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Responsabilidade civil das montadoras de veículo: posicionamento dos tribunais do Norte e do Nordeste em casos de vícios apresentados fora do período de garantia contratual

Camila de Almeida Bastos de Moraes Rego e Diogo Dantas de Moraes Furtado

A problemática envolve uma patente necessidade de análise detida do caso concreto, levando em consideração não apenas o critério de vida útil de automóvel, mas também fatores próprios como rodagem e desgaste natural como questões determinantes para melhor julgamento do caso concreto.

terça-feira, 23 de maio de 2017

Atualizado em 22 de maio de 2017 08:34

Não é novidade que o brasileiro é um aficionado por carros, cujo mercado nacional está entre os mais competitivos do mundo, chegando, inclusive, a estar entre os 10 maiores produtores globais, com uma média de 1 automóvel para cada 4 habitantes¹.

O número por si só impressiona, e a consequência direta de um volume de mercado tão significativo são inúmeras situações jurídicas que por vezes colocam o consumidor e os fabricantes em situações opostas, a exemplo do que ocorre em casos de vícios apresentados fora do período de garantia contratual.

Com efeito, passaremos a nos debruçar nos próximos parágrafos sobre a análise da problemática no ponto de vista dos entendimentos dos tribunais do Norte e Nordeste, com vistas a instigar ainda mais o debate.

Antes de passarmos para a análise jurisprudencial sobre vícios de produtos propriamente ditos, importante ressaltar que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) é taxativo ao prever, em seu artigo 18², que os fornecedores respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor. Nos parágrafos do mesmo artigo, são elencadas as sanções para caso de descumprimento por parte do fornecedor.

Em síntese, com a ocorrência de vícios, o fornecedor possui direito/dever de corrigir o vício manifestado. Caso ultrapassado o prazo de 30 dias previsto para reparo ou mesmo da negativa de conserto, caberá ao consumidor requerer alternativamente a) a substituição do produto por outro da mesma espécie, em perfeitas condições de uso; b) a restituição imediata da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de eventuais perdas e danos; ou c) o abatimento proporcional do preço, sem esquecer da possibilidade do requerimento adicional de perdas e danos em quaisquer das alternativas.

Neste sentido, importante ressaltar que o supracitado código discorre que a responsabilidade do fornecedor está vinculada aos prazos de garantia legal, ou seja, obrigatória e inderrogável, não se confundindo com a garantia contratual, que é facultativa e complementar a legal. Neste ponto, o artigo 26 do CDC disciplina que o direito de reclamar vícios aparentes ou de fácil constatação caduca em 30 dias - tratando -se de bens não duráveis -, e 90 dias, para bens duráveis.

Exceções são os casos de vício oculto, onde o prazo decadencial inicia-se no momento em que ficar evidenciado o defeito, sem que, entretanto, a legislação consumerista deixe claro um limitador temporal para que a reclamação possa ser realizada, mesmo após o período das garantias legais e contratuais.

São nestes casos de omissão legal, onde os critérios de razoabilidade variam de acordo com o entendimento de cada tribunal, que se encontram os impasses postos sob debate.

A doutrina majoritária costuma se posicionar através de três vertentes distintas para aplicação do prazo da garantia legal: a primeira, a qual propõe a aplicação subsidiária do Código Civil, art. 445, caput e §1, o qual prevê o prazo de 180 dias dentro do qual o vício oculto pode se manifestar; A segunda, a qual argumenta que o prazo de garantia legal deve ser o mesmo prazo da garantia contratual; e por fim, a terceira vertente, que defende o critério de vida útil do produto para definição do prazo da garantia legal.

