Prisão preventiva para delação na Lava Jato?
A prisão não subsiste por ser simplesmente prisão, como no caso da flagrancial, e sim porque vem acompanhada de elementos de convicção fundados em razões sociais que justifiquem a segregação provisória.
domingo, 21 de maio de 2017
Atualizado em 19 de maio de 2017 13:18
Muito se tem falado e até mesmo questionado a respeito da prisão preventiva, principalmente quando decretada em desfavor dos réus da Lava-Jato, que acabam fazendo a opção pela delação premiada. Inúmeros comentários já foram feitos no sentido de que o longo cerceamento da liberdade pode ser interpretado como um instrumento de tortura que, por si só, pelas regras processuais, invalidaria o ato constritivo, que obrigatoriamente envolve a participação e culpabilidade alheias.
É interessante observar, no entanto, que a prisão preventiva apresenta-se como a preferida pelos julgadores, por ser exatamente a que reúne e preenche os requisitos de segurança exigidos pela nova processualística penal. Pela valoração dada pelo Código de Processo Penal, desprezando no caso específico a prisão temporária, pela sua curta eficácia e mínima exigência probatória, tem-se a impressão que a prisão em flagrante delito seria a que congrega todos os predicados para aperfeiçoar a detenção e torná-la aceitável perante as regras do devido processo legal. Basta a configuração do flagrans crimen, que carrega a certeza visual do cometimento do ilícito, ofertando ao mesmo tempo a autoria e materialidade, para que o cidadão seja levado coercitivamente à presença da autoridade policial, por seus agentes ou até mesmo por qualquer um do povo.
A prisão preventiva, no entanto, vem revestida de um plus diferenciador. Pode-se até dizer que seja resultado de uma construção laboratorial em que a centrífuga do judiciário tem que analisar criteriosamente determinada conduta e sentir sua repercussão social para adotar a decisão mais apropriada. Na realidade, busca-se o critério da segurança jurídica para a prisão preventiva, pois o que se pretende é estabelecer uma medida que seja preenchida pelas razões de conveniência e necessidade. Quer dizer, a prisão não subsiste por ser simplesmente prisão, como no caso da flagrancial, e sim porque vem acompanhada de elementos de convicção fundados em razões sociais que justifiquem a segregação provisória. Daí porque a prisão flagrancial só será consolidada se presentes os requisitos da preventiva, previstos no artigo 312 do Código de Processo Penal.
Assim, o que se tem assistido pela imprensa é que aquele que teve sua prisão preventiva decretada pela operação Lava-Jato, em decisão que segue rigorosamente o conteúdo processual recomendado e que reiteradamente vem recebendo aprovação dos tribunais superiores, pode, se quiser, fazer uso do instituto da delação premiada. Em alguns casos, o preso contrata um determinado escritório de advocacia para conseguir sua liberdade provisória e defendê-lo no curso processual. Na sequência, quando se convence que a delação passa a ser um recurso de seu interesse, migra para outro, especializado em tal área, que vai iniciar contatos com os responsáveis pela propositura da lide penal visando conseguir os benefícios mais favoráveis, compreendendo desde a concessão da liberdade provisória até a aplicação da pena mais benéfica.
A determinação do acusado de se tornar colaborador depende unicamente de sua decisão, que vem calcada em seu interesse pessoal, desprezando qualquer pacto estabelecido anteriormente com o grupo de sua convivência. Na medida em que seus pedidos de liberdade são negados, outras condenações são impostas aos réus em idêntica situação, avulta-se à sua frente a somatória das penas previstas para os ilícitos imputados na ação pública. É como se fosse uma máquina programada que vai levando de roldão tudo por onde passa. A serenidade só volta a reinar quando toma conhecimento da concessão da liberdade provisória, com certas restrições, a réus que ofertaram delações.
Assim, vai afunilando a opção pela delação que passa a ser o único porto seguro do acusado, firmando-se como um verdadeiro direito colocado à sua disposição. De um lado, demonstra arrependimento em ter participado da empreitada criminosa e envolve os nomes de todos os responsáveis, que é justamente o objetivo do instituto e, de outro, fica com crédito perante a opinião pública, embora possa acarretar danos irreparáveis às pessoas que envolveu em sua narrativa.
De um momento para o outro, o delator se transforma em pessoa arrependida perante a sociedade que nele enxerga um aliado à causa com condições de recuperação, principalmente quando se propõe a devolver valores ilicitamente alcançados. Tommaso Buscetta, primeiro mafioso arrependido da história, quando contou com a proteção do Judiciário, revelou ao juiz Giovanni Falcone os nomes dos companheiros, o funcionamento da organização e os esquemas de corrupção de políticos.
Não há como dizer que a delação seja fruto de coação, na medida em que o acusado está sendo assistido e orientado por um advogado de sua confiança, que ali se encontra não só para proporcionar o caráter de legalidade e segurança do ato, mas também para lançar mão de todos os recursos defensivos pertinentes. Além do que, para que sua delação seja aceita, deverá ser submetida ao crivo de aceitabilidade do Judiciário, que a homologará se for convincente e, posteriormente, quando ouvido coram judice, será reinquirido a respeito de sua decisão de colaborador.
Não há, portanto, do ponto de vista jurídico, qualquer antagonismo na decretação da prisão preventiva com a opção do réu pela delação, principalmente nos céleres processos oriundos da operação Lava Jato, onde são aplicadas penas rigorosas. E nem se pode falar que foi decretada a prisão cautelar para alcançar a colaboração.
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*Eudes Quintino de Oliveira Júnior é promotor de Justiça aposentado, mestre em Direito Público, pós-doutorado em Ciências da Saúde. Advogado e reitor da Unorp.