 2017 08:24

O instituto da arbitragem tem tido considerável desenvolvimento no Brasil, em especial após sua reformulação pela lei 9.307/96, e da decisão do STF de dezembro de 2001 (Agravo Regimental em Sentença Estrangeira 5.206) que reconheceu a constitucionalidade da referida legislação. A partir disso, nota-se uma utilização crescente de cláusulas arbitrais em contratos, elegendo a arbitragem como método de solução de litígios.

Contudo, a utilização da cláusula arbitral é aspecto que demanda algumas reflexões, quanto às suas possibilidades e efeitos.

De início, cabe destacar que a utilização de arbitragem exige a presença de alguns pressupostos. De acordo com o artigo 1º da lei 9.307/96, devem as partes ser capazes e o objeto do litígio envolver direito patrimonial disponível.

Ainda, terceiro pressuposto é a concordância das partes na utilização da arbitragem que, conforme o artigo 3º da lei, se dará através da figura da convenção de arbitragem, que é gênero composto pelas espécies da cláusula arbitral e do compromisso arbitral. Tais espécies diferenciam-se, pois a cláusula é instrumento destinado à contratação da arbitragem anteriormente à existência do litígio, de forma que ela é medida preventiva (por não se saber se o litígio de fato existirá). O compromisso arbitral, por sua vez, é contrato que prevê a arbitragem para litígio já existente. Dada essa diferença, na prática a forma de convenção mais utilizada é a cláusula, pela qual as partes de um contrato estabelecem previamente a arbitragem como mecanismo de solução de eventuais conflitos futuros.

No entanto, nem todo contrato admite a inclusão de cláusula arbitral. Isso porque, para verificarmos a possibilidade de utilização da via arbitral, além da presença dos pressupostos anteriormente mencionados, é necessário também analisar a relação entre as partes do contrato, dado que a possibilidade de uso da cláusula irá depender dessa relação.

Em um contrato entre partes em relativa igualdade, em que seja possível a livre negociação de cláusulas e condições, a inserção de cláusula arbitral é plenamente válida, bastando estar escrita no contrato ou em outro documento que a ele faça referência (nos termos do art. 4º, parágrafo 1º da lei), independentemente de outras formalidades. Logo, nessas circunstâncias, a simples existência da cláusula em contrato já vincula plenamente as partes e impõe a solução arbitral.

No entanto, a situação muda consideravelmente caso exista um desequilíbrio de forças entre as partes contratantes. Nesse sentido, em se tratando de contrato por adesão, a eficácia da cláusula (e por consequência a vinculação à arbitragem) demanda mais elementos que a mera inserção da cláusula em contrato. Isso porque, nos termos do art. 4º, parágrafo 2º da lei 9.307/96, em contratos por adesão a eficácia da cláusula depende de o aderente tomar a iniciativa de instituir a arbitragem ou concordar, expressamente, com a sua instituição, desde que por escrito em documento anexo ou em negrito, com a assinatura ou visto especialmente para essa cláusula. Portanto, a lei admite a utilização da cláusula arbitral nessas circunstâncias, mas com exigências adicionais.

Por fim, situação extrema se verifica quando a relação entre as partes caracterizar uma relação de consumo, nos termos do Código de Defesa do Consumidor. Neste caso, o artigo 51, VII, do Código de Defesa do Consumidor prevê que é nula de pleno direito a cláusula contratual que determine a utilização compulsória de arbitragem, de modo que se impede a estipulação prévia de solução por arbitragem nessas situações, não ficando o consumidor vinculado à cláusula porventura existente, dada a determinação de sua nulidade expressa.

Esse raciocínio, pelo qual se reconhecem três situações distintas em relação à cláusula arbitral, foi aplicado pela Terceira Turma do STJ, como verificado no REsp 1.169.841, em que constou da ementa o seguinte entendimento:

"Com a promulgação da Lei de Arbitragem, passaram a conviver, em harmonia, três regramentos de diferentes graus de especificidade:(i) a regra geral, que obriga a observância da arbitragem quando pactuada pelas partes, com derrogação da jurisdição estatal; (ii) a regra específica, contida no art. 4º, § 2º, da lei 9.307/96 e aplicável a contratos de adesão genéricos, que restringe a eficácia da cláusula compromissória; e (iii) a regra ainda mais específica, contida no art. 51, VII, do CDC, incidente sobre contratos derivados de relação de consumo, sejam eles de adesão ou não, impondo a nulidade de cláusula que determine a utilização compulsória da arbitragem, ainda que satisfeitos os requisitos do art. 4º, § 2º, da lei 9.307/96"¹

Logo, a utilização de cláusula arbitral em contratos deve levar em consideração os elementos acima mencionados, para se identificar seu real alcance e o vínculo que impõe às partes.

_______________

1 Note-se que a vedação ao uso de cláusula arbitral em relação de consumo se restringe à contratação prévia da arbitragem, não impedindo, contudo, que posteriormente ao litígio as partes instituam arbitragem se assim desejarem. Essa ressalva constou expressamente da ementa do REsp 1.169.841, nos seguintes termos: "2. O art. 51, VII, do CDC se limita a vedar a adoção prévia e compulsória da arbitragem, no momento da celebração do contrato, mas não impede que, posteriormente, diante de eventual litígio, havendo consenso entre as partes (em especial a aquiescência do consumidor), seja instaurado o procedimento arbitral."

_______________

*Fernando Schwarz Gaggini é advogado e professor de Direito Comercial na Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo.

Faculdade de Direito de Sao Bernardo do Campo

AUTORES MIGALHAS

Busque pelo nome ou parte do nome do autor para encontrar publicações no Portal Migalhas.

Busca