Acerca do tema, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) defende a utilização do artigo 26 do Código de Defesa do Consumidor, ou seja, que nos casos de produtos duráveis, o prazo decadencial será de 90 dias, aplicando-se ainda quando exista a garantia contratual, "sem abandonar, contudo, o critério da vida útil do bem durável, a fim de que o fornecedor não fique responsável por solucionar o vício eternamente".³

Assim, adotando o posicionamento da vida útil do bem, e não o critério da garantia, o STJ entende que o fornecedor poderá ser responsabilizado pelo vício em período maior que a garantia contratual pactuada quando o vício se apresentar em tempo inferior a vida útil que se esperava.

Os tribunais locais não destoam de forma significativa da Corte Superior e, em sua maioria, adotam tanto o critério da garantia contratual quanto a adoção do critério da vida útil.

A exemplo disto, em 2016, o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Norte (TJ/RN), entendeu pela responsabilidade do fornecedor em razão do vício acometido pelo veículo, apesar da ausência de garantia, mas levando em consideração o critério da vida útil:

CONSUMIDOR. VÍCIO DO PRODUTO. VÍCIO OCULTO. CRITÉRIO DA VIDA ÚTIL DO BEM. AFERIÇÃO DA DURABILIDADE DO BEM NO CASO CONCRETO. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR. ART. 26, § 3º, DO CDC. DIREITO DO CONSUMIDOR DE OBTER A DEVOLUÇÃO DA QUANTIA PAGA. ART. 18, § 1º, II, DO CDC. 4

No mesmo sentido, posicionaram-se o Tribunal de Justiça do Acre (TJ/AC)5 e Tribunal de Justiça do Pará (TJ/PA).6
Por outro lado, o Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão (TJ/MA), na Apelação Cível 050704/2013, entendeu que em razão da ausência de garantia contratual do veículo e não havendo elemento robusto a demonstrar que o dano ocorrido no veículo é decorrente de vício ocorrido dentro prazo de garantia concedido, não pode o fabricante ou a concessionária ser compelida a arcar com os prejuízos experimentados pelo apelado. Vejamos:

Se o veículo, apresentado com defeito estiver fora do prazo de garantia contratual não há que se falar em dever de indenização. Somente um arcabouço maior de provas que poderia atestar que o dano decorreu da existência de vício anterior.

Não havendo elemento robusto a demonstrar que o dano ocorrido no veículo é decorrente de vício ocorrido dentro prazo de garantia concedido, não pode o fabricante ou a concessionária ser compelida a arcar com os prejuízos experimentados pelo apelado.

Em uma linha mais objetiva e sem levar em consideração critérios subjetivos, o Tribunal de Justiça de Rondônia (TJ/RO) entendeu que se o vício do produto evidenciou-se após o período de garantia, não seria devida qualquer indenização. Vejamos:

Vício do produto. Veículo. Reclamação fora do prazo de garantia. Indenização indevida. Tendo o consumidor reclamado de vício do veículo quando já extinta a garantia, por ter deixado, negligentemente, transcorrer o prazo de garantia concedido pela fabricante, não há que se falar em responsabilidade pelo conserto, sendo indevida a indenização material e moral reclamada. 7

Situação semelhante diz respeito à ausência de condenação das fabricantes em caso de não obediência dos proprietários à realização das revisões periódicas, que acarreta a perda da garantia contratual. Sobre o tema, inclusive, o STJ, em relatoria do ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, posicionou-se pela validade das cláusulas contratuais que condicionam a garantia a obediência, pelo consumidor, das orientações de periodicidade previstas em contrato. Vejamos:

Consumidor que não realiza revisões nas datas marcadas. Perda da garantia. Recompra que estava condicionada à realização das revisões periódicas. Ausência de abusividade nas cláusulas contratuais. Contrato de recompra que indica obrigações de ambas as partes. Contrato bilateral. Autor que descumpriu sua parte na avença e não pode obrigar a ré a cumprir aquela que lhe competia. 8

Na mesma linha acima abordada, entendeu a Turma Recursal de Pernambuco, do TJPE:

INÍCIO DO PRAZO DE GARANTIA CONTADO A PARTIR DA EMISSÃO DA NOTA FISCAL. VEÍCULO NÃO ADQUIRIDO ORIGINALMENTE PELO AUTOR. PROBLEMAS APRESENTADOS. AUSÊNCIA DE MANUTENÇÕES PERIODICAS EXIGIDA NO MANUAL. PERDA DA GARANTIA. SENTENÇA CONFIRMADA. RECURSO INOMINADO IMPROCEDENTE. 9

Conforme visto, não existe consenso na doutrina e na jurisprudência acerca da responsabilização das montadoras em reparar vícios ocorridos fora do período de garantia (contratual ou legal).

Todavia, podemos afirmar que existe uma tendência de aderência dos Tribunais nordestinos ao posicionamento do STJ, no sentido de que deve ser levada em consideração não apenas o prazo da garantia contratual ou legal, mas também a expectativa de vida útil do bem, desde que presentes outros requisitos, tal qual a existência de revisões periódicas - nos termos contratuais - como fator determinante para mensuração da responsabilização do fabricante.

De todo modo, a problemática envolve uma patente necessidade de análise detida do caso concreto, levando em consideração não apenas o critério de vida útil de automóvel, mas também fatores próprios como rodagem e desgaste natural como questões determinantes para melhor julgamento do caso concreto.

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1 Brasil perde para México e agora é 8º em ranking de produção de veículos, acessado em 16/3/17.
Com aumento da frota, país tem 1 automóvel para cada 4 habitantes, acessado em 16/3/17.

2 Art. 18. Os fornecedores de produtos de consumo duráveis ou não duráveis respondem solidariamente pelos vícios de qualidade ou quantidade que os tornem impróprios ou inadequados ao consumo a que se destinam ou lhes diminuam o valor, assim como por aqueles decorrentes da disparidade, com a indicações constantes do recipiente, da embalagem, rotulagem ou mensagem publicitária, respeitadas as variações decorrentes de sua natureza, podendo o consumidor exigir a substituição das partes viciadas.

3 REsp 984.106/SC, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, Quarta Turma, julgado em 4.10.12.

4 TJ/RN - AC 20160058402, relator: Desª. João Rebouças, Data de Julgamento: 16/8/16, Terceira Câmara Cível, Data de Publicação: 17/8/16

5 TJ/AC - APL: 00008891820128010005 AC 0000889-18.2012.8.01.0005, Relator: Desª. Eva Evangelista, Data de Julgamento: 2/12/16, Primeira Câmara Cível, Data de Publicação: 31/1/17

6 1ª Câmara Cível Isolada do Tribunal de Justiça do Estado do Pará - 07 de março de 2016. Exmo. Sr. Des. Leonardo de Noronha Tavares, Exma. Sra. Desa. Gleide Pereira de Moura e a juíza convocada Dra. Rosi Maria Gomes de Farias. Sessão presidida pela Exma. Sra. Desa. Gleide Pereira de Moura

7 TJ/RO - APL: 02939553720088220001 RO 0293955-37.2008.822.0001, Relator: Desembargador Raduan Miguel Filho, Data de Julgamento: 2/5/13, 1ª Câmara Cível, Data de Publicação: Processo publicado no Diário Oficial em 26/6/14

8 STJ - REsp 1334258 SP 2012/0145614-7, Relator: Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, Data de Julgamento: 29/4/15, Data de Publicação: 7/5/15

9 TJ/PE - Proc. 0032828-17.2015.8.17.8201, relator: Juiz Emanuel Bonfim Carneiro Amaral Filho, Quarta Turma Recursal, Data de Julgamento: 26/8/16, Data de Publicação: 26/8/16

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*Camila de Almeida Bastos de Moraes Rego é advogada e sócia do Queiroz Cavalcanti Advocacia e especialista em Gestão Empresarial.

*Diogo Dantas de Moraes Furtado é advogado e sócio do Queiroz Cavalcanti Advocacia e especialista em Direito Processual Civil contemporâneo.

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